Mostrar mensagens com a etiqueta Bruxelas. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Bruxelas. Mostrar todas as mensagens

sábado, 28 de dezembro de 2024

nº 263 Seguindo os pasos de Castelao por Bruselas IV


Mais dos Velhos Mestres

Hoje estive em dois museus: o de instrumentos musicais e o Maison du Roi ou museu da cidade de Bruxelas. O primeiro pareceu-me ser uma coleção extraordinária, colocada num espaço, os antigos armazéns da Old England, bem lindo. Porém, a exposição dos instrumentos e o conceito do museu dececionaram-me muito. Mas aqui estamos a falar de Castelao e da sua passagem por Bruxelas, por isso voltemos aos velhos mestres.

Alegoria da Fertilidade
Jacob Jordaens

«Jordaens (1577-164o). Ten moitas cousas que me gustan e outras que non me gostan nada. É moi roxo de côr; pero ten cousas ben dibuxadas. Ten unha "Allegorié de la Fecondité" moi decorativa e chea de sensualidade; iste caro ten pintadas moitas froitas, pero polo visto son de Snyders». Diario 1921 p. 198

Parece que esta pintura representa a Pomona, a deusa romana das frutas, das árvores frutíferas, dos jardins e das hortas.O nu central, de costas para o espetador, divide a cena em duas metades, como a coluna de uma janela gémea. Ao se aproximar da tela, percebe-se a mestria com que Jordaens pintou a pele nua, com seus brilhos, sombras, áreas rosadas e até a celulite de uma das suas nádegas. Juntamente ao resto das ninfas e sátiros, formam um círculo que envolve a deusa, que segura no colo enormes cachos de uvas, brancas e tintas. Incluso a fealdade do rosto dos sátiros, não impedem que o tudo seja formoso.

A nossa Senhora das Sete Dores
Adriaen Isenbrant (ca. 1485-1551)

«Estiven pola mañán na Irexa de Notre-Dame. [...] O cadro máis fermoso é un de Adriaen Isenbrant que representa a Nosa Señora da Dôres ; a Virxen está sentada nunha especie de retablo onde están pintadas algunhas esceas da Paisón, e hai tal diferencia entre istas esceas e a figura da Virxen (que parece de David) que non parecen feitas pola mesma mán». p. 225

Uma das pinturas que mais me impressionou de todas as que vi até agora é Nossa Senhora das Sete Dores de Isembrant. É uma tela pintada com a técnica chamada grisaille, que consiste na utilização de pigmentação monocromática que nos dá a sensação de estarmos diante de uma obra escultórica. A iluminação do Museu de Arte Antiga de Bruxelas, en geral, deixa muito a desejar, mas mesmo assim o trabalho de Isembrant é fascinante. Castelao viu esta obra no seu local original, a Igreja de Notre Dame. Imagino que no século XVI, com a fraca iluminação que deve ter existido no interior dos templos, a imagem da Virgem pareceria ter sido esculpida diretamente na pedra. Quando eu e a Tero falávamos desta pintura, lembrei-me do Stabat Mater de Araújo Silva, que este ano ouvimos duas vezes nas vozes dos alunos do Conservatório de Santiago de Compostela. 

Tríptico da abadia de Dieleghem

Detalhe.

Jesus com Simao o Fariseu
Albretch Bouts (ca, 1455-1549)

                               
Detalhe

Desenhos de Castelao

Em Lucas 7: 36-50 podemos ler:

«36 E rogou-lhe um dos fariseus que comesse com ele; e, entrando em casa do fariseu, assentou-se à mesa.

37 E eis que uma mulher da cidade, uma pecadora, sabendo que ele estava à mesa em casa do fariseu, levou um vaso de alabastro com unguento;

38 E, estando por detrás, aos seus pés, chorando, começou a regar-lhe os pés com lágrimas, e enxugava-lhos com os cabelos da sua cabeça; e beijava-lhe os pés, e ungia-lhos com o unguento.

39 Quando isto viu o fariseu que o tinha convidado, falava consigo, dizendo: se este fora profeta, bem saberia quem e qual é a mulher que lhe tocou, pois é uma pecadora.

