sexta-feira, 26 de abril de 2013

nº 162 Um berço ouvido na casa.

Ultimamente estou a ir muito por Santa Baia do Oeste em Catoira a casa dos meus sogros, com motivo dos trabalhos na horta. Anteontem, por enquanto não chegava a fresca para a rega, pus-me a desenhar um continho que vamos fazer com @s menin@s do meu cole.
Dália estava comigo, vendo-me trabalhar e riscando ela também algum papel, desenhos sempre muito mais criativos do que os meus. Então achegou-se a minha sogra, sentou connosco, e pegou numa boneca que a minha filha tinha deitada num berço de joguete. Neta e avó eram as mamães da bonequinha, arrolando-a e fazendo-lhe mil afagos.
Foi então que a minha sogra botou estas quadras que agora transcrevo e que ao momento copie no meu caderno de debuxo. Foi formoso ouvi-la ao carão da minha filha, num ato de transmissão geracional carregado de significados emotivos e tradicionais.
Fique aqui o meu reconhecimento para as avós e os avôs que cantam aos net@s, o melhor herdo que um pode desejar.

domingo, 14 de abril de 2013

nº 161 A câmara de Ugia.

Durante o tempo que viveu na Ilha de Arousa, Ugia Pedreira teve uma forma um bocado esquisita de se comunicar comigo. Os seus correios apenas tinham palavras, mas não era necessário, vinham sempre ilustrados por uma fotografia. O acordo ao que cheguei com ela foi que de cada imagem, ou de cada grupo de imagens, faria um pequeno texto, sempre improvisando, deixando que as palavras fluíram ceives e espontâneas.
Depois duns quantos anos, a Ugia deixou a sua morada da Arousa, pelo que podemos dar por concluída esta colaboração, mas haverá outras.
Eis aqui o caderno completo com as suas fotos e os meus poemas. Só há que premer na imagem.
Obrigado, Ugia. 

quarta-feira, 10 de abril de 2013

nº 160 micropoema


Pedi conselho a Walser
para fazer um poema que de tão diminuto
- após introduzido nas veias -
o sangue o transportara 
a cada canto do teu corpo.

Mas os poemas crescem
fazem-se tão grandes como folhas de papel, 
como paredes,
como muralhas chinesas.

Por isso és tu agora
a que deambula
- tão livremente -
pelo interior dos meus poemas.

texto e desenho: ©rjais 2013

segunda-feira, 25 de março de 2013

nº 159 O velho inventor de palavras...

Hoje, aqui em Rianjo chovia a esmadraçar. Esta palavra, esmadraçar, é comum na Arousa, o lugar onde mora o velho inventor de palavras. É assim que na linguagem quotidiana dos ilhéus há termos tão especialmente formosos como MALHANTE, GRADICELA ou GARROA.
Pois bem, chovia tanto que a minha filha e mais eu decidimos colher umas cartolinas amarelas e desenhar alguma coisa para presentear a mamãe.
Eu comecei por fazer o rascunho duma mala de cartão e quando a coisa começava a ter um jeitinho, Dália quis achegar o seu grãozinho de areia. Então pegamos na sanguina. Colorei um bocadinho e, de seguido, a minha filha fiz o esfuminho com o seu dedinho, perfeitamente, sem se sair dos limites. O texto coloquei-no depois, sem pensar muito no que dizia, deixando que a escritura automática fosse alimentada exclusivamente pelo meu coração.
Vivam os dias de chuva!



©rjais 2013

domingo, 3 de março de 2013

nº 158 Alguma coisa mais sobre o gaiteiro Pepe Poceiro.


Em 2004 a empresa Ouvirmos dava conta da existência duma gravação do gaiteiro Pepe Poceiro efectuada em Madrid em 1905. É de supor que foi feita na viagem que o coral da Sociedad Artística de Ponte Vedra fez a capital do Estado, na sequência do quarto centenário da publicação do Quixote.

Existem muitas referências a esta viagem na imprensa da época, sendo um material valiosíssimo com o qual se poderia construir um relato verdadeiramente excepcional. Por enquanto, eu vou achegando pequenas informações, gulodices, não é?, no paladar dos amantes da nossa tradição.

