Mostrar mensagens com a etiqueta Festival de la Canción Gallega de Ponte Vedra. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Festival de la Canción Gallega de Ponte Vedra. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 12 de julho de 2019

nº 234 Os Cantores del Instituto e a receção da obra de Lopes-Graça na Galiza. I


Em 1956, o compositor português Fernando Lopes-Graça (Tomar, 17 de dezembro de 1906; Cascais, 27 de novembro de 1994) cumpria 50 anos, a minha idade atual. Na altura, o maestro acumulava um longo historial de repressão por motivos políticos no que se incluíam detenções, prisão, impedimentos para ensinar e proibição de interpretar a sua obra. O seu posicionamento contra o salazarismo é conhecido por todos, assim como a sua militância no Movimento de Unidade Democrática e no P.C.P.
Se teve atrancos em Portugal, na Espanha de Franco o panorama não pintava melhor. 
Numa entrevista à Revista Ritmo, nesse mesmo ano de 1956, Lopes-Graça lamentava-se da pouca repercussão que a sua obra tinha no Estado Espanhol:

«–Después que mi amigo el consagrado pianista Leopoldo Querol ejecutó en Madrid, en 1942, mi Concerto número 1 para piano y orquesta, que había creado (sic) [deve de ser estreado] con Freitas Branco el año anterior en Lisboa, yo creo que la única composición mía conocida en España es la Encomendação das almas, que la espléndida Agrupación Coral de Cámara de Pamplona ha estrenado en el Festival de Granada de 1954, y que me ha dispensado el honor de incluir repetidas veces en sus programas.» Ritmo, Ano XXVII nº 283 1956 Novembro. 01/XI/1956

Foto dedicada à Revista Ritmo 1956

Em realidade, se fazemos uma procura demorada e exaustiva, podemos ir encontrando referências a obras suas interpretadas em alguma cidade galega –e também na Espanha–, mormente por solistas ou agrupações portuguesas convidadas a eventos de fraternidade Galiza-Portugal. Assim, em 6 de dezembro de 1952, o coro de câmara As pequenas cantoras de Portugal, dirigido por Virgílio Pereira, atuam no teatro García Barbón de Vigo, incluindo no seu reportório as Cantigas de Natividade, do mestre de Tomar. 
Este concerto poderá ter alguma importância no nosso relato, como veremos mais adiante.

Continuando com a exposição cronológica dos feitos avançamos até o 16 de março de 1956, ano da fundação de Los Cantores del Instituto [de ensino médio]  de Pontevedra. Em apenas dois anos o coro foi ganhando uma reputação alicerçada pelo mestrado de Agustín Isorna Ríos e Manuel Fernández Cayeiro e as extraordinárias relações públicas do diretor do instituto, D. José Filgueira Valverde. Assim, entre as numerosas atividades desse curso escolar, os coristas viajam a Madrid para participar nos atos da Semana Santa na que se vão interpretar algumas obras de Lopes-Graça. Mas, sabemos quais?

Os professores Fernando Otero Urtaza (2014) e Xavier Groba (2015) aclaram que a participação do coro escolar tinha como principais eventos «as solenidades docentes, as festividades relixiosas do Nadal, Coaresma e oficios de Semana Santa e nas conferencias-concerto que Filgueira tiña ven a compartir con eles». Xavier Groba (2015) p. 69 Segundo aparece na brochura Los Cantores del Instituto de Pontevedra. Historial y Repertorio. 1956-1963 [H. y R.] as peças de Lopes-Graça interpretadas pelo coro foram as seguintes: 

[Indicamos em cifra o curso no que foi interpretado pelo coro segundo se indica na brochura antes citada.]

–Pela noite de Natal. 1955-1956;
–Vinde, vinde já a Deus. 1957-1958;
–Eu hei de dar ao Menino. 1955-1956;
–De varão nasceu a vara... 1956-1957.

