domingo, 24 de fevereiro de 2019
nº 229 Antolorjia do Barão de Orjais.
domingo, 3 de agosto de 2014
nº 187 As pantufas de Filgueira Valverde.
As pantufas de Filgueira Valverde.
Como curiosidade, dizer que no Festival de la Canción Gallega participou como poeta Ernesto Guerra da Cal. Três poemas seus foram musicados pelos compositores valencianos Matilde Salvador, Vicente Asencio e José Evangelista. Este último contou-nos —a Isabel Rei Samartim, a Joam Trillo e a mim mesmo— que os poemas do escritor republicano e exilado Guerra da Cal chegaram-lhes da mão de Eugenio Montes. Eis outra rede de contatos curiosa. Eugenio Montes escreveu em 1930 um dos livros, a meu ver, mais formosos da literatura em galego: Versos a tres cás o neto [Ed. Nós; La Coruña, 1930]. Em 1933 é um dos fundadores da Falange e se considera um dos intelectuais mais próximos a Primo de Rivera. Este homem, que após o seu ingresso na Falange jamais volverá a escrever em galego é o portador dos versos do exilado republicano Guerra da Cal, os quais, convertidos em canções, serão finalmente estreados em 1964 no Salão Nobre da Deputação de Ponte Vedra, na que assenhoreava o tal Filgueira Valverde.
Estou a lembrar uma frase de Blaise Pascal que li num livro de Vila-Matas: «E se escrevi esta carta tão longa, foi porque não teve tempo de fazê-la mais curta.» Nestas últimas semanas andei com muito pouco tempo para ler e menos ainda para ler o que se publica na rede. Apenas li o cabeçalho de algum dos numerosos artigos publicados sobre o caso Filgueira Valverde, assim que é possível que muito do que eu contei já fosse contado nos últimos dias. Não faz mal, total a mim não me lê ninguém. Como sei, portanto, que o que escrevo apenas terá leitores, arrisco-me em último termo a dar a minha opinião —a modo de conclusão—, uma opinião que ninguém me pediu, assim que vai de graça.
quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014
nº 179 Tetos
segunda-feira, 15 de julho de 2013
nº 171 Armas de destruição massiva.
quarta-feira, 10 de abril de 2013
nº 160 micropoema
- após introduzido nas veias -
sexta-feira, 26 de outubro de 2012
nº 150 O neno e o velho
quinta-feira, 4 de outubro de 2012
nº 148 Noturno sambado
sexta-feira, 20 de julho de 2012
sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012
nº 130 Apresentando os Cantos Lusófonos.
Eis as datas:
sexta-feira, 7 de agosto de 2009
nº 60 Um novo artigo em O Patifúndio.
segunda-feira, 27 de julho de 2009
nº 58 De quando fui caçador...
Nunca fui um grande caçador. Se para uma criança um colega quem de caçar um pássaro com um garamilho é um ser extraordinário, eu seria, com a perspectiva que me dá a distância temporal, uma espécie de anti-herói.
Os meus camaradas guardavam como um grande tesoiro o achado dum ninho que normalmente se ocultava no alto dalgum pinheiro. O ponto exacto era um segredo inconfessável fora do círculo íntimo da turma, pelo que ir-se da língua significava para o fala-barato um grande problema. Lembro vários episódios da rapina dos ovos que, por certo, não foram nada agradáveis. Para esse ofício não estava em absoluto dotado.
Primeiro ficávamos ao pé do pinheiro, prédio dos pobres passarinhos. A algum de nós tocava-lhe gavear a árvore até a pola que suportava o ninho. Como eu sempre teve uma vertigem patológica, jamais apreendi a gavear decentemente, assim que ficava abaixo. De haver pitinhos, normalmente o ladrão descia da árvore e até outra, ainda que não sempre os neonatos ficavam incólumes. Se havia ovos recolhiam-se à espera de fazer-lhes um teste científico: o da flutuabilidade na água: se se afundavam eram óptimos para o consumo, se aboiavam, horror! estavam chocos.
O melhor que me podia passar é que estivessem chocos, já que doutro modo alguém colhia uma agulha, fazia um furado num estremo e sorvia o contido com acenos de deleite sumo. Quando me tocava a mim punha qualquer escusa para passar o turno, normalmente bem aceite pelo grupo pois assim alguém papava a minha ração.
