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terça-feira, 2 de março de 2021

nº 250 Dez anos de Cantos Lusófonos.


Quando andava a fazer este livrinho, a minha mulher e mais eu conhecemos à pessoa mais importante das nossas vidas: a nossa filha Dália. É por isso que o livro tem na capa um desenho desta flor e uma dedicatória para ela. 

Além disso, há três mulheres mais que participaram na composição do volumem com seu alento de companheiras e amigas: Maria Manuela, ilustradora ilustre, e Ugia Pedreira e Uxía Senlle com sendos prólogos. Nunca melhor acompanhado.

O Cantos Lusófonos leva anos esgotado nas livrarias e não sei se é possível encontrar algum exemplar de velho. Eu gosto imenso de partilhar estas canções porque todas elas fazem parte dum momento importante da minha vida, e no seu conjunto, constituem o trilho musical da minha existência.

 

 
 


 Alguma das peças de Cantos Lusófonos viajou até o meu disco Poetas nas mãos carinhosas de Alejo Amoedo e na perfeição vocal de Helena de Afonso. Que eles dois interpretem uma peça arranjada por mim é um motivo para não abandoar, quando abandoar resulta tao motivador!



          

quarta-feira, 5 de agosto de 2020

nº 244 O Monte das Mámoas de Catoira.


A pouca distância da nossa casa da Baiuca, em Catoira, encontra-se o Monte das Mámoas, um pequeno outeiro duma beleza muito singular. Hoje fui passear e tirar algumas fotos em torno duma dessas mámoas que dão nome ao lugar acompanhado das pequenas, sabedor de que o espaço é perfeito para uma pequena lição de história, flora autóctone, geologia...

Já na casa, procurei alguma informação na rede superficial e li espantado que a descoberta em 1956 (sic) deste conjunto arqueológico é atribuída a Ramón Sobrino Buhigas. Imediatamente compreendi que algo tinha que estar mal pois o naturalista e arqueólogo pontevedrino morrera no ano 1946. Então, o mérito só poderia corresponder a seu filho, Ramón Sobrino Lorenzo-Ruza (1915-1959) [a partir de agora R. S. L.], na altura comissário de escavações arqueológicas, entre outras muitas ocupações.

Felizmente,  contamos com uma série de publicações dum membro da família Sobrino, o professor Ángel Núñez Sobrino, que não apenas esclarece os detalhes desta descoberta, mas também achega dados sobre outros restos arqueológicos do concelho de Catoira.

Comecemos polas mámoas. Em  El trayecto vocacional de un arqueólogo, o professor Ángel Núñez publica anotações da agenda de trabalho de R. S. L. Uma dessas anotações dá-nos a data exata na que visitou Catoira e indica quem foi a pessoa que o orientou para chegar até o monumento megalítico.

"3 de abril de 1955
Excursión a Catoira. López, el de la papelería "El Sol" me habla de conchas en la Balastrera. No las encontramos. Frente a la Balastrera otro montículo también de cantos rodados y limonita. Descubro dos mámoas y las fotografío. Tienen sepultura megalítica, saqueada. Se llama "Monte das Mámoas". Pregunto y no saben decirme el porqué de este nombre." p. 23 e 24

Portanto, as webs deveriam correger o erro e dizer nas suas entradas que O Campo das Mámoas foi descoberta para a arqueologia o 3 de abril de 1955 por Ramón Sobrino Lorenzo-Ruza. Obviamente, o povo que lhe deu nome ao monte, já as descobrira muito antes.

Mas, como nos ensina o professor Núñez Sobrino, o trabalho do seu tio em Catoira não se limitou ao achado da Balastrera, senão que nas suas anotações há outros dados de interesse para nós.

Em Correspondencia europea a un arqueólogo galego podemos ler:

"Temos que indicar que todos os debuxos do arqueólogo (R. S. L.) foron utilizados en percepción directa, agora ben, con diversos procesos de presentación e de utilización: os obtidos en frescura directa cos materiais levados no cartafol, e disto temos dous claros exemplos: uns petróglifos en Catoira "150 mts. as N. del campo de fútbol de la Lomba. Granito de grano fino" e "Moraña. Lage. Outeiro das Pías I. Outeiro do Testo, Outeiro das Pías II. Camino de Longas a Rozas". p. 190 O sublinhado é meu.

Por último, em Ramón Sobrino Lorenzo--Ruza (1915-1959),  eximio arqueólogo encontra-mo-nos com algum dado mais:

"Casa de D. Ferrín Rivero, lugar de Aragunde, parroquia Ayto. Catoira. Procede de Tallarina en medio de más leiras en el mismo lugar, a unos 200 o 300 metros de la casa. En outeiro de Barral próximo a esta hay cazolestas 3 o 4 en fila". p. 24

Todos estes petróglifos são hoje conhecidos e há diversas publicações de carácter informativo ou especializado que se ocuparam deles, mas acho que os desenhos e fotografias que R. S. L. fiz nas suas excursões a Catoira devem de ficar ainda inéditos. Tal vez podamos encontrar algo no arquivo pessoal do arqueólogo doado pola sua família ao concelho de Teo. Já veremos. 

Por último achego umas fotografias minhas duma das mámoas da Balastrera. O monumento megalítico está situado numa localização imbatível para visitas com fins didáticos. Infelizmente, sobre a mámoa há um plantação de pinheiros, na atualidade exploração de resina, a qual, sem ser eu arqueólogo, acho pode danar em poucos anos este espetacular monumento megalítico. 

BIBLIOGRAFÍA

NÚÑEZ SOBRINO, Ángel

-Correspondencia europea a un arqueólogo galego. Gallaecia. V. 11; 2012.

-Ramón Sobrino Lorenzo-Ruza (1915-1959): El trayecto vocacional de un arqueólogo. Pontevedra. nº 21; 2006.

-Sobrino Lorenzo--Ruza (1915-1959), eximio arqueólogo. Separata Anuario Brigantino, nº 38; 2015.


Vista da Mámoa desde o sul.


Afundimento no alto da mámoa.

Cabeças de dois ortóstatos.


Detalhe da cabeça de um ortóstato.

Vista desde o norte da mámoa.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

nº 240 A Ara de Vadoa de Santa Maria de Sacos.