Este grupo de partituras pertencem ao conjunto titulado Cantos tradicionais portugueses de Natividade, cuja primeira audição deu-se em Lisboa em 19-XII-1950, sendo gravado pelo Coro de Amadores para o selo discográfico Radertz em ca. 1951. Como se está a ver, os Cantores do Instituto escolheram do repertório de Lopes-Graça o mesmo grupo de canções que as Pequenas cantoras de Portugal cantaram no García Barbón. Mas os cantos da Natividade foram interpretados como exemplos de umas conferências de Filgueira Valverde sobre o Natal, obviamente dadas no mês de dezembro. É meses antes, em abril do 1957, que os cantores viajam a Madrid para atuar durante a Semana Santa na igreja paroquial de San Agustín e na igreja da Cidade Universitária, além de participar na retransmissão radiofónica de Radio Madrid ou Radio Nacional de España, segundo as fontes. 

«Los cantores del Instituto de Pontevedra actuarán en la Hora Santa que transmite "Radio Madrid" el Jueves y Viernes Santo desde la Ciudad Universitaria y en las que predicará el ilustre musicólogo Padre Federico Sopeña.
También cantarán los Ofícios del Triduo Sacro: Jueves y Viernes Santo en la bellísima iglesia de San Agustín y el Sábado Santo, de nuevo, en la Ciudad Universitaria.
Aparte las obras clásicas, en especial de autores españoles, destaca y constituye novedad un excepcional conjunto de obras religiosas actuales, escritas casi todas ellas exprofeso para nuestro coro y que han de estrenarse en estas solemnidades de Semana Santa. Fueron dedicadas a los Cantores del Instituto por Joaquín Rodrigo, Cristóbal Halfter, F. Lopes Graca (sic), A. Moreno Fuentes y dos admirados compositores, honra de nuestra ciudad, P. Luís María Fernández y Antonio Iglesias Vilarelle.» El Pueblo gallego: rotativo de la mañana: Año XXXIV nº 11230; 30/III/1958.

Estas peças de Lopes-Graça não podiam ser as da Natividade, as únicas que aparecem em H. y R. Felizmente, no magnífico catálogo do espólio musical do maestro organizado pela professora Teresa Cascudo, encontramos a solução ao mistério. Com a entrada LG 31 recolhem-se Dos cantos religiosos tradicionales de Galicia, para coro feminino a capella, dedicados «Para el Coro del instituto Nacional de Enseñanza Media de Pontevedra».

Na entrevista concedida à revista Ritmo em 1956, Lopes-Graça fala das suas obras mais recentes nestes termos:

«Eso [a redação do Diccionario de Música] me ha impedido el trabajo de cración, que se reduce a dos o tres obritas corales (entregadas a la Coral Polifónica de Pontevedra y a los Cantores de Madrid), a las Melodías rústicas, para piano (que acabo de grabar, con la Sonata número 2, para His Master's Voice); a los 24 preludios para piano, aun en su mayor parte inéditos; en fin, como obra de más empeño, el Concertino para piano, metales, percusión y cuerdas, dedicado a Helena Sá e Costa, y que esta ilustre pianista aguarda oportunidad para estrenar.» Ritmo, Ano XXVII nº 283 1956 Novembro. 01/XI/1956

Posto em contacto com o Museu da Música Portuguesa de Cascais, e depois das ágeis gestões feitas pela sua directora Conceição Correia, a quem agradeço imenso a pronta resposta, teve a oportunidade de ver o manuscrito de Dos cantos religiosos tradicionales de Galicia. 

Capa da cópia autografa LG 31
Colecção Museu da Música Portuguesa

  Íncipit de La Pasión
Colecção Museu da Música Portuguesa

  Íncipit de El Ramo de Pascua
Colecção, Museu da Música Portuguesa

O material tradicional que usou Lopes-Graça pertence ao fundo Casto Sampedro do Museo de Pontevedra e aparece recolhido na tese de doutoramento de Xavier Groba (2012).

I
0487 Xoves Santo "La Pasión" de Cenlle, romance [El discípulo amado]
II
0492.2 Domingo de Pascua, canto do Ramo de Pascua. "Romance religioso" [Rubiá, o máis probable, ou San Cristobo de Cea, ou Os Blancos] 1906

Em conversa com o próprio Xavier Groba, ele lembrou-me que na viagem a Madrid Los Cantores del Instituto gravaram para Hispavox o seu primeiro, talvez único, registo discográfico:

«O luns e martes de Pascua os rapaces gravaron en Hispavox os seus primeiros rexistros discográficos de obras de Tomás Luis de Victoria, música compostelana, música medieval galega e as súas perduracións e villancicos tanto do Século de Ouro como populares harmonizados». Otero Urtaza (2015)

Que eu saiba, estas gravações nunca chegaram a editar-se, pelo que também desconheço se os Dos cantos religiosos... de Lopes-Graça foram interpretadas diante dos microfones de Hispavox.