O 12 de maio, no Ateneo, o orfeão interpretará o seguinte reportório:



«La Sociedad Artística de Pontevedra celebrará hoy viernes, por la noche, una velada musical en el Ateneo de Madrid, con el siguiente programa:

1º Alborada del siglo XVI, por la famoso gaitero de Geve, José Poceiro.
2º Alalás de la Ulla, Rianjo y montañas de Cervantes.
3º Canto de Nadal, por el coro, con acompañamiento de gaita, bombo y tamboril.
4º Marcha procesional de las tarascas, por el gaiteiro.
5º Romances de Bernaldino y A flor da yagoa, por el coro.
6º Jácaras de Santa Irene y O cego, por el coro.
7º Parrafeo de Rufina hermosa por el coro.
8º Muñeira antigua, por el gaitero.
9º Alalás de Ponte-Arnelas y Oca.
10º Foliada montañesa, por el coro, con acompañamiento de gaita, tamboril y bombo, conchas y ferriñas.
11º Himno da la batalla de Puente-Sampayo, por el gaitero.
12º Danza de espadas galaica, ejecutada en el hemiciclo por 16 danzantes vestidos á la usanza tradicional.»
El liberal. 


Prudencio Landín, diretor do Diario de Pontevedra, era  por sua vez presidente da Sociedade Artística. Da pena de Landín hão sair alguma das melhores crónicas sobre a sociedade da capital do Leres, como as que se recolhem no seu muito interessante livro De mi viejo carnét. Mas como protagonista que foi da viagem do 1905, também dele se contou alguma anedota muito boa, como esta a duo com o gaiteiro de Xeve:



«Entre los números del programa de los celebrados en Madrid, figuraba un concurso de cantos regionales, que debía tener lugar en la Plaza de Toros.
El Orfeón de la Sociedad Artística encontrábase entonces en la capital de la monarquía, tomando parte en esos festejos.
Además de la Danza de Espadas de la que ya hemos hablado, nuestro Orfeón había formado también un Coro de cantos regionales, con su correspondiente gaitero, bombo y tamborilero.
Tanto la Danza de Espadas como este Coro, dirigialos artísticamente el malogrado Víctor Said Armesto y presidialos, lo mismo que el Orfeón el culto abogado don Prudencio Landín.
El bombo y el tamboril tocábanlos dos orfeonistas, que vistiendo cirolas y pucha, hacían maravillas con el mazo y los palitroques en los respectivos instrumentos...
El aplaudido Pepe Poceiro, era el gaitero.
Este nunca había salido de Pontevedra. Llegado el día del concurso, nuestros coristas y danzarines se dirigieron a la Plaza de Toros madrileña, aclamados por los gallegos residentes en la Villa y Corte, que locos de entusiamo al oir las melodiosas notas de la gaita y el melancólico eco del a-la-lá, no cesaban de aturuxar, gritando: ¡Terra a nosa! ¡Ei, carballeira! ¡Ard o eixo!
En medio de estas aclamaciones, llegaron los pontevedreses al circo taurino, encontrándose allí con millares de personas que pugnaban por entrar en la Plaza.
Los de la Artística intentaron romper aquella muralla humana que los cerraba el paso; pero convencidos de que sus esfuerzos resultaban inútiles, optaron por rtirarse a un lado, esperando que la enorme avalancha de gente disminuyese.
La Guardia civil a caballo maniobraba con cuidado, para mantener el orden sin causar desbracias.
No se sabe si debido a que el Guardia picó con la espuela al animal o que las moscas no le dejaban tranquilo, [...] que el caballo levantó una de sus patas traseras, rompiéndole el tamboril al orfeonista, y arrancándole al mismo tiempo el fleco de la gaita a Pepe Poceiro.
El orfeonista calló; mas el Poceiro al ver su gaita desnuda, no pudo contenerse y asustado, lleno de espanto, dirigiéndose al señor Landín, exclamó: ¡Vámonos pra España don Prudencio, vámonos pra España!
Don Prudencio Landín se sonrió, pensando si Pepe Poceiro se creía en aquel momento que estaba en África.» DIARIO DE PONTEVEDRA, 22-09-1923

O autor da crónica, um tal Errante, confunde alguns termos, por exemplo o de que Said Armesto era o director artístico. Victor Said estava em Madrid, isso sim, quando a viagem dos coralistas e possivelmente foi um dos armadanças, junto com o político González Besada, que fez possível a tourné.

Muitos anos depois, em 1947 aparece no jornal Ciudad, uma entrevista a Benito Poceiro, herdeiro da oficina e do ofício do seu pai. 

- ¿Cuánto tiempo hace que comenzó su industria?, preguntamos.

- La empezó mi padre hace cuarenta años. Después fué a perfeccionarse a una fábrica de acordeones en Estradella, pueblecito italiano, donde adquirió conocimientos suficientes para modificar y mejorar la artesanía de los instrumentos.

Asombrados de no encontrar en el taller una sola máquina, preguntamos a Benito Poceiro, que nos responde:

-Antes de la guerra habíamos pedido a Alemania las máquinas precisas para la construcción en serie de los instrumentos. Pero estalló el conflicto mundial y nos vimos obligados a proseguir haciendo los acordeones a mano, desde la caja de resonancia hasta la última lengüeta.