40 E respondendo, Jesus disse-lhe: Simão, uma coisa tenho a dizer-te. E ele disse: Dize-a, Mestre.

41 Um certo credor tinha dois devedores: um devia-lhe quinhentos dinheiros, e outro cinquenta.

42 E, não tendo eles com que pagar, perdoou-lhes a ambos. Diz, pois, qual deles o amará mais?

43 E Simão, respondendo, disse: tenho para mim que é aquele a quem mais perdoou. E ele disse-lhe: julgaste bem.

44 E, voltando-se para a mulher, disse a Simão: Vês tu esta mulher? Entrei na tua casa, e não me deste água para os pés; mas esta regou-me os pés com lágrimas, e os enxugou com os cabelos da sua cabeça.

45 Não me deste ósculo, mas esta, desde que entrou, não tem cessado de me beijar os pés.

46 Não me ungiste a cabeça com óleo, mas esta ungiu-me os pés com unguento.

47 Por isso digo-te que os seus muitos pecados são-lhe perdoados, porque muito amou; mas aquele a quem pouco é perdoado pouco ama.

48 E disse-lhe a ela: os teus pecados são-te perdoados.

49 E os que estavam à mesa começaram a dizer entre si: Quem é este, que até perdoa pecados?

50 E disse à mulher: A tua fé salvou-te; vai-te em paz».

«Istes dous dibuxos son copias moi lixeiras de un anaquiño onde a Madalena límpalle os pés ó Noso Señor cos seus cabelos loiros. Ollando ises dous cachiños pasei perto de duas horas. ¡A humildade!». p. 184

Esta imagem de uma mulher lavando aos pés do macho alfa, utilizando o próprio cabelo, descreve perfeitamente o papel da mulher na Igreja Católica. Gostaria de pensar que se tivesse havido uma relação entre Cristo e Maria Madalena, esta teria sido de natureza diferente. Por isso não entendo muito bem o significado da palavra humildade, entre os pontos de exclamação de Castelao. Eu teria usado a de humilhação.

Retrato do Dr. J. Scheyring
Lucas Cranach o Velho

«Cranach (1472-1553). Dieste artista xa coñecía bastantes cousas que, pra decir a verdade, non me gostaban. O dibuxo parecíame amaneirado e a côr desagradabel. Pero niste Museo púxenme a ben con il, pois o retrato do Dr. Shewring é unha maravilla de todo». p. 197

É óbvio dizer que o pintor alemão Cranach foi um extraordinário retratista, como demonstra esta imagem do Dr. Scheyring, ou o ainda mais famoso retrato do seu amigo íntimo Lutero. Na minha opinião, a pintura que se conserva em Bruxelas e que Castelao copiou magistralmente, tem muita mais força do que a do teólogo reformista. O gesto severo, a austeridade tão típica do retrato flamengo, o olhar dogmático de quem acredita estar na posse da verdade absoluta, faz olhar para a pessoa representada com respeito, mantendo uma distância que, noutras pinturas dos antigos mestres, tantas vezes gostaria encurtar.

Retrato de Jacob van der Gheenste
Pieter Pourbus (ca. 1523-1584)

«O retrato de J. van der Gheentte é moi bo». p. 197

Para entender da austeridade no retrato flamengo, chega com olhar para o retrato de Pourbus.

Retábulo de Santa Ana
Quinten Metsys

Painel da direita

«Ollando hoxe no Museo o tríptico de Metsys e reparando nas espresións das figuras do painel da dereita que representa a morte de Santa Ana vin que a tristura que teñen as caras non parece tristura senón sorrisa. Isto mesmo se nota en outros primitivos i é que a contracción muscular que estira un pouco a boca é debida, se non lembro mal xa, ó risorio de Santorini en vez de sere por outro, ou outros músculos que baixan un pouco as comisuras dos beizos. A tristura eisprésase por liñas oblícuas de enriba a embaixo e de dentro a fora e non de enriba a embaixo ou de fora a dentro, como se ve nise mañífico cadro de Metsys, un dos mellores do Museo». p. 183

Esta é outra das minhas obras favoritas no museu. Em frente ao retábulo existe um banco onde se pode sentar e observar atentamente as cenas. A arquitetura no fundo da imagem dá uma perspetiva como se estivesses a ver o que está a acontecer mediante uma janela aberta na parede. A luz do quarto de Santa Ana é outro elemento avassalador, difícil de registar com câmara. Uma obra extraordinária, no catálogo de um dos maiores pintores da sua época.


E até aqui as minhas anotações do Museu de Arte Antiga de Bruxelas, que não serão as últimas, pois pretendo retornar. Agora é descansar e tomar um banho que espero seja menos dramático que o de Marat.