Conclusões.

A visita a Madrid teve como mestre de cerimónias, nunca melhor dito, ao P. Francisco Sopeña Ibáñez, um dos chefes da musicologia espanhola em tempos do regime franquista. Junto com os numerosos cargos docentes e de gestão que teve na sua dilatada carreira está o de ser pároco da Igreja de S. Tomás, na Cidade Universitária madrilena, um dos lugares onde vão atuar os Cantores. Em H. y E. o P. Sopeña dá a sua singular visão do que foram aquelas jornadas:

«Durante dos años [1957 e 1958], el coro del Instituto de Pontevedra cantó la Semana Santa en nuestra iglesia de la Ciudad Universitaria, haciendo lo que sólo es posible en la adolescencia: rezar y, al mismo tiempo, cantar. [?] Cantan las viejas y entrañables "Cantigas"; cantan la hermosa y lúcida polifonía de Palestrina; cantan, como quien sueña, la canción gallega».

Cunha narrativa um bocado enredada –e até contraditória– o P. Sopeña dá uma definição que para mim é um dos melhores esboços feitos sobre a personalidade do professor José Filgueira Valverde. 

«El Instituto es la obra de una vida derramada en cristiano hasta el máximo: José Fernando Filgueira, que entra en la vida universitaria con una teses colosal sobre "Cantigas" –la tesis de la que hablaba siempre el inolvidable Asín Palacios–, lo dejó todo para ser, incluso desde su hogar, el creador de esta palpable maravilla. ¿Lo dejó todo? No dejó nada: pocas veces vermos más claro esa dialéctica de renuncia y de ciento por uno, mensaje, drama y recompensa de Dios a toda vocación realizada. Porque los libros, la arqueología, las excavaciones, el cancionero, hasta la vitalidad que estremece y que cansa, todo ha sido y es para esa adolescencia a la que asusta, encandila y encauza. Quen en le panorama de vocaciones sacerdotales cuenta tanto el Intituto de Pontevedra, hasta como signo».

Asusta, encandila y encauza, toda unha declaração de princípios dos métodos educativos do franquismo, e um modo muito espanhol de ser contundente com uma oratória em três períodos, tal e como o celebérrimo fija, limpia y da explendor.

O certo é que no seu laborar cristão, o professor Filgueira Valverde realizou ou promoveu algum dos marcos históricos mais importantes da cultura galega do século XX, entre os quais, sem dúvida, lançar pontes imorredouras entre Galiza e Portugal. De 1958, por exemplo, é a sua biografia de Camões em castelhano, com uma edição portuguesa umas décadas depois. Durante os anos que foi Presidente da Câmara de Ponte Vedra, de 1959 a 1968, vai-se celebrar na sua cidade o Festival de la Canción Gallega. Como já tenho contado, a este festival –que como o seu nome indica está dedicado a canções em língua galega para canto e piano– houve seis compositores portugueses a participar: Frederico de Freitas, João de Freitas Branco, Joly Braga Santos, Cláudio Carneyro,  Victor Macedo Pinto e um quase inédito Jorge Rosado Peixinho. As gestões pessoais de Filgueira tiveram que ser decisivas para que este pequeno grupo de maestros portugueses participaram no festival junto com mais de setenta compositores de nacionalidade espanhola. Quando redigi o meu estudo sobre o festival fiquei surpreendido pela ausência de Lopes-Graça. Agora que conheço da presença da dedicatória de Dos cantos religiosos... a minha estranheza é ainda maior. 

Fica claro, então, o papel importante que no relato sobre a receção em território espanhol da obra de Lopes-Graça teve o coro dos Cantores del Instituto de Pontevedra e como sempre, eis a presença de Filgueira, surgindo como Deux ex machina, para dar uma solução lógica ao problema exposto.


Fotografia dos Cantores tirada ante a porta da Igreja de San Agustín de Madrid. 1958 H. y R.
Por cima dos meninos vestidos de coroinhas o coro feminino que interpretou Dos cantos religiosos tradicionales de Galicia. Entre a raparigada aparece um padre, que pudera ser Francisco Sopeña.

