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sexta-feira, 21 de julho de 2023

nº 255 Faustino Rei Romero e Artur Garibáldi. Uma foto em Braga.


O poeta Artur Garibaldi Pereira Braga (1913-1992) viajou por primeira vez à Galiza em 1935. Parece que esteve um tempo, o suficiente como para apaixonar-se do país, e também duma viguesa. Em qualquer caso, a sua conexão com a nossa terra propiciou um viçoso ramo de amizades, eventos, publicações e cargos honoríficos.

Foi autor, por exemplo, do livro de poemas À Cidade de Vigo, dedicado a todos os seus amigos da dita urbe galega. Neste estranho poemário, o rapsoda português, dedica uma das suas composições a um endereço de correios, polo que sabemos, com certeza, onde era que morava sua amada olívica.

Há uma casa na Espanha

que tem lá meu coração:

por ela fiquei a amar

a gloriosa Naçao.

-Linda cidade de Vigo:

Sanjurjo Badia, 9!


Como para não se dar por aludida!

Desde a sua primeira visita a Galiza em 1935, o vínculo com a nossa terra não deixou de crescer, sendo nomeado em 1940 Acadêmico Correspondente da Real Academia Galega. Uns anos mais tarde, no 1944, organiza o primeiro Torneo Poético Luso-Galaico, com o que pretendia um maior achegamento literário entre ambas comunidades.

Como ativista no movimento de unidade de ação entre intelectuais de aquém e além Minho, foi promotor e participou em númerosos congressos e certames, como a Assembleias lusitano-galegas celebradas em Braga (1955), a primeira, e A Corunha (1961), a segunda.

Por certo, a Real Academia Galega publicou as atas e comunicações em 1965, no prelo da Editora Nacional, imprensa do regime franquista, dedicando-lhe o volume Al Exmo. Sr. D. Manuel Fraga Iribarne


Foto de família dos assistentes à Assembleia corunhesa. O Garibáldi aparece acima, no centro, à esquerda, segundo olhamos, de Ferro Couselo. 
Primera y segunda asamblea lusitano-gallega: actas y comunicaciones. Asamblea Lusitano-Gallega (1ª: 1955: Braga) Madrid : Editora Nacional, 1967

O seu posicionamento político levou-no a militar, sem fazer demasiado ruído, nas forças progressistas contrárias ao Salazarismo. Assim, entre as suas obras, há um curioso Polonia heroica, poemário publicado em 1941 e traduzido ao espanhol por Enrique Romero Archidona. Em entrevista publicada em El Pueblo Gallego (5 de Março de 1957), Garibáldi afirmava que dita publicaçao constituyó un éxito, pero sentimos mucho miedo. -De Hitler? -Y de los muchos amigos que tenía entonces.

Os seus poemas tiveram acolhida na Galiza em jornais e revistas como Sonata ou Spes. O seu círculo de amizades mais íntimo estava no grupo de poetas vigueses, como os Álvarez Blázquez ou o próprio Celso Emílio. Entre esses elegidos estava o nosso Faustino Rei Romero, com quem vai colaborar nas páginas literárias dedicadas, nos jornais portugueses, à literatura galega.

Algumas semanas atrás, por sorte, abri um velho livro guardado no Fondo Local de Música do Concello de Rianxo e, entre as suas desarrumadas páginas, encontrei um pequeno recorte do jornal Faro de Vigo. Está datado em 22 de fevereiro de 1952. O breve, assinado por Faustino Rei Romero, vem ilustrado por uma fotografia de Artine, com o próprio Faustino e o Arturo Garibáldi como protagonistas.



Os dois amigos poetas teceram caminhos de ida e volta entre a Galiza e Portugal, e ambos lutaram, ao seu jeito, contra as ditaduras peninsulares. Obrigado.

 


Dedicatória autógrafa de Arturo Garibáldi no exemplar de À Cidade de Vigo da minha coleção.

segunda-feira, 13 de julho de 2020

nº 243 Uma carta de Faustino Rey Romero a Gabriela Mistral.