Mais adiante, na entrevista aparece um dado que para mim é sempre de grande interesse, o do preço dos instrumentos.

- Un acordeón hace quince años podría costar unas 1.500 pesetas. Actualmente vale 7.000. El aumento de precio es producido más por la escasez de instrumentos que por el alza en el coste de los materiales con que se construye.

Termina a entrevista com uma bonita referência para gaiteirómanos.

-Y para terminar voy a preguntarle algo que escuché en casa desde niño: ¿Es cierto que las lengüetas para gaitas, hechas por su padre se diferenciaban de las demás por la manera especial de construirlas?

-Cierto.

-¿Podría decirme que diferencia de construcción existía entre ambas?

Benito Poceiro calla un momento y cuando ya estábamos en la puerta, nos responde.

- Eso es secreto profesional.

Se fazemos caso aos dados recolhidos na imprensa, Pepe Poceiro abandonaria o ofício de gaiteiro em fins dos anos 20, para centrar-se na construção de instrumentos. Antes, em maio de 1921, dá-se conta da sua entrada no coro pontevedrês Foliadas e cantigas. Quiçá foi nesse intre, no que deixa as alvoradas, que decide fazer a viagem de aprendizagem a Estradella, na Lombardia italiana. Eu não tenho aprofundado muito na vida dos construtores galegos de instrumentos mas o fato de que na Galiza anterior a Guerra Civil um gaiteiro/artesão pontevedrês acordara ir a Italia a aperfeiçoar o seu ofício, parece-me um dado muito a ter em conta. Estradella é uma vila famosa pelos seus construtores de acordeão e serão os investigadores deste instrumento os que possam dizer até que ponto existe uma relação certa entre os poceiros e os acordeões lombardos.

Para rematar, quero expressar a minha mais absoluta admiração por este indivíduo, José Poceiro, que teve uma existência verdadeiramente rica em acontecimentos e que deixou impresso o seu apelido nas páginas douradas da história da nossa tradicionão. Quando era menino adorava escutar o acordeão de Rogelio o Coxo na Arousa, o qual contava que os grandes acordeonistas conhecem-se no bem que manejam a mão esquerda. Gostava tanto de aquele homem e daquele som que ficava parvo olhando para as letras feitas em marcheteria colocadas na caixa do seu instrumento: Poceiro.



quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

nº 157 Gaiteiros com pistola.

A hemeroteca sempre nos achega notícias bem curiosas. No final do século XIX e nos primeiros anos do XX, em Ponte Vedra e arredores, junta-se um grupo de gaiteiros ilustres entre os que destacam Manuel Villanueva, de Poio, Juan Tilve Castro, de Campanhó, e quiçá um menos conhecido hoje, mas igualmente popular na sua época, José Poceiro, de Xeve. Em 1905, o orfeão da Sociedad Artística de Ponte Vedra viaja a Madrid para participar nos atos do centenário da publicação do Quixote. O elenco de sessenta e cinco vozes é acompanhado, nesta ocasião, pelo gaiteiro José Poceiro. A viagem acontece em maio. Uns  meses antes, em 1 de outubro de 1904, aparece um breve no diário pontevedrês La correspondencia deste teor: «Regresando días pasados de una feria, los vecinos de Geve, José Poceiro Maquieira, de 21 años, y Manuel Garcia Chenlo, ámbos de oficios labradores, promovieron una reyerta intentando el primero disparar un revólver contra el segundo, hecho que pudo evitar la intervención de varias personas.»

Só uns meses mais tarde, o 8 de março do 1905, o duo José Poceiro e Manuel García vai-se ver envolto no que será qualificado pela prensa como o Crime do Leres. Os feitos foram mais ou menos assim: durante as celebrações do Entrudo na aldeia de Castelo, Leres, um grupo de pessoas afetadas pelo consumo abusivo de álcool, começam a brigar na taberna de Juan Magdalena. Os moços Juan Pintos e Manuel García, acusam-se de ter-se dado um pisão no percurso do baile que se estava a realizar no seu interior. O García era cunhado de José Poceiro que naquele momento estava amenizando o baile tocando uma guitarra, segundo as primeiras averiguações, ainda que depois se soube que em realidade o instrumento tangido era um acordeão. O caso é que Poceiro soltou a sua ferramenta de trabalho para pegar num pau que descarregou sobre a cabeça do infortunado Juan Pintos. O taberneiro procura calmar a malta, mas vendo que isto é impossível resolve bota-los a todos fora. Situado detrás da banca, recebe um disparo cerca das têmporas do lado direito. Às poucas horas, Juan Magdalena falece na sequência da fatal ferida. O juiz de instrução Sr. Portas, comparecente no lugar dos feitos, detém a seis pessoas, entre as quais os principais acusados, Esteban Rey, proprietário da arma criminosa e Faustino Lorenzo. O 30 de setembro desse mesmo ano tem lugar o juízo com jurado na audiência provincial baixo a presidência do Sr. Bermúdez de Castro. A Esteban Rey Pontevedra pedem-lhe 14 anos e oito meses, costas e 2000 ptas. para os herdeiros do falecido. Na sua defesa declara: «Habiendo tomado la refriega aspecto serio y queriendo evitarlo el procesado salió á la calle y desde ella disparó por la puerta que estaba abierta y sin hacer otra puntería que al techo de la casa con una pistola de dos cañones que llevaba, para ver si consgue de ese modo apaciguar los ánimos de los contendientes y aun cuando disparó un solo tiro sin hacer más puntería que la referida, quiso la fatalidad que por variación del pulso efecto del estado nervioso en que se encontraba, fuese el proyectil á herir al tabernero con el cual no tenía resentimineto de ningun género el procesado produciéndole desgraciadamente la muerte[...].» Trás breve deliberação o jurado declara ao acusado, inocente. 