Bibliografia:

CASCUDO, Teresa (1997) Fernando Lopes-Graça. Catálogo do espólio musical. Cascais, Museu da Música Portuguesa
d. P. ORJAIS, José Luís «Compositores portugueses no Festival de la Canción Gallega de Ponte Vedra» Opúsculo das Artes nº2 Abril, 2013 [Revista Digital]
GROBA, Xavier (2012) Casto Sampedro e a música do cantigueiro galego de tradición oral. Redondela, Concello de Redondela. [Tese de doutoramento]
GROBA, Xavier (2015) Xoán Tilve, Gaiteiro de Campañó. Compostela, aCentral Folque.
OTERO URTAZA, Fernando (2014) «Un legado de Filgueira: Os Cantores do Instituto», en Cadernos Ramón Piñeiro, XXXI. Compostela, Xunta de Galicia.
(1965) Los cantores del instituto de Pontevedra. Historial y repertorio. 1956-1963. Pontevedra, Imp. Lib. Paredes Valdés.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

nº 188 Filgueira Valverde em Lisboa.


A professora e grande pianista Helena Mariño enviou-me um artigo sobre Filgueira Valverde que ela mesma encontrou no espólio do compositor português Frederico de Freitas, depositado na Universidade de Aveiro. Trata-se duns recortes de jornal sem cabeçalho e sem data, motivo pelo que preferi não publicar na altura à espera de ter toda a informação sobre o evento do que se informa. Por fortuna, na imprensa galega pude encontrar a notícia que me permite completar todos os dados duma palestra-concerto que pelas suas caraterísticas considero do máximo interesse. Graças a notícia publicada em La Noche [fig.4], sabemos que a intervenção do Dr. Filgueira Valverde em Lisboa foi, com toda certeza, em maio de 1948.   
Um dos detalhes que primeiro me chamou a atenção é o formato que teve o evento. Um conferente, o Filgueira Valverde, ilustrado por um pianista, nada menos que o grande Luis de Freitas Branco (Lisboa, 12 de outubro de 1890; Lisboa, 27 de novembro de 1955);e uma cantora lírica, a soprano Elsa Penchi Levy (Lisboa, 4 de janeiro de 1911; ?). Este formato recorda muito ao utilizado por António Fernández-Cid de Temes, o mesmo modelo que desenvolverá nas conferências-concerto no quadro do Festival de la Canción Gallega de Ponte Vedra. É possível que o Fernández-Cid influíra no Filgueira por quanto dois anos antes do ato em Lisboa, o crítico de ABC ofereceu no Teatro Principal pontevedrês a palestra La música contemporánea en España, acompanhado da soprano Carmen Pérez Durias e o pianista José Cecilia Tordesillas.
A palestra lisboeta teve lugar no salão do jornal Século, razão esta pelo que o conferente foi apresentado pelo redactor em chefe do rotativo, Acúrcio Pereira. Segundo conta o cronista, Filgueira falou dos Elementos populares originarios en la lírica de los cancioneros «em espanhol, com o [seu] doce acento galego». 
Deixo para quem tenha vontade de os ler os artigos [fig. 2,3,4] que motivaram esta postagem.
Por último, gostaria de referir-me a dois aspectos que não estão directamente relacionados com o contido da conferência, mais sim com os galegos em Portugal e o seu papel significado durante a Guerra Civil e na posterior ditadura do General Franco.
O evento celebrado no salão do Século foi retransmitido pela emissora Rádio Clube Português. Esta sociedade radiofónica estava dirigida pelo capitán Jorge Botelho Moniz, um militar que imediatamente depois do alçamento das tropas nacionais pôs as ondas do Rádio Clube a disposição dos sublevados. Sobre este aspecto recomendo o trabalho titulado La guerra del eter de Alberto Pena Rodríguez. O capitão Botelho contratou speakers espanhóis, como a popular Marisabel de la Torre de Colomina. Esta locutora chegou a dizer diante do microfone do Rádio Clube que os rojos queimaram os móveis do seu andar madrileno. «Para una mujer española, son los muebles de su casa algo íntimo y familiar que guarda y quiere con singular complacencia y amor porque ellos son depositarios de preciados recuerdos que constituyen la vida y porque alli como ella dice invdadida de amor maternal "se guardan las ropas de los hijitos por los que se daría la vida» El Compostelano, 06/X/1936 Esta alocução provocou uma imediata colecta promovida pelos japistas (Juventudes de Acción Popular) de Compostela, para comprar-lhe a Marisabel um mobiliário novo. Na Galiza houve outras iniciativas para render homenagem ao Rádio Clube Português, chegando a deslocar-se a Lisboa uma comissão de galegos, como demonstra a fotografia [fig.1] conservada no Arquivo Nacional da Torre do Tombo.