A morte de Marat
Jaques Louis David

sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

nº 262 Seguindo os passos de Castelao por Bruxelas III

 

Estátua de Francesc Ferrer i Guàrdia

Um dos primeiros monumentos da cidade de Bruxelas mencionados por Castelao é a estátua erguida ao pedagogo Francesc Ferrer i Guàrdia (1859-1909). Este monumento tem uma história curiosa e a citação do artista Rianxeiro merece algum comentário.

Mas vamos por partes. O homenageado é o pedagogo Ferrer i Guardia, criador da Escola Moderna, centro educacional de curta duração e com pouco alunado  (1901-1906). Apesar de tudo, talvez por ter uma imprensa, uma revista... a sua influência nas gerações futuras foi grande. Lembro-me de ter estudado este pedagogo e esta instituição no Magistério, o mesmo currículo que ignorava a existência da Escola Plurilingue e Jacinta Landa Vaz, ou a obra ensaística do seu marido, Vicente Viqueira. 

O facto é que o Estado Espanhol tomou o ilustre pedagogo catalão como bode expiatório dos acontecimentos ocorridos na Semana Trágica de Barcelona. Ferrer i Guàrdia foi baleado no fosso do Castelo de Monjuic em 13 de outubro de 1909, apesar dos fortes protestos internacionais, que exigiam o perdão do rei Alfonso XIII. Como sempre, o Bourbon olhou para o outro lado, concretizando a demissão retórica de Maura, presidente do Governo, que não conseguia acreditar no seu despido.

Após o encerramento da La Escuela Moderna, Ferrer i Guardia viajou para Paris e Bruxelas, período no que funda a Ligue International pour l’Éducation Rationnelle de l’Enfance. 

Conhecida a execução do pedagogo catalão, iniciou-se um movimento popular na capital belga pedindo a criação de um monumento a ele dedicado. Este foi inaugurado em 5 de novembro de 1911, sendo os seus autores o escultor Auguste Puttemans e o arquiteto Adolphe Puissant, ambos franc-maçons, como Ferrer i Guàrdia. Na realidade, a construção deste monumento tem muito a ver com a fraternidade maçónica internacional, sendo dedicado aos mártires da liberdade de consciência, como se pode verificar na inscrição original.

A estátua não durou muito, pois durante a Primeira Guerra Mundial, após a entrada do exército alemão em Bruxelas, foi abalada e só foi devolvida ao seu local original em 1919. Nesse lugar, a praça de Sante Catherine, foi onde Castelao contemplou a escultura dedicada a Francesc i Guàrdia.

Sua visão provocou estas poucas, mas interessantes reflexões em Castelão.

«Vin a estatua de Ferrer. É moi interesante como escultura. Unha figura alongada cara o ceo, como se fose do Greco, non pode simbolizar a liberdade de concencia… de Ferrer. Fixeron bem em borrarlle o nome de Ferrer pois non merecía ise moimento. E a libertade de concencia dos avanzados tampouco pode simbolizarse cunha figura que se alonga cara enriba em sentido vertical senón como unha figura que se alonga em sentido horizontal. Os avanzados que viran as costas à gran plaza de Bruselas non podem falar de libertade». Diario 1921 p. 175

Parece evidente a pouca simpatia que Castelao teve com os internacionalistas. No Diário há várias reflexões sobre o arredismo galego, o que passa necessariamente pelo conhecimento de nós e por uma soberania estética que parte do facto diferencial para invadi-lo tudo. Quando Castelao fala de pessoas avançadas, acho que ele coloca no mesmo saco a anarquistas, maçons, esperantistas e qualquer outro utópico que sonhe com uma sociedade global, uma massa internacional de iguais. Castelao estuda a diferença, o folclórico, o artesanal. Se um pintor belga se parece com outro pintor francês ou espanhol, ele despreza-o porque trai a sua tradição. Sem este ensimesmamento cultural, Castelao não teria construído em torno de si o seu universo estético, o universo estético no qual nos vemos refletidos.




Placa com um texto de Francesc Galcerán Ferrer
advogado defensor de Ferrer i Guàrdia.

Inscrição na base da estátua

Em 1984, por iniciativa do estudantado, a estátua foi transladada desde a sua localização original a enfrente da fachada da Universidade Livre de Bruxelas.