O passado 21 de dezembro, Xavier Groba, Ramom Pinheiro e mais eu, tivemos o gosto imenso de apresentar o livro Antonio Fraguas. A memoria musical de Cotobade, precisamente lá, em Cotobade, acompanhados do Presidente da Câmara e do admirado historiador Xosé Fortes. Mas, o melhor de tudo foi ver a sala cheia dos verdadeiros protagonistas do livro, os vizinhos e vizinhas, os quais, novamente, amostraram-se  generosos e entregados.
Hoje, depois de digerir também a apresentação feita o 28 na Corunha, nos locais do coro Cántigas da Terra, andei a ver na rede a oferta dos museus para este natal. No de Ponte Vedra fiquei com muitas ganhas de levar as pequenas a ver Galaicos, a expo temporal onde se pode contemplar, entre outras peças icónicas, o casco de Leiro ou as espadas do Ulha. Mas a minha surpresa foi ler na lapela de Notas de Prensa o relato da doação duma ara romana feita pela vizinhança de Dorna, Cotobade ao museu! Uma ara que, e isto é o que quisera contar, não se tratava dum objeto totalmente desconhecido para mim.

Uma Ara Romana num centro social.

Numa das múltiplas visitas que fizemos a Cotobade nos meses prévios à publicação do livro, deu-nos por ir até Santa Maria de Sacos, entre outras coisas por ver os interessantes cachorros figurados da igreja paroquial. Esse dia soubemos da existência duma ara que aparecera não sei onde e que fora guardada para a sua custódia e conservação nas dependências da Casa do Povo. Obviamente, três intrépidos investigadores como o Xavier, Ramom e mais eu, não podíamos perder a ocasião de ir ver a pedrinha. O instante em que nos abriram as portas e ficamos ante ela não se me vai esquecer na vida.
A minha primeira impressão é que estava ante uma das pedras mais integramente conservadas que nunca vira. É mais, in situ, eu teve a sensação de estar ante uma ara que nunca fora utilizada, que ficara tal vez enterrada na própria oficina do pedreiro ou quem sabe. Estou convencido que futuros estudos por pessoal especialista vai deitar luz sobre este e outros assuntos e os resultados prometem ser bem curiosos.

 Xavier Groba e um servidor em plena epifania.

O pedrão no lugar de custódia.

Vadoa. Lindo nome.

A ara de Sacos mede 89 cms de alto, ocupando a parte epigráfica uns 56 cms, segundo as medidas tomadas às presas no local social onde era custodiada. As letras gravadas mantêm todo o sulco, pelo que não é difícil a sua transcrição. A minha leitura foi a seguinte:

DEOM
VADOA
FAVS.VS
L M

ou o que é o mesmo:

DEO MAXIMO
VADOA
FAVSTI VOTUM SOLVIT
LIBENS MERITO

Vaiamos por partes. D(EO) M(AXIMO) ou Deo Optimo Maximo faz referência a quem se lhe faz a oferenda, neste caso, Júpiter. Também sabemos que foi um voto privado já que o epígrafe acaba com as letras VSLM, acrónimo de Votum Solvit Libens Merito, que se traduziria por Cumpriu a promessa de bom grado. Fica então por descifrar VADOA e FAVS . Faus parece-me a contração do genitivo possessivo Fausti, que pode indicar possessão ou parentesco. Vadoa seria então um antropónimo indígena? Infelizmente não conheço antecedentes claros desta epigrafia noutras aras até agora inventariadas e estudadas. E se se trata do nome duma pessoa, tal vez uma mulher, seria da família dos Fausto ou escrava de Fausto? Em qualquer caso, ai vai a minha tradução:

Ao Deus Máximo (Júpiter) Vadoa, da família de Fausto, cumpriu a promessa de bom grado.

Na feitura duma ara participavam três pessoas: o ordinator, o calígrafo que redigia o texto e o adaptava ao espaço, o lapicida, que gravava as letras na pedra, e por último o pintor, que iluminava as letras normalmente de cor escarlata ou vermelhão. Suponho que nas obras menores ou mais baratas, este processo podia fazê-lo uma soa pessoa. O tipo de letra pouco rigorosa, algo desordenada e o acrónimo final leva-me a pensar que deveríamos datar a peça no tardo-império, quiçá no século III ou IV depois da nossa era.

Nota: Faço votos para que os arqueólogos e paleógrafos deste país não me crucifiquem. Não foi por mal.

Cotto Vadis.

Resulta que o gentilício Cotobade não vem de Couto do Abade, como pareceria a primeira vista, senão que a sua origem seria muito mais complexa. Num artigo de Gonzalo Navaza no Portal das Palabras lemos:

A sistemática ausencia de ditongo na sílaba inicial mostra que no topónimo non está presente o substantivo latino cautum (de onde couto en galego, coto en castelán). Así o advertiu Nicandro Ares, que no seu breve estudo do topónimo Cotobade do concello de Chantada suxire como étimo un composto do galego coto ‘curuto, prominencia ou elevación no terreo’ seguido do xenitivo dun nome persoal:

Cotobade débese descompoñer en coto, palabra de orixe prerromana *Cotto (…) e un nome persoal en xenitivo Bade, o cal se repite illado na toponimia galega e parece que non é aférese de abbas, -atis ‘abade’, senón o antropónimo Vatis (Ares 2001:74)

Pois nada, que para o Xavier Groba, para Ramom Pinheiro e para mim, as terras de Cotobade serão para sempre o Coto Vade ou coto de Vadoa, pois como diz o provérbio: se non è vero, è bem trovato.

Finalmente.

Como colofão a este pequeno artigo dum arqueólogo inocente, agradecer aos vizinhos e vizinhas de Santa Maria de Sacos ter custodiado esta belíssima ara romana, um exemplar que, com certeza, vai dar muito que falar. Obrigado.

terça-feira, 23 de maio de 2017

nº 209 Com muita fé (de erratas).


O padre José Cambeiro Rodríguez começou os seus estudos sacerdotais em 1925. Esse ano foi o beneficiário da beca Araújo Silva através da qual um neno de Rianxo podia estudar gratuitamente no seminário compostelano. Com certeza, os vicinhos de Leiro e os nossos historiadores poderam reconstruir a história deste sacerdote grande impulsor de atividades na paróquia e, pelos vistos, muito querido. E digo eu que seria querido pois o túmulo que o abriga no campo santo de Leiro é mesmo impressionante. 
Trata-se dum grande montículo de rebos no centro da praça, sobre o qual descansa a figura dum santo de pedra e uma cruz. A dia de hoje prefiro não fazer nenhuma descrição destes objetos que adornam o túmulo à espera de que alguém que conheça a sua história desvele de onde saíram.
O caso é que a obra teve de custar o seu dinheiro, e até ficou aparente. Mas, como pode ser que ninguém fizera a revisão ortográfica? Com o fácil que teria sido chamar-lhe cura!

                                        

segunda-feira, 22 de maio de 2017

nº 208 Graffiteiros do passado V

V

Fazia tempo que não saia de caminhada polos montes de Rianxo, tanto que achava mais que provável que os grafiteiros se esqueceram de mim. Mas não, sempre há algum regalinho para uns olhos observadores. Desta volta encontrei dois espécímes que ponho ante vós por se fossem de interesse.
O primeiro é uma U, tal vez uma ferradura ou uma inicial. Sendo o seu um contexto de canteiro, tal vez se trate duma marca de pedreiro. De ser uma ferradura não conheço outra similar nas rochas rianxeiras.