fig. 1

A emissora de Botelho, como a Emissora Nacional, não só serão parciais nas suas notícias sobre o frente de batalha, senão que entrarão na tolémia pan-galaica guerracivilista. 
Em Lisboa há uma embaixada legal, com Sánchez Albornoz à frente, e uma outra dos sublevados, conhecida como embaixada negra, criada, com a conivência de Salazar, pelo sinistro Nicolás Franco. Resulta engraçado imaginar aos conspiradores franquistas e salazaristas de mãos dadas por enquanto o galego Franco desejava Portugal e o falangista Rolão Preto pedia a Salazar a anexãção da Galiza. Tal vez isto último que acabo de contar faz parte da lenda galego-portuguesa, mas o certo é que Portugal foi um aliado eficaz dos sublevados e as emissoras, uma arma que resultou letal.
Neste contexto não espanta que em 1939 a Orquestra de Câmara da Emissora Nacional que dirigia Frederico de Freitas estreara a suite Chucurruchú de Iglesias Vilarelle, um dos cindidos da Direita Galeguista chefiada por Filgueira Valverde. O máximo responsável das orquestras da Emissora Nacional era o Pedro de Freitas Branco, irmão do pianista que acompanhou ao conferente pontevedrês. 
Ao final do artigo do Século há uma nominata do pessoal que assistiu ao evento, entre os quais um homem várias vezes citado no texto do jornal, o poeta e político Eugénio Montes. Outro galego a estar onde há que estar, concretamente na Embaixada de Lisboa como agregado cultural —nos filmes de espiões sempre aparece um agregado cultural— e director do Instituto Español de Lisboa (1943-1950). Este unionista, como lhe chama Eduardo Javier Alonso Romo em Lusitanistas Españoles, escreveu Interpretación de Portugal: «España y portugal son naciones paralelas, y las paralelas se encuentran en el infinito». Quiçá um destino en lo universal. Também em Lusitanistas Españoles Alonso Romo faz uma pergunta agora de máxima actualidade: «Y donde situar a un hombre como José Filgueira Valverde, preferentemente dedicado a los estudios gallegos, pero autor de un excelente estudio sobre Camões (Barcelona, Labor,1958)» Pois que sei eu, a mim que não me perguntem. 

fig.2

fig.3

fig.4

segunda-feira, 16 de abril de 2012

nº 133 Faustino Rey Romero e os Poetas dos Melros.


Abstract:
Breve relato sobre curiosos encadeamentos históricos que nos levam a crer na existência na Galiza duma geração poética à que poderíamos chamar Ornitólogos sentimentais, ou melhor dizendo, Os poetas dos melros e a sua relação com o Festival de la Canción Gallega de Ponte Vedra.

Eu quisera ser melrinho
e ter o bico encarnado,
para fazer o meu ninho
no teu cabelo doirado.
Quadra Popular.