Posteriormente, em 1990, a cidade de Barcelona inaugurou uma réplica da estátua de Bruxelas, no lugar onde o pedagogo catalão fora assassinado. 

quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

nº 261 Seguindo os passos de Castelao por Bruxelas II


Os velhos mestres 

«Eu non sei saír do Museo antigo. Pásame eiquí o que me pasaba no Museo do Prado que non podía saír diante dos cadros de Patinir; pois ben eiquí as pernas non me levan fora das salas dos primitivos. Eu coido que se tivese algún cadro distes na miña casa min saia dela nin tampouco pintaba e ó mellor volvíame parvo». p. 185 Diario 1921

Hoje iniciamos o nosso passeio pelos Musées royaux des Beaux-Arts de Belgique, visitando o de Magritte e o dos velhos mestres. Neste último, senti o mesmo que Castelao, a paz uterina de quem vive num espaço protegido, absolutamente a salvo da mediocridade estética do mundo polo que circulamos. Tudo o que vejo alimenta-me e, ao mesmo tempo, reconcilia-me com os humanos. Para o artista Rianxeiro, estar na casa de Brueguel, Bosch ou Huys deve ter sido como conhecer os seus distinguidos antepassados.

Em 1921, Magritte era um jovem de 23 anos que trabalhava numa papelaria. Não creio que Castelao conhecesse o trabalho limitado que o pintor belga tinha naquela época, mas de ter visto os seus desenhos, como os dos cartazes publicitários, tenho a certeza que se teriam dado bem. 

Cartaz de Allumettes Record
Musées Royaux des Beaux-Arts de Belgique

O resto da exposição Magritte teria muito a comentar, mas agora estamos a falar de Castelao. Precisarei de mais de uma visita para poder comentar todas as obras resenhadas no Diario, mas nesta primeira, as pinturas vieram ao nosso encontro como se Castelao tivesse deixado escrito na parede: eu estive aqui. 

A primeira das telas que reconhecemos foi a Pietá de Rogler van der Weyden (ca. 1399-1466). Deste autor também se mencionam, entre outros, um Calvario e o Retrato de Antoon van Bourgongië.

«O seu cadro “Calvaire” é unha maravilla; o Cristo é dun deseño perfeuto e a Virxen vestida de azul e San Xoán é moi simpático; o San Xoán do painel dereito (o cadro é un tríptico) é dunha beleza singular. A “Pietá” tamén é ademirabel; sobor dun fondo de aurora ou serán amarelento as figuras cheas de dor; a Virxen bicando a cara de Cristo coa tesura da morte. […] Ten, ademáis un retrato mañífico anque perde un pouco à beira dos de Memlig». Diarios 1921 p. 194

Calvaire
Musées Royaux des Beaux-Arts de Belgique

Pietá
Musées Royaux des Beaux-Arts de Belgique

Retrato de Antoon van Bourgongië
Musées Royaux des Beaux-Arts de Belgique

Do tríptico de As Cenas das Tentações de Santo António parecem existir dezenas de exemplares. Algumas fontes, suponho que interessadas, consideram esta de Bruxelas a mais detalhada. Já conhecia as cópias de Madrid e de Lisboa, e a verdade é que não me sinto qualificado para fazer qualquer tipo de julgamento sobre o assunto. O que posso dizer é que, mais uma vez, senti-me privilegiado por estar fronte a um fragmento do meu imaginário particular.

As tentações de Santo António
Musées Royaux des Beaux-Arts de Belgique

Desenhos de Castelao no Diario 1921

    
Fragmentos   

Desenho de Castelao no Diario 1921 
 
Fragmento

«O cadro de Bosch está cheo de humor e de caricaturas xeniaes; verdadeiramente san Antón non podía meditar à beira de tantas cousas divertidas. E logo non hai duas, nin três, nin catro: hai un cento. Asombra o inxenio de Bosch ollando iste cadro, tan bem pintado ademáis e cun paisaxe fermosísimo. Copie três couss que deixo pegadas eiquí. A 1ª é unha figura peluda que vai na popa dun barco moi divertido, leva unha espada espetada nunha perna ó xeito valente, do cú saille un garabullo e no garabullo leva un paxaro encoiro que lle dá peteirazos a unha vella que anda aboiada. A 2º é ise bandullo cun coitelo espetado; é unha cousa bem eispresiva e dun gran huorismo. A 3ª. É xenial; o aspeuto da figura que vai diante co moucho na cabeza fai rir; o tipo que vai detrás é dun huorismo fondo, é un lombudo e coxo ó mesmo tempo com aspeuto de proe de pedir, coa sua zanfona pendurada. Pis bem ista figura ten un detalle de humorismo que non o imaxinaría o mellor humorista inglés: iste malpocado é coxo porque ten… ¡un clavo espetado no pé! ¡É colosal!». Diario 1921 p. 181

Por hoje basta, amanhã mais, porém, não quero terminar este post sem mostrar uma imagem que, assim que a vimos, deixou-nos impressionados a mim e à Tero. É uma pequena pintura de Brueguel II intitulada A Procissão. 