A outra resulta-me mais inquietante. Haverá que ir de noite para vê-la com luz artificial, mas acho que na fotografia se intui bem a figura rebaixada na pedra. Desconheço que pode simbolizar e não sei de exemplos similares. Como sempre, qualquer sugestão é bem recebida.




Quando possa ir demoradamente a observar esta rocha, tenho a certeza de que descobrirei novos desenhos e mesmo a perceção que tenho deste pode sofrer modificações, mas, por enquanto, ai ficam as imagens, para que não me esqueça de voltar.

sábado, 1 de outubro de 2016

nº 205 Os cumiais esvaciados.


A sexta teve o prazer de dar um passeio por Isorna na companhia de Tito, o concelheiro de património de Rianxo. O nosso pequeno percurso deu para muito, partilhamos ideias e repassamos algum dos tesoiros patrimoniais com que conta esta paróquia rianxeira. Em Quintães vimos uma graneira que tem uma caraterística que faz muito tempo me tem intrigado. Eu não sou muito de escrever coisas sobre as que não posso dar dados certos, nem de lançar hipóteses que não tenham um suporte documental, por isso levo guardando estas imagens e as minhas dúvidas tempo e tempo.
Bom, o caso é que em Rianxo há um grupo de graneiras que têm uns adornos cumiais característicos, duma ousadia técnica inusitada.
Quiçá uma das graneiras mais emblemáticas de Rianxo é a conhecido como Horreo de Rodríguez. Foi construído em 1919, causando uma famosa polémica entre Mariano Rodríguez, pai de Castelao, e o então presidente da câmara municipal, Manuel Pérez. Se não me engano esse espigueiro é o que está em Fincheira, justo antes do estreitamento pelo que se sai da vila em direção a Leiro e Isorna.
Como cumiais do pinche do leste aparecem três torres, a principal esvaziada.

Figura 1

A poucos metros, na finca da Martela, uma segunda graneira tem um novo cumial furado, desta volta muito mais estilizadas, com paredes compostas por colunas e vãos.

Figura 2

Na saída de Rianxo em direção a Assados, lugar do Paço,encontramos outra com certo parecido ao anterior.

Figura 3

Por último a graneira de Quintães que parece um caminho intermédio entre a fig. 1 e a 2. 

Figura 4

E até aqui. Estes são os únicos exemplos que pude encontrar no nosso concelho. Existem mais? Tal vez. Há este tipo de cumiais em outros concelhos vizinhos? Haverá que perguntar e continuar investigando. Contudo, a mim se me apresentou uma série de questões puramente técnicas que gostaria de partilhar. 

1º Estes cumiais em forma de torres ameadas e, quiçá, torres de igreja, substituem as cruzes. Onde há estes elementos, não há cruzes. Tem isto alguma explicação? Em Brião há mesmo um cumial com forma de gato. A cruz é um símbolo profilático, combate à maldade em qualquera das suas manifestações. O gato de Brião é fácil relaciona-lo com a função de torna-ratos que tem o palafito galego. Mas esta torres? Que representam? E porque três?

2º  Uns meses atrás, perguntei-lhe a Che Golias, grande mestre canteiro, como se faziam este tipo de esvaziados. Ele comentou-me que o seu autor tinha de ser um canteiro dos melhores e que provavelmente usara algum material como escaiola para proteger as paredes já feitas. Em qualquer caso é um labor delicadíssimo, que não qualquer canteiro podia fazer.

3º Dado que estes quatro exemplos pertencem a Rianxo, estaríamos ante a obra dum único canteiro ou da sua oficina? A graneira de Rodríguez foi feita no 1919 e o de Quintães em 1935–data gravada no pinche– assim que, a falta de saber algo dos outros dois, estamos ante um intervalo de tempo relativamente breve.

4º Para poder albergar as três figuras, a cornija do pinche tem de ter muito voo. Isto todavia consegue que os cumiais apareçam como penduradas no ar.

Por último, só dizer que se alguém conhece algum outro exemplo deste tipo de cumiais agradeceria o partilhasse com nós. O saber é um bem cooperativo.

ADENDA 24/10/2016

Uns dias atrás, indo para Abuim, decidi passar por Brião, duas aldeias da paróquia rianxeira de Leiro. Em Brião encontrei-me com dois exemplares mais de graneiras com cumiais esvaziados.
O primeiro, fig. 5, parece um exemplar intermédio entre a fig. 2 e 3 e a fig. 4, mais próximo estilísticamente a este último.

 
fig. 5

O segundo, fig. 6, é um novo passo nesta história . O cumial converte-se numa autêntico campanário. A graneira está em propriedade privada e a fotografia não é boa, mas nesta ocasião parece que o cumial pode estar feito de cimento. Como se vê os pináculos dos lados não correspondem

fig. 6

Continuaremos.

quarta-feira, 30 de abril de 2014

nº 182 Pecinhas musicais do arquivo familiar de Manuel Antonio.

Para os meus alunos da Uned Senior de Rianjo

Já faz alguns verães teve a oportunidade de trabalhar uns dias com o arquivo da família Pérez, da que era membro o poeta rianjeiro Manuel António (Pérez Sánchez), tantas vezes lembrado por mim nas páginas do meu blogue. Entre os muitos papeis manuscritos, algum deles de uma beleza e importância histórica espantosa, apareceu uma folhinha de um quarto com umas diminutas peçinhas para piano que me deixaram absolutamente impressionado. Após fazer uma transcrição rápida enviei-lha ao amigo e grande pianista Alejo Amoedo para que ele me dera o seu parecer. Este, tão amável, não só me deu o seu parecer, também as interpretou ao piano e as gravou com o seu telefone para que eu ouvi-se ao vivo. Tenho que reconhecer que quando recebi o agasalho chorei emocionado.
A dia de hoje, e antes de trabalhar a fundo com o arquivo, considero que o autor é José Pérez, nome que aparece no próprio documento junto com uma data, agosto de 1922.
Aguardo que dentro de pouco podamos conhecer mais coisas do importante arquivo musical da família Pérez. Trata-se dum magnífico documento da Galiza musical da primeira metade de século, e achega, também, muitas claves sobre a vida musical das pequenas vilas galegas. Este arquivo propriedade do Concelho de Rianjo, e por isso mesmo, de tod@s @s rianjeir@s, é uma oportunidade única para a criação de um Arquivo Musical imprescindível numa terra considerada como «tão musical». Que assim seja.

Partitura original:



                                      

Interpretação de Alejo Amoedo: OBRIGADO, AMIGO.

sábado, 28 de dezembro de 2013

nº 177 Uma foliada rianjeira de 1955.