Tragédia com três personagens

«Amor!» «Amor!»
-assobiava o Melro
Seu assobio
tinha algo quente
que dava frio

«Amor!» «Amor!»
- A Rosa, indiferente
não respondia

«Amor!» «Amor!»
- A Lua filosófica
sorria

«Amor!» «Amor!»
-assobiava o Melro

-A Rosa, cruelmente
não respondia

Enlouquecido
o pobre Melro
botou-se ao rio

De indiferente
a Rosa
passou a presumida

-A Lua
por ser tarde
deitar-se
ia

Ernesto Guerra da Cal Lua de Alem-mar 1959

Este formoso poema de Ernesto Guerra da Cal, dedicado a Fermín Bouza Brey, pertence ao livro Lua de Alem-mar e leva por subtítulo «para ornitólogos sentimentais». Na fina ironia do escritor ferrolano parece esconder-se uma alusão a toda uma geração de poetas herdeiros da poesia de Amado Carvalho e que, por diversos motivos, vão ser protagonistas dum evento pouco ou nada estudado até o momento: o Festival de la Canción Gallega de Ponte Vedra. Este festival celebrou-se entre os anos 1960 e 1967, sendo promotores Antonio Fernández Cid, crítico musical, e Xosé Filgueira Valverde, presidente na altura da câmara pontevedresa.
A mecânica do evento consistia em que compositores espanhóis e portugueses de grande sucesso musicavam um poema dalgum autor galego. Paralelamente, havia um concurso de composição do que saíam partituras premiadas. Durante uns dias, sempre nas datas próximas à festividade de São Bento, pronunciavam-se conferências-concerto, na que se interpretavam as obras encomendadas, as do concurso e outras de carácter histórico como ilustração às palestras.
Ernesto Guerra da Cal foi o autor dalgum desses poemas musicados, sendo a sua participação estudada por mim, em parceria com Isabel Rei e Joám Trillo, em dois trabalhos que sairão do prelo em breve. Mas além do poeta ferrolano, houve outros coetâneos que também participaram com seus versos no festival e aos que poderíamos chamar os Poetas dos Melros, dado que todos eles foram rapsodas deste passarinho de plumagem escura e bico amarelo.
Comecemos pelo próprio Guerra da Cal. O poema acima transcrito e titulado “Tragédia com três personagens” está incluído num grupo de seis poemas cujo título genérico é Cançonetas do Amor em Clave de Lua. Este pequeno conjunto tem muitas das características que Méndez Ferrín atribui à por ele chamada geração do 1936, como o neotrovadorismo, influência de Bouza Brey, ou o hilozoísmo/imaginismo, de Amado Carballo. Tanto Bouza Brey como Amado Carballo foram distintos Ornitólogos Sentimentais, sobrevoando o seu parnaso particular lavandeiras, rouxinóis, pintassilgos e, como não, algum melrinho.

«Fugiram as badaladas
ao acordar a manhã,
entre xílgaros e melros
pelo mato a rebuldar.»

Amado Carballo “Romage” Proel 1927

«Que não fujam os melros que fazem o ninho
no mais mesto curruncho dos teus verdores:
esgarçar-te-ei as polas muito amodinho
p[a]ra fazer um feitiço p[a]ros meus amores»

F. Bouza Brey Nós nº 12, 1922

«Todo o que é lírio, todo o que é melro
esfolar-se-á pelos campos galegos!»

F. Bouza Brey Nau Senlheira 1933

Ambos os dois poetas, Bouza Brey e Amado Carballo, foram musicados pelos compositores do Festival de la Canción Gallega, nomeadamente este último, cujo poema Ponte Vedra tornou-se num autêntico standard. 
Porém, os mais significados melristas pertencem à geração do 36, nascidos por volta do 1910. 
De entre todos eles, Xosé Mª Álvarez Blázquez teve um especial protagonismo no Festival, sendo um palestrante fixo das conferências-concerto. Os seus relatórios versaram sobre temas muito diversos, como as cantigas medievais ou os cantos de natal, estando sempre acompanhados de exemplos musicais. Também considero que deve atribuir-se lhe ser o primeiro em pôr o foco sobre o humilde melro, humanizando-o e vestindo-o com toda a sua roupagem simbólica:

O melro poeta

Da gorja algareira
do melro lançal
fugiam as horas
colhidas das mãos.

Co[m ]as suas moinheiras
e os seus alalás
a todas as melras
ia namorar.

Na pola mais alta
do meu salgueiral
morreu o poeta:
no papo, nem grão!

Ponte Vedra, 7-VI-1932

Ainda maior presença tem o melro na obra de Emilio Álvarez Blázquez, irmão de Xosé Maria e que também estivo muito envolvido na história pública e privada do Festival de la Canción. Ele escreveu coisas tão formosas como estas:

Cantaram os melros
e haverá um arzinho
entre os amieiros.

Emilio Álvarz Blázquez “Bico” Poemas de ti e de mim 1949

Meu reino não é desta árvore,
disse o melro, e pus em cruz
as asas sobre a paisagem...

Emilio Álvarez Blázquez O tempo desancorado 1988

Contudo, o poeta mais devoto dos melros é o Rianjeiro Faustino Rey Romero, o qual mesmo escreveu uma monografia poética sobre este passarinho, Escolania de Melros. O livro consta de vinte sonetos cujo protagonista é sempre a ave de pena negra.