Mas no que éramos espertos era no fabrico de armamento e munições. Construíamos arcos e setas com vimes ou varinhas de guarda-chuvas ou fundas com um gaio, duas tiras feitas da câmara dum pneumático e um quadrado de coiro. Havia armas muito complexas como aquela elaborada com uma tábua e um pregador da roupa, com um mecanismo quem de propulsar como uma bala um grau de milho e outras simples por primitivas, como o tutelo, uma cana, melhor indiana, para cuspir hedras como perdigotos.
Aquele dia fiquei na casa dum amigo para fazermos um arco e ir de caçaria. Tínhamos um guarda-chuvas dos chamados de sete paróquias, estragado pelo último temporal. Arrancamos as varinhas cuidadosamente e procedemos a atar um grosso fio de pescar a modo de corda propulsora. As setas eram também as varas metálicas apontadas contra um muro de pedra. Rematado o processo de construção entramos na casa e desde a janela da cozinha começamos a disparar contra uma figueira próxima, tentando acertar-lhe a umas iniciais gravadas pelo meu colega no interior dum coração. Meu anfitrião cravou as setas repetidamente, alguma mesmo dentro do alvo, mas as minhas, faltas de força ou de perícia, iam perdendo altura até depositar-se inofensivas ao pé da árvore.
Já estava convencido do meu novo fracasso como depredador quando, sobre o travessão duma parra, um gato destemido foi-se achegado caladamente. Sabia certo que era impossível que um inútil como eu roçara sequer àquela presa inocente, mas, quiçá por ficar de bravo ante o meu parceiro de caçaria, apontei com um olho fecho, estiquei a corda e soltei a seta num instantinho que apenas durou o tempo que tardei em colher o ar do impulso inicial. Quando abri o olho que fechara vi ante mim um quadro surrealista. O gato ficara preso duma garra ao travessão, miava com um queixume inenarrável e o meu amigo esmendrelhava-se de tanto rir tirado no chão, com uma mão na cabeça e outra na barriga.
Ao tomar consciência do feito, desfiz-me da arma e botei a correr costa acima até a minha casa, onde fui aos bocadinhos recobrando a cor.
Mas o meu grande sucesso como caçador teve como protagonista a um grilo, o meu primeiro e último bichinho por vontade própria.
A caça do grilo não é nada doada. Um tem que encontrar o buraco apropriado na terra. De errar em este ponto pode dar com a casinha dum outro bicho menos hospitaleiro. Logo há que colher uma palhinha ou uma erva e mete-la e saca-la as vezes que for necessário até que pique o grilo, coma num rito iniciático à masturbação. Se a fricção tem sucesso, o insecto sai ao exterior e já é teu.
Eu fiz esta operação milhares de vezes sem resposta alguma, até que de tanto experimentar duma volta acertei. Saiu um cabecinha negra, minúscula e brilhante, tão atenta a mim como eu a ela. Houve um amor à primeira vista.
O seu primeiro dia na minha casa passou-o numa caixinha de plástico transparente, com uns buracos feitos na sua tampa com uma agulha de tricô incandescente .
Acomodei-o numa cama de ervas e palha e o meu grilo semelhava adorar a sua nova condição de hóspede e amigo meu.
Passaram alguns dias e comecei a notar no insecto como uma melancolia desconhecida até então, quiçá a saudade do seu anterior fogar ou o limitado da sua vivenda atual. O certo é que comecei a ter mágoa dele, passando pela minha cabeça a ideia de o liberar. Mas esse impulso durou pouco e de imediato procurei um plano B: haveria que lhe trazer um parceiro.
Dado que para conseguir o meu primeiro exemplar teve que fazer inúmeros intentos, desbotei rapidamente a possibilidade de ir novamente de caçaria. Tentando atalhar, fui junta do melhor pega-grilos que conhecia, um rapazote que já ia ao mar e tinha um bigode roxo que ainda não levara a primeira ceifa. Pedi-lhe uma parelha para o meu bichinho e incrivelmente diz que sim. Andou para o mato e ao pouco tempo estava no lugar acordado com um novo grilo para a minha colecção. Este bicho, alem de ser mais grande que o meu, tinha pedigree, era dos chamados cabeções.
Fez-lhe uma covinha entre as mãos e levei-o até o meu quarto onde guardava a caixinha que ia compartir com o seu congénere.