Na página web http://www.musicatradicional.eu estão-se a colocar digitalizadas, as transcrições do trabalho de campo realizado pelas missões folclóricas do CSIC entre 1944 e 1960. Fazia anos que vinha reclamando que a parte galega deste material, milheiros de fichas com partituras e anotações, viera para a Galiza. Se como parece este fundo estará disponível em breve para todo o mundo, poderemos gozar dum material de indubitável valor histórico, documental e, obviamente, também artístico, que nos vai permitir aos músicos contar com uma quantiosa base de melodias e de letras para futuras actualizações.
Entre o ramalhinho de registos galegos digitalizados, ainda escasso, eu encontrei uma delicatessen que, além disso, tem relação direita com a vila na que moro, Rianjo.

A história é esta:

Em 1943 o Padre Higínio Anglés começa a dirigir o Instituto Español de Musicologia dependente do CSIC. Os trabalhos de etnomusicologia correram por conta da Sección del Folklore, dirigida desde o 1944 até o 1955 por Marius Scheneider (1903-1982). A Sección de Folklore vai realizar 68 missões por todo o Estado Espanhol, recolhendo-se, como já disse, milheiros de cantigas transcritas com notação musical. 
Em 1955, o músico Pedro Echevarria Bravo (1905-1990) vem a Rianjo na sequência do que será a missão 46 e recolherá umas cantigas a Ramón Rodríguez Alcalde, marinheiro rianjeiro de 67 anos de idade. O tal Pedro Echevarria Bravo era natural de Villalmanzo, Burgos, mas desde o 1953 dirige a banda de música da Deputação da Corunha e desde o 1955 a de Compostela. Esta recolha tem um valor ainda maior se pensamos na escassíssima historiografia musical com a que conta o nosso concelho. Por exemplo, Rianjo não aparece no cancioneiro de Casto Sampedro, ainda que sim nos fundos recentemente publicados pelo Dr. Xavier Groba. Também não aparece nenhuma entrada na magna colecção de canto antigo galego da Dra. Dorothe Schubarth. Só Bal y Gay e Torner se acordaram de Rianjo no seu cancioneiro. 

Transcrição de Pedro Echevarria Bravo da cantiga Se chove, deixa chovere.


Edição com musescore (pdf)

Tal vez seja um erro irreparável pela minha parte, mas não me resisto a oferecer-vos uma actualização deste tema que fiz com minha sanfona. Eu não sou um bom sanfoneiro, nem o instrumento estava em uso, já que faz algum tempo que apenas toco. Mas hoje fui ao colégio onde trabalho e onde por acaso estava a sanfona. Tinha uma câmara a mão e sem muita preparação volveu a sonar em Rianjo, neste caso Taragonha, a velha foliada do senhor Ramón Rodríguez Alcalde. No vídeo, ao meu lado, vê-se uma maqueta da motora dos Cambeses feita pelo nosso alunado. Bom, aguardo que me desculpem o atrevimento.


sexta-feira, 30 de agosto de 2013

nº 173 Policromia no cruzeiro de As Mirães, o Aranho.

Sempre me fascinou o uso da cor nos cruzeiros e petos de ânimas e não compreendo como carecemos de uma tese de doutoramento ou algum trabalho sério que fale deste tipo de policromia ou quando menos eu não a conheço. Afortunadamente, ainda que escassos, conservamos alguma obra que nos permite saber como seriam as coisas quando cruzeiros e petos luziam suas cores em todo o seu explendor. Um dos exemplos mais formosos é o de Marrúbio, em Moimenta, bem conservado graças a estar coberto por um alpendre. Nele podemos ver e imaginar pigmentos vermelhos ou telha, cobalto, preto, como no hábito do Santo Antão, verde...

Na paróquia de Rianjo há dois cruzeiros extraordinariamente parecidos ao de Marrúbio e que ainda conservam traças da policromia original. São o cruzeiro da praça de Dieste e outro no Rianjinho, próximo ao paço de Viturro. Coloco as fotografias dos três com as suas datações:

Marrúbio. Fonte: diazelvis 1778


Praça de Dieste 1791

Rianxinho. Fonte: Fotos de Rianxo 179?

Como se pode apreciar nas fotografias o modelo compositivo é o mesmo nos três, sendo os de Rianjo praticamente gémeos. O do Rianjinho presenta entre o capitel e a cruz um prisma rectangular, antiestético e acho que desnecessário, fruto duma restauração do 1994, como consta na rudimentar inscrição.

Rianjinho. Detalhe.

Para outra ocasião deixo alguma reflexão mais sobre o modelo destes cruzeiros onde os paus da cruz presentam os nós dos ramos cortadas e as virgens são especialmente formosas, como neste outro exemplo taragonhês do que já tenho falado.

Coincido com Castelao quando afirma: «Podemos decir que non hai cruceiro que non fose pintado algunha vez - pol-o menos cando se fixo- [...]» As cruces de pedra na Galiza p. 129 Se isto é assim, o escultor devia conceber o seu trabalho para ser iluminado e só consideraria rematada a sua obra quando os drapeados, os mantos, os rostros colheram cor. Nos cruzeiros acima citados resulta evidente. As partes luminosas do fato da virgem pintavam-se de vermelho e as escuras, ocultas pelas dobras, de preto.

Mas que acontecia com os cruzeiros de capela ou Loreto? Como eram pintados? Eu faço a ideia de que o basamento, o varal e a capela eram-no de branco. Obviamente é só uma impressão motivada por fotografias e por restos de pintura que tenho observado neste tipo de cruzeiros. De ser isto certo, quiçá esta prática tenha a ver com a própria natureza do monumento, simular uma capela ou mesmo a Santa Casa da virgem de Loreto. Mas a cruz, as imagens e o interior do nicho sim eram profusamente policromadas.

Numa brochura muito interessante titulada Petroglifos cruciformes, cruceros y petos de animas dirigida por Domingo Regueira González, autor da web Petroglifos cruciformes, podemos ver o estado do cruzeiro de Santa Clara no Deão Grande ca. de 1986 [ano de publicação].


Hoje, apenas 27 anos depois, o cruzeiro de Santa Clara sofreu o ataque dos cromofóbicos, estando na atualidade em pedra viva. A maioria dos monumentos perderam as suas cores pelo efeito do passo do tempo, mas outros foram maltratados, tirando-lhes de mala maneira a sua iluminação. O exemplo de Santa Clara em Riveira é significativo. Alguém pode dizer que a pintura já não era a original, que fora repintado pelos vizinhos, que a imagem da virgem com o neno resulta grotesca. É possível. Mas também é possível que a limpeza fora feita, neste ou em tantos outros casos, por funcionários municipais sem qualquer responsabilidade, mas também sem qualquer preparação. Quem sabe o dano que puderam provocar com os seus atos!