O Melro

Prestidigitador de melodias,
que, sem cânon saber nem seguir pauta,
cantando a reo, nunca te extravias
no ar do rimo, voadora flauta.

Diz, que arame subtil é esse em que enfias
como doas de ouro a nota exata?
De que mestre aprendes-te a que assobias,
melodia lançal, música intacta?

Foste anjo de Deus? Pude ser isso!
Ou pássaro cantor no Paraíso,
onde a dita perfeita o Senhor forja?

Anjo foras, se, em vez de negra pluma,
asas brancas tiveras como a espuma,
pois é de anjo canora a tua gorja.

Faustino Rey Romero Escolania de melros 1959

Resulta evidente a influência de O melro poeta de Xosé Maria Álvarez Blázquez neste soneto do padre nado em Isorna. Mesmo palavras como lançal ou gorja, poderiam ser os restos fósseis que demonstrem tal genealogia.

Desconheço a relação certa entre Faustino Rey Romero e Xosé Maria Álvarez Blázquez, nem sei se esta foi estudada a dia de hoje por algum dos biógrafos de ambos escritores, mas cabe supor que esta existiu e foi intensa. Uma das razões que me levam a pensar assim tem a ver com os próprios biodados do escritor rianjeiro. 
Faustino Rey Romero nasceu o 27 de outubro de 1924, pelo que por idade está algo mais próximo a Emilio Álvarez Blázquez, nado no 1919, que a Xosé María, do 1915. Depois de estudar no convento de Herbão, o seminário de Madrid e o de Ourense, ordena-se padre no de Tui em 1948. Desde esse mesmo momento a sua vida passa a se desenvolver por terras do sul da Galiza, como as freguesias de Cela (Mos), Barcala (Arbo), Tameiga (Mos), A Guia (Tui), São João de Amorim... Vários dos seus livros Doas de vidro 1951 e Quatro sonetos ao destino duma rosa, 1952, foram editados na imprensa Tip. Rexional de Tui.
Uma relação tão intensa dum poeta com a cidade de Tui não deveu ser ignorada por dois dos bates tudenses mais insignes, Xosé Maria e Emilio Álvarez Blázquez.
Algum poema de Rey Romero também foi musicado no Festival de la Canción. Eu tenho localizados duas partituras, uma do compositor português Frederico de Freitas e outra do galego Groba.
A de Frederico de Freitas faz parte dum álbum titulado 10 canções galegas, do que já falei na postagem anterior. A inclusão dum poema do Rey Romero de lado de outros de Amado Carballo, Bouza Brey, Xosé Maria Álvarez Blázquez e do seu irmão Emilio põe um trilho musical inigualável a geração dos ornitólogos sentimentais.  

Por último e como colofão a esta postagem, mais uma cadeia de casualidades melricas. Faustino Rey Romero tem um soneto titulado:

O melro que lhe cantou a eternidade a São Ero de Armenteira.

Por acalmar uma amorosa queixa,
por adoçar de fera ausência o agre,
apreixaste o tempo na madeixa
do teu canto uma noite de milagre.

Não renderam três séculos um segundo.
Tao prodigioso foi teu rechouchio,
que às ditosas estâncias do trasmundo
daquele Santo subiste o alvedrio.

Foste em comparação como a escada
que véu Jacob unindo terra e céu,
mas, em vez de anjos, de música baixada.

Tu semeavas eternal semente,
e o Santo estava de si mesmo alheio,
enquanto cantavas milagrosamente.

O logótipo do Festival de la Canción Gallega foi feito por Agustín Portela Paz, ilustrador do Museu de Ponte Vedra e pai do famoso arquiteto César Portela e nele pode ver-se ao Santo Ero de lado do pássaro cantor.



Este mesmo desenhador fez as capas do livro de Xosé Maria e Emilio Álvarez Blázquez Poemas de ti e de mim, 1949, da Editorial Benito Soto. Por sua vez, Emilio, também fez um poeminha sobre o santo durmichão da Armenteira.

Santo Ero

Louvado seja o Santo
que está no Paraíso
e não queria tanto.

Louvada seja a hora
de Armenteira, que foi
trezentos anos glória.

Louvado o passarinho,
de quem ninguém se lembra
e está no Paraíso....