Já aconteceu comigo muitas vezes estar a procurar algo nalgum arquivo físico ou digital e por acaso topar-me com outra coisa absolutamente inesperada. Quando isso acontece, sempre fico um bocadinho amolado porque por uns dias aparto a minha vista do tema original, centrando-me no novo achado. Assim, há umas semanas acudi à biblioteca digital de Chile seguindo o rastro duma carta de Rubén Dario, mas sem saber muito bem como, fiquei prendido noutra que um aspirante a cura enviara em janeiro de 1947 à prémio Nobel (1945) Gabriela Mistral. O remitente era o nosso Faustino Rey Romero, na altura, também aspirante a poeta.

O contexto:

Em 1947, Faustino é um moço de 25 anos e todavia terá que aguardar até março do 48 para ser ordenado padre. Encontra-se, pois, no seminário de Tui e isso não lhe impede andar a voltas com a publicação do seu primeiro livro. Em realidade, o seu noviciado como poeta começou quando apenas contava 19 anos de idade, com um poema titulado Un día de difuntos. Infelizmente não encontrei dito poema, mas sim o seu primeiro texto em prosa, publicado no jornal El Compostelano o nove de maio de 1940 e titulado Con Flores a María. Este artigo é como uma declaração de intenções que parece obedecer a uma necessidade -quem sabe se própria ou motivada por pressões externas- de justificar-se. Assim, conta-nos no artigo que trás a leitura de Manecho o da rua de Lesta Meis -um dos volumes da coleção Lar com essas capas tão formosas desenhadas por Camilo Díaz,- ocorre-se-lhe pensar porque ele nao pode ser como o protagonista da novela que trás emigrar a Cuba "mas que al trabajo, dedica preferente atención a la literatura".
Assim, o jovem Faustino pergunta-se:

" ¿Por qué yo, como el héroe de la novela, no correspondía a mi vocación literaria? ¿Para qué leí lo más granado d enuestra literatura castellana y gallega? La abeja que pasa horas y horas zumbando en su cotidiana faena de recoger el dulce néctar de las florecillas silvestres, con algún fin lo hace. Sencillamente, para trasformar ese néctar en dulces panales de miel."

O texto resulta um bocadinho ingénuo, algo inteiramente normal se pensamos que se trata dum cativo de dezanove anos, mesmo sendo esquisito que um quase adolescente escreva, independentemente do contido, duma forma tão correta.
O remate do artigo precisaria duma análise profunda dos biógrafos e peritos em Rey Romero. Na minha opinião contem alguma mensagem para navegantes, quiçá para os seus superiores e sem dúvida, toda uma declaração de intenções.

"María, madre mía: Yo te pido protejas a España y a toda la humanidad, y a mi me lleves de la mano en mi peregrinación por este valle de lágrimas."

Estamos em 1940, recém rematada a guerra provocada pelo golpe militar e em plena repressão dos vencedores. Na maioria dos artigos feitos por católicos ortodoxos falam da Santa Cruzada, pedem a Maria, a Cristo ou ao Apóstolo que proteja aos salvadores da religião e da sua pátria. Faustino implora por Espanha e por toda a humanidade, sem distingos, sem plegrárias ás divindades que ajudaram e continuavam a ajudar com a aniquilação das hordas marxistas. Mas ao mesmo tempo aclara, quiçá aqui para calar alguma boca o eliminar suspeitas, que a sua pena nunca vai ser utilizada para escrever contra a religião da que em breve será um dos seus soldados:

"Te hago asimismo ofrenda de mi pluma al consagrarte mi primera publicación (a María), y hoy, oh madre mía, que antes de que escriba una sola línea contra la religión católica, apostólica y romana, a la que me honro en pertenecer, que se seque mi brazo derecho y el cerebro que dicte tamaños dislates."

E certamente, o Faustino Rey Romero, cura heterodoxo, poeta do divino e do profano e parrandeiro doutorado, jamais faltou à sua promessa.