Mas agora interessa um cruzeiro dos nossos, um que se encontra nas Mirães, paróquia do Aranho.
O do Campo do Rio é um cruzeiro de capela, em cujo interior houve outrora a imagem duma virgem orante, hoje desaparecida, como podemos observar no desenho de Castelao.

É no interior deste nicho que encontramos restos de pintura de cor vermelha sobre um revocado branco.




Uma possível interpretação da trama desenhada nas paredes interiores poderia ser esta:


Em definitiva, um cruzeiro é uma obra escultórica em pedra policromada. A razão de que na atualidade vejamos estes monumentos desprovidos de cor tem diversas explicações, resulta um tema complexo e merece da atenção de especialistas. Mas nós, o zê povinho, temos de perceber a importância que tem conservar os escassos restos de policromia na esperança de que no futuro esta pintura esvaída, fragmentada, nos permita reconstruir, mesmo que só de modo virtual, o explendor cromático original.

domingo, 23 de junho de 2013

nº 167 São João e os dentes

Os etnógrafos e etnomusicólogos do século XIX, como Marcial Valladares ou José Inzenga, consideravam-se conservadores dum conjunto de tradições que logo iam desaparecer com a chegada dos novos tempos. Efetivamente, muito do que eles presenciaram e registraram nos seus cadernos desapareceu para sempre na sua forma e função originária, apenas fossilizadas nalgumas práticas folclorizadas quase que de caracter teatral.
Porém, nem tudo desapareceu, e ainda neste tempo de pós-modernismo cafona e cibercultura avassaladora surpreende-nos o survival de velhos procederes, costumes tão antigas e com raízes tão abastadas de rizomas que desisto de saber qual pode ser a sua origem, os elementos religiosos e/ou antropológicos que lhe deram forma ou o papel a desenvolver na sociedade atual.

Um facto muito interessante na normalização dos costumes no território galego foi a recuperação no eido escolar da festa do samaim e da personagem do Apalpador.
Surpreende a postura contrária face este fenómeno manifestada pelo escritor de ideologia independentista Xosé Luís Méndez Ferrín, por quanto uma e outra celebração são castiçamente galegas e poderiam, de se generalizar, substituir tradições muito mais recentes, como o publicitário Pai Natal ou outras de caracter religioso como Os Reis.
Eu, que sou da Ilha de Arousa, vivi o samaim de jeito natural, sem imposições mediáticas ou escolares. Por defuntos íamos roubar botefas (abóboras) nalguma leira, esvaziávamo-las e colocávamos no seu interior uma mariposa, lamparina que dava uma débil luz trêmula. Estas abóboras eram colocadas nos valos ou nos tornaratos dos espigueiros, a uma altura aproximada da cabeça duma pessoa. Não sei se a esta celebração devêramos chama-la samaim ou de qualquer outro modo, mas eu e os meus vizinhos carcamãos somos a prova vivente de que a festa existe.

Relacionada com o São João há alguma que outra tradição muito formosa que continua a ter uma saúde bem viçosa. É o caso do lume, do rito de saltar as fogueiras, da auga de flores para lavar o rostro na amanhecida, etc. A minha tia Lúcia escachava um ovo e deitava a clara num copo de agua que deixava na janela, ao relento, na noite de São João. Depois observava as figuras que formava o ovo no líquido para saber quem, num futuro próximo, ia ser seu namorado. A minha tia cria ver sempre um barco, pelo que o seu amor seria com certeza um marujo. A pobre, tudo há que o dizer, morreu solteira.

Mas o Rianjo conserva uma tradição que em aparência nada tem a ver com o solstício de verão, mas que sim está relacionado com o São João.
Quando a alguém lhe cai um dente é costume deita-lo na borralha ou pousa-lo no saliente do forno. Jamais o dente deve ser deitado na eira ou diretamente no lixo. Há que dizer que nas casas dos nossos avôs, quando não dos nossos pais, quase que tudo o que ia ao lixo era matéria orgânica que se reciclava como alimento de animais ou adubo no quintal. De deitar o dente na eira ou no lixo havia a provabilidade de que fosse comesto por um animal: v. gr. o porco ou as galinhas. Estes bichos, a sua vez, estavam destinados a ser comidos pelos humanos, pelo que poderia dar-se o caso dum fato de antropofágia indireta aborrecível para o gênero humano. Ai se Levi-Strauss estivesse ciente!
O bom é que no momento de deitar o dente à borralha o pessoal diz uma espécie de ensalmo ou oração tal que assim:


Conheço, pela Concha Roussia, que noutros lugares existe também a tradição da galinha dos dentes. Este costume, ao igual que o da borralha, considero-o melhor que o do Rato Pérez, ainda mais quando quem isto escreve padece de musofóbia. É certo que o costume do rato que se leva os dentes de leite é uma tradição de grande percurso histórico, mas é provável que na Galiza não se conhecera de não ser porque o jesuíta Luís Coloma inventou uma personagem apelidada Pérez, no intento de consolar ao bourbón Afonso XIII quando com oito anos acabava de perder um dentinho.

Mas qual é o motivo de que em Rianjo se associe a oferenda da dentição decídua com a borralha e o santo João? A borralha é um detersivo natural. Misturado com água quente produz uma lexívia ligeira usada tradicionalmente para branquear as prendas delicadas como os lenços de linho. O lume, associado ao São João tem poder profilático, depurador. Quiçá nestas propriedades do lume, do forno e a borralha esteja a chave. Mas o São João é o batista, o mediador que conduze ao pecador ao reino dos filhos de Deus. A queda dos dentes de leite e a aparição dos permanentes não deixa de ser também um transito duma a outra etapa da vida duma pessoa.

Perguntando aos velhos de Rianjo e das vilas e aldeias próximas ao nosso concelho tal vez podamos aprofundar neste costume da oferenda do dente de leite. É uma tradição exclusivamente rianjeira? Exclusivamente do Barbança? Pois, no referente à Galiza, pudera ser, mas, como quase sempre, nada cultural nos pertence em exclusividade. Em O ramo de ouro de James Frazer, aparece a seguinte quadra originária de Ratonga, no Pacífico:

Rata grande,
pequena rata, 
aqui está o meu velho dente
rogo-vos que me tragais outro são.

Num estudo sobre a cultura chiloé podemos ler:

«Una campesina nos decía que no hay que tirar el diente al fuego por que pena el alma si muere el niño. Sin embargo, otro campesino, aseguraba que haciéndolo así viene un diente sano y fuerte.» Renato Cárdenas & Catherine Hall

Bom São João a tod@s.

terça-feira, 21 de maio de 2013

nº 164 Uma fotografia de Ovidio Murguia ao piano.