Emilio Álvarez Blázquez “Tríade de Três Santos” Lar 1953

Por certo, na revista Lar, do Hospital Galego de Bos Aires, também publicou Faustino Rey Romero em 1952 os seus Quatro sonetos ao destino duma rosa.

Enfim...

Orjais ©

quinta-feira, 8 de março de 2012

nº 132 Faustino Rei Romero musicado por Frederico de Freitas.


Ás 8 horas do 12 de julho de 1966, no Salão Nobre do Palácio da Deputação de Ponte Vedra, celebrava-se a jornada de estreias do VII Festival de la Canción Gallega. No piano, acompanhando à soprano Dolores Pérez, o grande Miguel Zanetti dava começo ao programa com as primeiras notas das Dez canções galegas.
Este conjunto de cantigas compostas pelo maestro lisboeta Frederico de Freitas  (1902 - 1980), são dez poemas musicados cujos versos pertencem à pena de Fermín Bouza Brei, Emílio e X. Mª Álvarez Blázquez, Luís Amado Carballo, María del Carmen Kruckenberg, Ramón Vidal, Ramón Cabanillas e o nosso Faustino Rei Romero.
Não espanta a participação do padre de Isorna neste agrupamento poético por quanto é bem conhecida a sua amizade com os Álvarez Blázquez ou o Bouza Brei. O verdadeiramente interessante é que um poeta relativamente pouco conhecido, como Rei Romero, passe a fazer parte da obra musical dum dos grandes compositores de Portugal.
A dia de hoje, não posso dizer certo quem fez a coletânea poética com a que trabalhou o Frederico de Freitas, mas é muito provável que fora iniciativa de Emílio ou Xosé María Álvarez Blázquez.
O caso é que depois de muita busca, dei com a partitura Canta, paxarinho, canta, que faz a número cinco das Dez canções galegas, letra de Faustino Rei Romero e música de Frederico de Freitas.
Celso Álvarez Cáccamo, filho do poeta a quem se lhe dedicou no 2008 o Dia das Letras Galegas, definiu um dos meus artigos como um trabalho detectitexto. Pois, certamente, parece-me uma grande definição para o que fago, já que às vezes quase exerço de investigador privado.
Todas as gestões feitas na Galiza para encontrar as Dez canções galegas tiveram um escasso sucesso. Então, dirigi o meu esforço cara Portugal, e concretamente ao Centro de Investigação e Informação da Música Portuguesa. Esta entidade, que não tinha cópia da obra solicitada, encaminhou-me até a Dr.ª Helena Marinho, grande pianista portuguesa e conhecedora da obra do Freitas. Ela sim sabia da existência das peças requeridas e da sua localização, junto com o resto do espolio do maestro, na Biblioteca da Universidade de Aveiro.
A Diretora dos Serviços de Biblioteca, Informação Documental e Museologia desta Universidade, Dr.ª Ana Bela Martins e a sua colaboradora Dr.ª Patricia Silva, fizeram as gestões precisas para que o escaneado das Dez Canções Galegas, e entre elas a do Faustino Rei Romero, chegaram a mim. Para elas três o meu agradecimento.
Eis a primeira página de Canta, paxariño, canta:



Expólio do Compositor Frederico de Freitas
Universidade de Aveiro


Albergo esperanças de que para maio podamos escutar esta peça em Rianjo, mas isto é coisa que já contarei outro dia.

O Faustino Rei Romero é para mim uma grande caixa de surpresas que sempre me colhe desprevenido, ele aparece onde menos se lhe espera. 
No número 3 da revista do padroado da cultura galega de México Vieiros, há um poema titulado O nome acadado dos nomes. Está assinado pelo Nobel Juan Ramón Jiménez. Nada teria de especial este poema se não fora porque ao pé do nome do autor podemos ler: «Versión galega de Faustino Rey Romero, Presbítero. Madrí, 1965»


Nº 3 Revista Vieiros
Outono 1965

Aproveito a ocasião para recomendar vivamente a leitura desta revista feita por Luis Soto, Carlos Velo e Fernando Delgado Gurriagarán. Os textos são magníficos, mas ainda melhor é a maquetagem e as ilustrações.

Memoria de Catoira 
Concello de Catoira 2011

Termino com uma foto do Padre rianjeiro na companha de Baldomero Isorna (?). Que grandes!!!