Também neste 1940, ano fecundo nas primeiríssimas obras publicadas por Faustino, vai ver a luz os que acho são os seu primeiros versos em galego postos em letras de molde, caso de Un día de difuntos, poema que eu não pude ler, estar em castelhano. Titula-se Spes Nostra, Salve! [El Compostelano, 18/09/1940] e a interlocutora e, mais uma vez, Maria. O bom é que este poema, com um título tão apropriado para a pós-guerra que começa, está escrito em galego. O biógrafo de Faustino, X. Ricardo Losada, aponta que uma das possíveis causas de que o poeta de Isorna tivesse que deixar o Seminário de Ourense foi o seu comportamento revolucionário e citando a Víctor Campio acrescenta:

"Faustino non pasaba desapercibido [no seminario]. Facíalle poemas a calquera cousa que vise. E tiña a teima do galego." Ricardo Losada, X. Un evanxeo bufo. Galaxia. Vigo. 2015 p. 68

Antes da aparição de Florilógio poético em 1949, o espaço habitual onde publicava Faustino Rey Romero foi a revista Spes, revista apelidada Órgano de la Juventud Católica de Pontevedra. Em realidade, vai ser um habitual até o feche da mesma em 1962. Aqui aparecem como exclusiva muitos dos poemas que vão alimentar os seus livros e também algum inédito, que tal vez por isso, acho foi esquecido polos seus antólogos, como o titulado La lámpara del sagrario.
Spes foi, além disso, a editora do Florilogio, o primeiro poemário de D. Faustino.


O texto.

Em 1947, Faustino Rey Romero tem já em mente a edição dum livro de poemas, muitos deles, como já disse, publicados por separado na revista mensal Spes. Para apadrinhar a sua entrada na Arcádia mística dos poetas franciscanos, procura a aprovação de Rey Soto e de Gabriela Mistral. Para um seminarista galego, o consagrado Antonio Rey Soto, crego, poeta, bibliófilo... parece uma pessoa acessível. Segundo me informou Xesús Santos, mesmo Faustino pensara nele para acompanha-lo quando oficiasse a primeira missa. Finalmente, Rey Soto não apareceu nem polo livro nem pola igreja. O petitório a Gabriela Mistral semelha mais ousado e cheio de candidez. A uma mulher que acaba de receber o Nóbel, a carta do seminarista galego deveu-lhe de parecer adorável, mas também não temos notícias de que houvesse resposta.
Mas o Florilogio não saiu espido do prelo; Faustino teve que se conformar com o cura-poeta catalão Miguel Melendres Rué (1902-1974), pessoa muito afastada dele no plano ideológico e até diria que no humano, polo que tal vez fosse uma escolha da revista Spes.
Cabe dizer que esta vocação epistolar do poeta de Isorna para procurar padrinhos literários deveu de ser praticada com certa assiduidade como demonstra os elogios de Juana de Ibarbourou publicados junto aos poemas Gabanza do burriño, O feno e Os Emigrantes na própria revista Spes:

"En la obra poética de Faustino Rey Romero, todo es rico, límpido, puro, poesía, agua de manantial." Juana de Ibarbourou, Spes: revista mensual, Janeiro de 1951.

O texto da carta dá alguns dados de interesse para os historiadores de Rey Romero. Em primeiro lugar, o poeta conta-lhe a Gabriela Mistral o seu projeto de publicar o Florilogio entre julho e agosto do 47, mas isto não se produz até o 49, quando D. Faustino fora já ordenado sacerdote. Também sabemos pola carta que o primeiro título que manejou foi o de Florilegio devoto, e não Florilegio poético como acabou sendo. Isto pode não carecer de importância. Um florilegio é uma seleção de textos, algo assim como uma antologia, e o adjetivo que acompanha ao nome vem a aclarar a matéria da que trata a coleção. Devoto parecia fazer referência a uma coletânea íntima, pensamentos escolheitos dum crente em diálogo permanente com seus deuses lares: São Francisco, a Virgem, Cristo, A Natureza... Poético resta protagonismo ao íntimo e qualifica a uma coletânea de poemas tirado dum conjunto maior, quiçá na ideia da editora Spes de incluir só aqueles que foram publicados com anterioridade na sua revista.

Finalmente.