Esta fotografia enviou-ma o meu amigo Ernesto Vázquez Sousa quando estava a preparar a minha palestra para o congresso de Guerra da Cal. Está tirada dum artigo de Juan Naya Pérez, no boletim nº 356 da R.A.G. Desde que a vi por primeira vez fiquei fascinado. 
A personagem que toca o piano e olha em escorço à câmara é Ovidio Murguia, rodeado por quatro indivíduos sem identificar, possivelmente colegas seus da boemia madrilena. Na instantânea aparecem três instrumentos, um piano, com as candeias da cornucópia acesas, uma pandeireta e uma guitarra. Tenho já publicado muito sobre a relação dos artistas galegos com a música, artistas conhecidos pelas suas dotes pictóricas ou literárias, mas dos que apenas se fala em termos musicais. É bem possível que o de Ovídio Murguía não seja uma simples posse para tirar a fotografia e que na realidade ele também tivera formação musical, nomeadamente pianística. A dia de hoje eu não posso confirmar mas, como veremos, esta fotografia feita na etapa madrilena do filho de Rosalia de Castro, pode dar-nos alguma informação que acho de interesse.
Em primeiro lugar tudo indica que se trata do estudo ou da morada de Ovídio. Durante o tempo que esteve em Madrid viveu com a família de Pérez Lugin, o seu parente, assim que tal vez este fosse o seu quarto na vivenda do autor de La casa de la Troya. As paredes estão cheias de quadros, algum deles catalogados, o qual nos pode dar uma datação aproximada.


A data certa desta fotografia tem de ser entre 1897, ano na que o pintor assina Passarinho no ramo, óleo pintado sobre o coiro duma pandeireta e o 1 de janeiro de 1900, data do seu falecimento. 
Mas o que mais me impressionou da imagem, além da olhada à câmara do Ovidio e essa pandeireta colgada da parede. Tratar-se-à dum exemplar de 23 cm de diâmetro, com seis pares de ferrenhas. Não sabemos a sua origem, se foi comprada na feira do Padrão onde tantas foram vendidas ou quiçá, quem sabe, se trate duma prenda de amor de Visitación Oliva. Esta moça madrilena foi o amor impossível de Ovidio. A sua família afastou-no dela, que muito provavelmente ficou grávida do pintor e deu aos Murguia Castro o seu primeiro e único neto. Em qualquer caso, como é próprio dum artísta romântico, Ovídio morreu de tuberculose longe da sua amada, baixando-se o telão em janeiro de 1900 duma muito triste tragedia de amor.

fonte: http://www.foroxerbar.com/viewtopic.php?t=12844

Assim como os outros quadros estão perfeitamente identificados, não é seguro que a pandeireta da fotografia corresponda com a pintada por Ovídio. A fotografia que ilustra o artigo de Juan Naya não é o suficientemente nítida para ver se há algo desenhado no coiro, mas em qualquer caso, considero que se trata do instrumento utilizado como lenço para Passarinho no ramo
Antes falava em termos românticos das motivações que o Ovidio Murguia teria para pintar esta pandeireta, mas o certo é que existe no século XIX uma grande tradição que fez desta prática um verdadeiro gênero pictórico. No catálogo da exposição La pandereta pintada, Joaquin Díaz escreve o que se segue:

«Durante todo el siglo XIX la pintura de panderetas reviste una importancia singular ya que con la subasta de las mismas de las mismas se obtenían recursos para atender a las necesidades de los soldados que se hallaban luchando en África o en Cuba.
Precisamente en 1892 y durante las fiestas de Carnaval surgió una inicativa del Círculo de Bellas Artes de Madrid para adquirir mil panderetas y entregarlas a diferentes artistas plásticos de Madrid para que las pintasen. El resultado fue tan espectacular que se vendieron casi todas y con el montante de lo obtenido y la organización de un baile se contribuyó a sufragar los gastos del propio Círculo (salones, cátedras, modelos, etc.) de modo que la inicativa duró unos años y llenó de panderetas toda España.»

sexta-feira, 26 de abril de 2013

nº 162 Um berço ouvido na casa.

Ultimamente estou a ir muito por Santa Baia do Oeste em Catoira a casa dos meus sogros, com motivo dos trabalhos na horta. Anteontem, por enquanto não chegava a fresca para a rega, pus-me a desenhar um continho que vamos fazer com @s menin@s do meu cole.
Dália estava comigo, vendo-me trabalhar e riscando ela também algum papel, desenhos sempre muito mais criativos do que os meus. Então achegou-se a minha sogra, sentou connosco, e pegou numa boneca que a minha filha tinha deitada num berço de joguete. Neta e avó eram as mamães da bonequinha, arrolando-a e fazendo-lhe mil afagos.
Foi então que a minha sogra botou estas quadras que agora transcrevo e que ao momento copie no meu caderno de debuxo. Foi formoso ouvi-la ao carão da minha filha, num ato de transmissão geracional carregado de significados emotivos e tradicionais.
Fique aqui o meu reconhecimento para as avós e os avôs que cantam aos net@s, o melhor herdo que um pode desejar.

domingo, 3 de março de 2013

nº 158 Alguma coisa mais sobre o gaiteiro Pepe Poceiro.


Em 2004 a empresa Ouvirmos dava conta da existência duma gravação do gaiteiro Pepe Poceiro efectuada em Madrid em 1905. É de supor que foi feita na viagem que o coral da Sociedad Artística de Ponte Vedra fez a capital do Estado, na sequência do quarto centenário da publicação do Quixote.

Existem muitas referências a esta viagem na imprensa da época, sendo um material valiosíssimo com o qual se poderia construir um relato verdadeiramente excepcional. Por enquanto, eu vou achegando pequenas informações, gulodices, não é?, no paladar dos amantes da nossa tradição.

O 12 de maio, no Ateneo, o orfeão interpretará o seguinte reportório:



«La Sociedad Artística de Pontevedra celebrará hoy viernes, por la noche, una velada musical en el Ateneo de Madrid, con el siguiente programa:

1º Alborada del siglo XVI, por la famoso gaitero de Geve, José Poceiro.
2º Alalás de la Ulla, Rianjo y montañas de Cervantes.
3º Canto de Nadal, por el coro, con acompañamiento de gaita, bombo y tamboril.
4º Marcha procesional de las tarascas, por el gaiteiro.
5º Romances de Bernaldino y A flor da yagoa, por el coro.
6º Jácaras de Santa Irene y O cego, por el coro.
7º Parrafeo de Rufina hermosa por el coro.
8º Muñeira antigua, por el gaitero.
9º Alalás de Ponte-Arnelas y Oca.
10º Foliada montañesa, por el coro, con acompañamiento de gaita, tamboril y bombo, conchas y ferriñas.
11º Himno da la batalla de Puente-Sampayo, por el gaitero.
12º Danza de espadas galaica, ejecutada en el hemiciclo por 16 danzantes vestidos á la usanza tradicional.»
El liberal. 