Pode parecer desmedido que José Poceiro fique envolvido nalgum outro caso delictivo, mas o 20 de novembro de 1913, José Desiderio Portela Iglesias, um moço de 18 anos, natural de Barbeito, Cotobade, entre na relojoaria de D. Claudio Sotelo e subtrai da caixa 250 pesetas. Com o fruto do seu latrocínio acode a oficina de José Poceiro e compra uma gaita pela que paga 125 pesetas. Também deixou pago um bombo e uma caixa que aguardava recolher o 6 de dezembro. Conta a crónica que Portela comprou, além do instrumental, um revólver e regular quantidade de tabaco. Foi detido às poucas horas. 

 Todos estes dados saim das crónicas da época, tudo aponta que são dados certos, salvo erros tipográficos ou do jornalista que transcreveu a crónica. Portanto, após a exposição do acontecido, ocorre-se-me lançar alguma pergunta e também, de passagem, alguma reflexão. 

 1. O José Poceiro do altercado do 1904, 1905 e 1913 é a mesma pessoa? 
 2. Trata-se em qualquer caso do famoso artesãode gaitas e de acordeões? 
3. José Desiderio Portela Iglesias será parente do Ricardo Portela, também natural de Cotobade?
4. Graças ao caso Portela sabemos que em 1913 uma gaita custava 125 pesetas. 
5. Que pode levar a um homem a roubar uma joalharia para comprar uma gaita? 
6. A crónica não desvela onde comprou o revolver o José Desiderio Portela Iglesias. Desejaria que não fora na casa do Poceiro.


segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

nº 156 Um gaiteiro na fachada do Paço de Rajoy.




Não sei as vezes que olharia esta fotografia do Batalhão infantil na praça do Obradoiro, tirada em 1912 pelo fotógrafo Manuel Chicharro Bisi (1849-1924). Dá-me arrepios ver tanta criança ataviada de soldado, com as suas correias e quepes, firmes com os rostos olhando para a Sé compostelana.
Tão pouco engraçada me pareceu sempre esta foto, que nunca a olhei com o interesse que deve pôr um bom documentalista. A semana passada, repassando Galicia en blanco y negro de Ramón Pernas, Xosé Enrique Acuña e José Luis Capo, ed. Espasa; Madrid, 2000, encontrei-me novamente com a instantânea de Chicharro e cai na conta que na parede direita do primeiro vão das galerias do Paço de Rajoy há um cartaz. É difícil de distinguir, mas ampliando a foto vê-se bem que era o que anunciava.


É evidente que se trata do desenho que Castelao fiz para as festas do Apóstolo de 1912. Esse foi um grande ano para o artista rianjeiro, já que expõe em Madrid, no salão Iturrioz e em outubro casa com Virginia Pereira. Como se pode ver no gráfico, o desenho da parede e o da imagem a cor têm o mesmo motivo, um gaiteiro com a silhueta das torres ao fundo, mas não estão as colunas que suportam o arco e a grinalda. A imagem a cor, vem referenciada, aliás, como o programa de mão das festas com um tamanho de 33,2x23,4 cm. A foto de Chicharro amossa um papel de grandes proporções, calculo que de 100x140. Eu nunca vi uma imagem deste cartaz, e nem sei se existe. De momento conformo-me com saber que um dia houve um grande lençol com um gaiteiro pintado por Castelao no Paço de Rajoy. O atual presidente da câmara municipal de Compostela colgaria hoje um desenho do grande rianjeiro na fachada do consistório? De ser assim eu recomendaria-lhe aquele que diz: Mexam por nós e temos que dizer que chove.