Para os faustinianos, entre os que me encontro, qualquer dado que apareça sobre a vida e milagres do poeta de Isorna é sempre uma alegria e uma porta aberta a novas investigações e achados. Existem magníficos trabalhos como os de Xesús Santos, Carmen García ou X. Ricardo Losada, mas parte da sua produção está ainda por inventariar e estudar. Nada sei da sua correspondência particular, se existe ou foi destruída ou dispersada. Nessas cartas ficariam refletidas muitas coitas e lutas íntimas, mas também a construção duma geração poética magnífica que brandiu suas armas poéticas contra um Estado escuro e repressor.
Também, e este é um desejo pessoal que deito aqui e aguardo recolham futuros estudos sobre Rey Romero, fica por colecionar os seus artigos na imprensa. D. Faustino foi um grande publicista, como o qualificavam na altura, e a sua presença nos jornais da pós-guerra até a sua morte em Argentina são constantes e fundamentais para conhecer a personagem na sua totalidade. Veremos.

                                
Rey Romero, Faustino. [Carta] 1947 ene. 5, España [a] Gabriela Mistral  [manuscrito] Faustino Rey Romero. Archivo del Escritor. . Disponible en Biblioteca Nacional Digital de Chile http://www.bibliotecanacionaldigital.gob.cl/bnd/623/w3-article-136441.html . Accedido en 11/7/2020.

domingo, 11 de fevereiro de 2018

nº 216 Faustino Rei Romero no Castelo de Sobroso


Foi na sede da Academia Galega da Língua na Corunha que por vez primeira, o meu grande amigo Alejo Amoedo, mostrou-me este extraordinário documento. Ele era consciente do importante que para mim é Faustino Rei Romero, ao que li e cantei com admiração e respeito pela sua singular existência. 
Padre durante o franquismo, Faustino teve de combinar o peso da sotana com a sua militância galeguista e o seu compromisso cristiano-social. Foi dionisíaco, mais que apolíneo, hedonista, antes que estoico, e ai reside, para mim, o seu grande valor: amar a vida presente. 
A película pertenceu ao fundo documental do Castelo de Sobroso e do seu proprietário e restaurador Alejo Carrera Muñoz, sendo resgatado dum antiquário pelo pianista e colecionista Alejo Amoedo, quem o mandou digitalizar para a sua exibição pública. A ele devemos e agradecemos poder ver estas imagens na atualidade.
Entre as pessoas que aparecem na película distinguimos a Alejo Carrera Muñoz (1893-1967) vestido com o uniforme da Ordem de Santiago e a Espada, da que era oficial, a Celso Emilio Ferreiro e a Faustino Rei Romero. Com certeza, entre os restantes atores da curta, há pessoalidades da nossa cultura ainda por identificar que com o tempo e a colaboração dos usuários da rede iram tendo nome e apelidos. 

Ficha técnica:

Faustino Rei Romero no Castelo de Sobroso.
Todas as imagens são do arquivo particular de Alejo Amoedo.
Data da gravação da película: ca. 1957
Música original: Ondas do mar de Isorna.
Autor e intérprete: José Luís do Pico Orjais.
Técnico de som: José Lara Gruñeiro.
Produção: –Abuim Road– Abuim, Rianxo.


terça-feira, 25 de junho de 2013

nº 168 Um novo livro sobre Faustino Rey Romero.

A sexta, 21 de junho, esteve na presentação do livro Faustino Rey Romero. Obra poética e teolóxica, do professor X. Ricardo Losada. Foi um ato bem produtivo que me permitiu apreender e desaprender alguma coisa, algo habitual quando quem fala é pessoal de superior inteligência. Escutar ao tandem Jesus Santos-X. Ricardo Losada animou-me a arrombar ideias que tinha desordenadas no meu magim e que só agora é que me atrevo a pôr por escrito.

Santos vs Losada

No discurso de ambos os dois biógrafos aprecia-se a importância do matiz. É evidente que Santos fala de Rey Romero desde o espaço emocional, do amigo e camarada galeguista na luta antifranquista.
Losada fá-lo, porém, desde o estranhamento metodológico, desde a distância sempre perseguida  pelo investigador mas quase nunca acadada. Gostei da valentia de Xosé Ricardo para se enfrentar a um personagem, nas suas palavras, com luzes e sombras, que é tanto como dizer dele que foi um homem que viveu. Sei por própria experiência que quando se trata com parentes e amigos da personagem biografiada é muito habitual ficar cativo do contexto, temeroso de incomodar aos que foram os nossos principais informantes. Losada fez um alegado da sua independência e do seu subjetivismo, as maiores virtudes que eu reconheço num bom biógrafo.