As tentações de Santo António
Musées Royaux des Beaux-Arts de Belgique

Desenho de Castelao
Que San Roquiño nos liberte de médicos,
abogados e boticarios! 

E aqui o dilema. Supostamente, o desenho de Castelao é anterior à visita a Bruxelas. É tudo uma casualidade? Que opinem os sabidos, que eu não sei.

E até amanha, que, parafraseando a Castelao no Diario, estou canso e dói-me a cabeça.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

Nº 260 Seguindo os passos de Castelao por Bruxelas I


Passo este Natal, com a minha família, em Bruxelas, uma estadia que aproveitámos para seguir os passos de Castelao, na sua viagem a estas terras em 1921. O diário em que o artista Rianxeiro registou as suas impressões sobre a cidade, os seus monumentos e obras de arte, é um magnífico guia de viagem. 

Neste primeiro passeio pelo centro histórico encontrámos La Grande-Place, um espaço que já tinha visitado na adolescência, e que agora me parecia consideravelmente mais pequena. A primeira vez tive a sensação de estar no interior de um relicário gótico, decorado em latão e prata dourada por um joalheiro extraordinário. Desta volta, a sensação não foi muito diferente.

A Castelao a praça deixou-lhe com a boca aberta:

«É unha plaza chea de carauter cos seus edificios de pedra com dourados e as tendas de flores no medeo. Logo aquilo fálanos, ó esprito, dos tempos idos, cando o traballo estaba cheo de dinidade e cando a libertade adeministrativa e o arredismo cultural chegou a ter os seus mártires».

Os mártires aludidos devem ser Henri Voes e Jean Van Eschen, os primeiros protestantes queimados pola Inquisição e os Condes de Horn e de Egmont, decapitados, este último o protagonista da opus 84 de Beethoven. Estas execuções tiveram lugar em La Grand-Place, como consequência do fanatismo religioso da monarquia espanhola.

A procura da verdade

«Na Gran Plaza e nunha das “Maisons des Corporations” vin unha Verdade em pedra. Ista Verdade está a medeo vestir como a Venus de Milo; na man izquerda ten un libro aberto, o dedo índice da outra mán está pousado enriba dunha das páxinas do libro; o pé da Verdade está unha águia de pedra dourada. É certo que ista Verdade é un pouco más vella que as de Paris: pero ¡qué diferente concepción da Verdade! ¡O qué vai de tempos a tempos e de pobos a pobos!». p. 175

O edifício a que Castelao se refere é a chamada Maisón de la Louve (loba), no nº 5, perto da rue de la Tête d'Or. Sobre uma pilastra de pedra está a figura esculpida por Auguste Braekevelt. A inscrição que a acompanha diz: Hic Verum, Firmamentum Imperi, algo assim como: Eis a Verdade, apoio do Império.

Foto: Tero Rodríguez

Outra visita que fizemos foi ao Manneken-Pis, um meninho a urinar, símbolo de uma cidade que talvez pela sua diversidade cultural e religiosa, inscreveu no seu santoral comun, a um sátiro incontinente.

«Fíxenlle unha visita ó Manneken Pis o “plus vieux bourgeois de Bruxelles”. É unha cousa encantadora e dina de sinxeleza flamenga. Mesmo parece que foi il quén inventou a coarteta popular:

Ma nudité n’a rien de dangereux.

Sans péril, regardez-moi faire;

Je suis ici comme l’enfant heureux

Qui fait pipi sur le sein de as mère». Diario 1921 p. 174


A tradução da quadra poderia ser esta:

Não há nada perigoso na minha nudez,

não se preocupe, veja-mo fazer,

estou aqui como a criança feliz

que faz xixi no peito da mãe.


Talvez, Castelao, grande colecionador de postais, encontrou-se com uma como esta. 


Como uma anedota bizarra, encontramos o urinante vestido de Pai Natal. Parece que se acostuma a disfarçá-lo por diversos motivos, possuindo um guarda-roupa com mais de 800 fatos.

Amanhã iremos conhecer o Museu de Arte Antiga que tanto impactou o Castelão. Aí procuraremos as telas que destacou no seu diário.