O meu velho amigo, até esse momento a cada bocado mais taciturno, saiu do seu letargio e começou a mexer-se, correndo excitado pelo minúsculo habitáculo agora compartido. A minha ideia fora todo um sucesso.
Já era tarde assim que fui cear e me deitei certo de ter salvado a um amigo da sua doença de solidão.
De amanhã acordei com a ânsia de ir procurar mais erva para os meus convidados, sabedor de que duas bocas precisam mais que uma só. Sentei na cama e colhi o cofrezinho transparente e o que vi deixou-me horrorizado. O grilo recém chegado devorara ao meu amigo deixando o seu corpo desmembrado como se fora obra dum Jack estripador dos insectos.
Soltei a caixinha e com ela já no chão pisei-a até que teve consciência de que nada do que havia no seu interior ficara com vida.
Depois cai na cama e chorei como uma criança.
sábado, 6 de junho de 2009
nº 50 A morir o a vivir.
sexta-feira, 24 de abril de 2009
nº 36 O maracanaço
Duma volta, os da Torre, o meu bairro, decidimos ir jogar ao Monte, o qual era para mim quase como ser seleccionado para um partido internacional. A preparação foi exaustiva. Treinamos durante a semana, nos recreios do cole, e mesmo tivemos conversas tácticas nas que falávamos de como neutralizar aos melhores jogadores contrários. Mas, além de toda a preparação física e intelectual, tínhamos uma arma secreta: uma caixa de remédios.
A noite anterior ao partido não peguei olho. Deitado na cama, com os olhos fechados, visualizava cada uma das paradas que ia fazer, os golos que meteríamos, o grande trunfo que nos aguardava. Porém, o que mais me quitava o sono era um jogador rival. Era grande, mais bem gigante, algo assim como um trol de David o Gnomo. Como futebolista era péssimo, mas se acertava a dar com a bola podia furar-te e como mal menor, introduzir-te na baliza junto com o esférico. Era tal a sua pouca perícia e suma brutalidade, que os companheiros o situavam como defensor estorvo e quando chegava a ele a bola, a gente berrava o seu nome dizendo a continuação: fura! fura!
Tocou o timbre, fomos às fileiras e quando estávamos preparados para entrar, a minha olhada cruzou-se com a do gigante do Monte. Então, Enormus sorriu. Não era um riso de burla, não havia maldade nem superioridade, senão a tenrura duma criança que com aquele gesto queria pedir perdão. Naqueles poucos segundos de cruzamento de olhos dois meninos comunicaram-se sem palavras e não fez falta mais.
domingo, 15 de fevereiro de 2009
nº 16 O estranho caso da borracha-tijolo
Quando uma criança possuía um apelido exótico como o meu, de imediato éramos considerados forasteiros e com esta expressão faroestiniana havia que apreender a viver, até que o tempo te ia acomodando á paisagem.
Já eu tinha alguns anos de escolaridade obrigatória quando um dia ao estar o professor a fazer chamada, (ao contrário do que lhe acontecera a Pedrito Fernández, o da mochila azul), descobri que na minha turma havia uma nova forasteira. A primeira reacção foi de alívio, pois era mais que provável que por um tempo deixasse de ser o branco perfeito, e a segunda, a de pensar como fazer para me unir à comissão de bem-vindas.
Aos que falávamos espanhol os colegas qualificavam-nos simplesmente de parvos. Eu fora parvo toda a vida, mas estava a progredir para deixar de se-lo. A menina nova ainda era mais parva do que mim, pois ela falava um espanhol perfeito. Devia ser filha dum trabalhador dalguma caixa económica e a pobre parecia um passarinho caído do ninho, morto de fome e frio.
Quando saímos ao intervalo, sem pensa-lo duas vezes, fui cara ela e espetei-lhe na cara:
-Tu és parva.
Naquele mesmo instante aprendi o significado disso que chamam discriminação por razão de género. Os meus pares ficaram a olhar para mim como dizendo:
–Não te passes com a rapariga.
Fiquei muito chato. Pelo visto havia dois tipos diferentes de forasteiros, os que levavam carapitos e os que não.
Desde aquele mesmo dia a moça ficou como um prego cravado no meu coração.