Prudencio Landín, diretor do Diario de Pontevedra, era  por sua vez presidente da Sociedade Artística. Da pena de Landín hão sair alguma das melhores crónicas sobre a sociedade da capital do Leres, como as que se recolhem no seu muito interessante livro De mi viejo carnét. Mas como protagonista que foi da viagem do 1905, também dele se contou alguma anedota muito boa, como esta a duo com o gaiteiro de Xeve:



«Entre los números del programa de los celebrados en Madrid, figuraba un concurso de cantos regionales, que debía tener lugar en la Plaza de Toros.
El Orfeón de la Sociedad Artística encontrábase entonces en la capital de la monarquía, tomando parte en esos festejos.
Además de la Danza de Espadas de la que ya hemos hablado, nuestro Orfeón había formado también un Coro de cantos regionales, con su correspondiente gaitero, bombo y tamborilero.
Tanto la Danza de Espadas como este Coro, dirigialos artísticamente el malogrado Víctor Said Armesto y presidialos, lo mismo que el Orfeón el culto abogado don Prudencio Landín.
El bombo y el tamboril tocábanlos dos orfeonistas, que vistiendo cirolas y pucha, hacían maravillas con el mazo y los palitroques en los respectivos instrumentos...
El aplaudido Pepe Poceiro, era el gaitero.
Este nunca había salido de Pontevedra. Llegado el día del concurso, nuestros coristas y danzarines se dirigieron a la Plaza de Toros madrileña, aclamados por los gallegos residentes en la Villa y Corte, que locos de entusiamo al oir las melodiosas notas de la gaita y el melancólico eco del a-la-lá, no cesaban de aturuxar, gritando: ¡Terra a nosa! ¡Ei, carballeira! ¡Ard o eixo!
En medio de estas aclamaciones, llegaron los pontevedreses al circo taurino, encontrándose allí con millares de personas que pugnaban por entrar en la Plaza.
Los de la Artística intentaron romper aquella muralla humana que los cerraba el paso; pero convencidos de que sus esfuerzos resultaban inútiles, optaron por rtirarse a un lado, esperando que la enorme avalancha de gente disminuyese.
La Guardia civil a caballo maniobraba con cuidado, para mantener el orden sin causar desbracias.
No se sabe si debido a que el Guardia picó con la espuela al animal o que las moscas no le dejaban tranquilo, [...] que el caballo levantó una de sus patas traseras, rompiéndole el tamboril al orfeonista, y arrancándole al mismo tiempo el fleco de la gaita a Pepe Poceiro.
El orfeonista calló; mas el Poceiro al ver su gaita desnuda, no pudo contenerse y asustado, lleno de espanto, dirigiéndose al señor Landín, exclamó: ¡Vámonos pra España don Prudencio, vámonos pra España!
Don Prudencio Landín se sonrió, pensando si Pepe Poceiro se creía en aquel momento que estaba en África.» DIARIO DE PONTEVEDRA, 22-09-1923

O autor da crónica, um tal Errante, confunde alguns termos, por exemplo o de que Said Armesto era o director artístico. Victor Said estava em Madrid, isso sim, quando a viagem dos coralistas e possivelmente foi um dos armadanças, junto com o político González Besada, que fez possível a tourné.

Muitos anos depois, em 1947 aparece no jornal Ciudad, uma entrevista a Benito Poceiro, herdeiro da oficina e do ofício do seu pai. 

- ¿Cuánto tiempo hace que comenzó su industria?, preguntamos.

- La empezó mi padre hace cuarenta años. Después fué a perfeccionarse a una fábrica de acordeones en Estradella, pueblecito italiano, donde adquirió conocimientos suficientes para modificar y mejorar la artesanía de los instrumentos.

Asombrados de no encontrar en el taller una sola máquina, preguntamos a Benito Poceiro, que nos responde:

-Antes de la guerra habíamos pedido a Alemania las máquinas precisas para la construcción en serie de los instrumentos. Pero estalló el conflicto mundial y nos vimos obligados a proseguir haciendo los acordeones a mano, desde la caja de resonancia hasta la última lengüeta.

Mais adiante, na entrevista aparece um dado que para mim é sempre de grande interesse, o do preço dos instrumentos.

- Un acordeón hace quince años podría costar unas 1.500 pesetas. Actualmente vale 7.000. El aumento de precio es producido más por la escasez de instrumentos que por el alza en el coste de los materiales con que se construye.

Termina a entrevista com uma bonita referência para gaiteirómanos.

-Y para terminar voy a preguntarle algo que escuché en casa desde niño: ¿Es cierto que las lengüetas para gaitas, hechas por su padre se diferenciaban de las demás por la manera especial de construirlas?

-Cierto.

-¿Podría decirme que diferencia de construcción existía entre ambas?

Benito Poceiro calla un momento y cuando ya estábamos en la puerta, nos responde.

- Eso es secreto profesional.

Se fazemos caso aos dados recolhidos na imprensa, Pepe Poceiro abandonaria o ofício de gaiteiro em fins dos anos 20, para centrar-se na construção de instrumentos. Antes, em maio de 1921, dá-se conta da sua entrada no coro pontevedrês Foliadas e cantigas. Quiçá foi nesse intre, no que deixa as alvoradas, que decide fazer a viagem de aprendizagem a Estradella, na Lombardia italiana. Eu não tenho aprofundado muito na vida dos construtores galegos de instrumentos mas o fato de que na Galiza anterior a Guerra Civil um gaiteiro/artesão pontevedrês acordara ir a Italia a aperfeiçoar o seu ofício, parece-me um dado muito a ter em conta. Estradella é uma vila famosa pelos seus construtores de acordeão e serão os investigadores deste instrumento os que possam dizer até que ponto existe uma relação certa entre os poceiros e os acordeões lombardos.

Para rematar, quero expressar a minha mais absoluta admiração por este indivíduo, José Poceiro, que teve uma existência verdadeiramente rica em acontecimentos e que deixou impresso o seu apelido nas páginas douradas da história da nossa tradicionão. Quando era menino adorava escutar o acordeão de Rogelio o Coxo na Arousa, o qual contava que os grandes acordeonistas conhecem-se no bem que manejam a mão esquerda. Gostava tanto de aquele homem e daquele som que ficava parvo olhando para as letras feitas em marcheteria colocadas na caixa do seu instrumento: Poceiro.



quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

nº 157 Gaiteiros com pistola.