A menina sentava-se justo as minhas costas, o qual agradecia, pois quando menos não tinha que fazer esforços por não vê-la. O mau e que sim podia ouvi-la, com o seu perfeito parviniano, e até cheira-la. Foi precisamente um adoçado cheirinho a nata o que chamou a minha atenção. Quando virei a cabeça, sobre a mesa estava a primeira borracha-tijolo que olhei na minha vida.
Era algo fantástico, enorme e com um recendo a bolacha verdadeiramente indescritível. Foi suficiente uma olhadela para decidir que aquela delicatessem ia ser minha.
Teve de ser muito persuasivo para lograr que o meu parceiro de mesa e melhor amigo durante todo o primário, consentira em associar-se comigo para cometer o maior roubo que jamais tivéramos feito, (no meu caso confesso que era o primeiro).
Ao ter jornada partida, o material escolar ficava sobre a mesa até a tarde, assim que a estratégia era sair os últimos e perpetrar o latrocínio dissimuladamente, já que o professor aguardava na porta para fechar a sala de aulas. Fui eficaz como um experimentado Arsèn Lupin.
Fora do recinto, e em previsão de que ante a sua desaparição pela tarde houvesse revista, decidimos ocultar a borracha-tijolo entre umas silvas, num pinheiral que ficava de caminho ao nosso bairro.
O jantar foi angustioso, com a adrenalina ainda sem descer de tudo e cônscios do mais que provável rebuliço que se ia produzir de tarde. Eu já estava a ver ao chefe de turma ou quiçá, meu Deus!, até o director, a dizer:
- Aqui não sai ninguém enquanto não apareça o ladrão ou ladrões.
Mas a tarde produziu-se uma milagre. A menina, discreta, nem perguntou se alguém vira a sua borracha, por outro lado difícil de se ocultar entre os livros ou cadernos. Não sei que passaria pela sua cabeça. Quiçá era a primeira rapariga que eu conhecia farta-de- tudo, dessas que não lhe dão mérito a nada, que tem tanto que logo aborrecem qualquer coisa, ou tal vez, sendo nova entre os ilhéus, simplesmente não se atreveu a provocar um conflito na turma. Fosse como for, a tarde transcorreu, chegou a noite e na solidão do quarto, entre os lençóis, o medo a ser descoberto deu passo a uma sensação muito pior, o sentimento de culpabilidade. Por primeira vez escutei o meu coração a latejar no peito, batendo na noite como um martelo a fazer cacos o meu cérebro infantil. Já na arraiada decidi que tinha de restituir o roubado, pois ficava claro que não poderia viver com aquele peso o resto da minha vida.
Ao dia seguinte o meu amigo confirmou-me que na noite passada houvera quando menos dois putos ilheus que não pegaram olho.
A estratégia agora ficava clara. Antes de ir para a escola, passaríamos pelo pinheiral e recuperaríamos a borracha. Na saída para o intervalo, ou em qualquer outra, ficaríamos novamente os últimos e silandeiramente pousaríamos o roubado sobre a mesa da colega.
No meio do pinheiral havia um grande pinho manso com uma arrandeeira pendurada. Próximo a ele, uma silva com as amoras todavia de cor vermelha. Metemos a mão entre as espinhas e sacamos a borracha-tijolo, ou melhor dito, o que ficava dela. Fora mordida, picada, esfarelada... Da sua aparência original só ficava parte do letreiro no que com letras maiúsculas podíamos ler: NATA.
Eu não disse palavra e acho que o meu parceiro também não diz nada. Soltei aquele queijinho gruyère como se queimasse, fiquei uns segundos olhando para ele, o qual jazia esquartejado sobre o arume, ergui-me e tomei uma nova decisão: passar página definitivamente.
O que restava de caminho à escola foi para nós os dois um passeio que por silencioso resultou atípico, mas jamais voltamos a falar da borracha-tijolo, nem do que aconteceu aqueles dias.
A rapariga não durou muito entre nós. Quiçá por não denunciar o roubo cheguei a ter-lhe certo aprecio, mesmo que nunca cruzáramos palavra; há que lembrar que era parva. Ela fiz muitos intentos de que nos levássemos, escreveu-me cartinhas, picava-me com o lápis acabadinho de afiar, mandava recados por amig@s comuns, mas eu não correspondia. Deixou de tentar qualquer coisa comigo o dia que quase lhe parto a tíbia duma patada, mas essa é outra história.