A hemeroteca sempre nos achega notícias bem curiosas. No final do século XIX e nos primeiros anos do XX, em Ponte Vedra e arredores, junta-se um grupo de gaiteiros ilustres entre os que destacam Manuel Villanueva, de Poio, Juan Tilve Castro, de Campanhó, e quiçá um menos conhecido hoje, mas igualmente popular na sua época, José Poceiro, de Xeve. Em 1905, o orfeão da Sociedad Artística de Ponte Vedra viaja a Madrid para participar nos atos do centenário da publicação do Quixote. O elenco de sessenta e cinco vozes é acompanhado, nesta ocasião, pelo gaiteiro José Poceiro. A viagem acontece em maio. Uns  meses antes, em 1 de outubro de 1904, aparece um breve no diário pontevedrês La correspondencia deste teor: «Regresando días pasados de una feria, los vecinos de Geve, José Poceiro Maquieira, de 21 años, y Manuel Garcia Chenlo, ámbos de oficios labradores, promovieron una reyerta intentando el primero disparar un revólver contra el segundo, hecho que pudo evitar la intervención de varias personas.»

Só uns meses mais tarde, o 8 de março do 1905, o duo José Poceiro e Manuel García vai-se ver envolto no que será qualificado pela prensa como o Crime do Leres. Os feitos foram mais ou menos assim: durante as celebrações do Entrudo na aldeia de Castelo, Leres, um grupo de pessoas afetadas pelo consumo abusivo de álcool, começam a brigar na taberna de Juan Magdalena. Os moços Juan Pintos e Manuel García, acusam-se de ter-se dado um pisão no percurso do baile que se estava a realizar no seu interior. O García era cunhado de José Poceiro que naquele momento estava amenizando o baile tocando uma guitarra, segundo as primeiras averiguações, ainda que depois se soube que em realidade o instrumento tangido era um acordeão. O caso é que Poceiro soltou a sua ferramenta de trabalho para pegar num pau que descarregou sobre a cabeça do infortunado Juan Pintos. O taberneiro procura calmar a malta, mas vendo que isto é impossível resolve bota-los a todos fora. Situado detrás da banca, recebe um disparo cerca das têmporas do lado direito. Às poucas horas, Juan Magdalena falece na sequência da fatal ferida. O juiz de instrução Sr. Portas, comparecente no lugar dos feitos, detém a seis pessoas, entre as quais os principais acusados, Esteban Rey, proprietário da arma criminosa e Faustino Lorenzo. O 30 de setembro desse mesmo ano tem lugar o juízo com jurado na audiência provincial baixo a presidência do Sr. Bermúdez de Castro. A Esteban Rey Pontevedra pedem-lhe 14 anos e oito meses, costas e 2000 ptas. para os herdeiros do falecido. Na sua defesa declara: «Habiendo tomado la refriega aspecto serio y queriendo evitarlo el procesado salió á la calle y desde ella disparó por la puerta que estaba abierta y sin hacer otra puntería que al techo de la casa con una pistola de dos cañones que llevaba, para ver si consgue de ese modo apaciguar los ánimos de los contendientes y aun cuando disparó un solo tiro sin hacer más puntería que la referida, quiso la fatalidad que por variación del pulso efecto del estado nervioso en que se encontraba, fuese el proyectil á herir al tabernero con el cual no tenía resentimineto de ningun género el procesado produciéndole desgraciadamente la muerte[...].» Trás breve deliberação o jurado declara ao acusado, inocente. 

Pode parecer desmedido que José Poceiro fique envolvido nalgum outro caso delictivo, mas o 20 de novembro de 1913, José Desiderio Portela Iglesias, um moço de 18 anos, natural de Barbeito, Cotobade, entre na relojoaria de D. Claudio Sotelo e subtrai da caixa 250 pesetas. Com o fruto do seu latrocínio acode a oficina de José Poceiro e compra uma gaita pela que paga 125 pesetas. Também deixou pago um bombo e uma caixa que aguardava recolher o 6 de dezembro. Conta a crónica que Portela comprou, além do instrumental, um revólver e regular quantidade de tabaco. Foi detido às poucas horas. 

 Todos estes dados saim das crónicas da época, tudo aponta que são dados certos, salvo erros tipográficos ou do jornalista que transcreveu a crónica. Portanto, após a exposição do acontecido, ocorre-se-me lançar alguma pergunta e também, de passagem, alguma reflexão. 

 1. O José Poceiro do altercado do 1904, 1905 e 1913 é a mesma pessoa? 
 2. Trata-se em qualquer caso do famoso artesãode gaitas e de acordeões? 
3. José Desiderio Portela Iglesias será parente do Ricardo Portela, também natural de Cotobade?
4. Graças ao caso Portela sabemos que em 1913 uma gaita custava 125 pesetas. 
5. Que pode levar a um homem a roubar uma joalharia para comprar uma gaita? 
6. A crónica não desvela onde comprou o revolver o José Desiderio Portela Iglesias. Desejaria que não fora na casa do Poceiro.


segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

nº 156 Um gaiteiro na fachada do Paço de Rajoy.




Não sei as vezes que olharia esta fotografia do Batalhão infantil na praça do Obradoiro, tirada em 1912 pelo fotógrafo Manuel Chicharro Bisi (1849-1924). Dá-me arrepios ver tanta criança ataviada de soldado, com as suas correias e quepes, firmes com os rostos olhando para a Sé compostelana.
Tão pouco engraçada me pareceu sempre esta foto, que nunca a olhei com o interesse que deve pôr um bom documentalista. A semana passada, repassando Galicia en blanco y negro de Ramón Pernas, Xosé Enrique Acuña e José Luis Capo, ed. Espasa; Madrid, 2000, encontrei-me novamente com a instantânea de Chicharro e cai na conta que na parede direita do primeiro vão das galerias do Paço de Rajoy há um cartaz. É difícil de distinguir, mas ampliando a foto vê-se bem que era o que anunciava.


É evidente que se trata do desenho que Castelao fiz para as festas do Apóstolo de 1912. Esse foi um grande ano para o artista rianjeiro, já que expõe em Madrid, no salão Iturrioz e em outubro casa com Virginia Pereira. Como se pode ver no gráfico, o desenho da parede e o da imagem a cor têm o mesmo motivo, um gaiteiro com a silhueta das torres ao fundo, mas não estão as colunas que suportam o arco e a grinalda. A imagem a cor, vem referenciada, aliás, como o programa de mão das festas com um tamanho de 33,2x23,4 cm. A foto de Chicharro amossa um papel de grandes proporções, calculo que de 100x140. Eu nunca vi uma imagem deste cartaz, e nem sei se existe. De momento conformo-me com saber que um dia houve um grande lençol com um gaiteiro pintado por Castelao no Paço de Rajoy. O atual presidente da câmara municipal de Compostela colgaria hoje um desenho do grande rianjeiro na fachada do consistório? De ser assim eu recomendaria-lhe aquele que diz: Mexam por nós e temos que dizer que chove.