As minhas anedotas


Eu, obviamente, não conheci a D. Faustino. Na sua morte tinha três aninhos e nada fazia presagiar que um dia teria uma filha rianjeira. Mas, contudo, também posso contar um par de anedotas sobre o crego-poeta, uma minha e outra de recolecção.

Uma idosa dirigente da Falange rianjeira contou-me, com um gravador de por meio, que nos anos centrais da ditadura foi falar com Rey Romero para lhe pedir oficiara uma missa im memoriam de Primo de Rivera. Intuo que a Sra. fixo o pedido para provocar ao crego-poeta, mas, repito, só intuo. Faustino negou-se rotundamente o que motivou o protesto da dirigente da Sección Femenina que exclamou:

- Como le niega una misa a un cristiano!?

A resposta do padre de Isorna foi que sobravam cregos em Rianjo para missar nesse funeral.

A segunda anedota tem a ver com um artigo que publiquei na revista das festas da Guadalupe. O texto versa sobre um poema faustiniano chamado Canta, passarinho canta. Resulta que há três versões musicadas deste poema da autoria dos maestros Frederico de Freitas, Rogélio Groba e Manuel Vicente "Chapi".
O artigo está ilustrado com um desenho meu representando a um merlo, o pássaro fetiche de Rey Romero.
Um meio-dia, sentei fronte ao computador da biblioteca da minha escola, chamada, para mais aquele, Xosé María Brea Segade. Estava a aproveitar um intervalo sem alunado para fazer as últimas correções do meu artigo quando de súpeto, entre os andeis que custodiam os livros, senti um ligeiro ruidinho que imediatamente associei a um rato de biblioteca, desta vez sem qualquer sentido figurado ou metafórico.
Dada a minha incontrolável musofóbia ergui-me dum pulo e sai correndo cara a porta.
Pois bem, e por incrível que pareça, nesse breve espaço entre a messa do corredor e a saída da biblioteca houve um instantinho em que os meus olhos e o do intruso se cruzaram e soube que podia estar tranquilo; o som que ouvira não fora provocado por nenhum roedor.
Sobre um estante baixo na que temos colocada a banda desenhada estava pousado, observando-me, um merlo. O seu pico laranja apontava-me como a batuta dum diretor de orquestra ou o condão dum mago que com um suave aceno congelara meu movimento. Com a ajuda do zelador logramos liberar ao merlinho que fugiu do cárcere de livros por uma janela aberta ao pátio.
Aos poetas da geração de Rey Romero, dos Álvarez Blázquez, de Baldomero Isorna... chamava-lhes Guerra da Cal os poetas ornitólogos.
Juro por Deus que sou ateu, mas de não sê-lo, pensaria que aquele merlinho aventureiro alojava o espírito de D. Faustino. Que coisas passam!
Ilustração para o livro das Festas da Guadalupe

Outras postagens sobre Faustino Rey Romero:

132
133

Artigo do livro das Festas da Guadalupe:

premer aqui

segunda-feira, 16 de abril de 2012

nº 133 Faustino Rey Romero e os Poetas dos Melros.


Abstract:
Breve relato sobre curiosos encadeamentos históricos que nos levam a crer na existência na Galiza duma geração poética à que poderíamos chamar Ornitólogos sentimentais, ou melhor dizendo, Os poetas dos melros e a sua relação com o Festival de la Canción Gallega de Ponte Vedra.

Eu quisera ser melrinho
e ter o bico encarnado,
para fazer o meu ninho
no teu cabelo doirado.
Quadra Popular.

Tragédia com três personagens

«Amor!» «Amor!»
-assobiava o Melro
Seu assobio
tinha algo quente
que dava frio

«Amor!» «Amor!»
- A Rosa, indiferente
não respondia

«Amor!» «Amor!»
- A Lua filosófica
sorria

«Amor!» «Amor!»
-assobiava o Melro

-A Rosa, cruelmente
não respondia

Enlouquecido
o pobre Melro
botou-se ao rio

De indiferente
a Rosa
passou a presumida

-A Lua
por ser tarde
deitar-se
ia

Ernesto Guerra da Cal Lua de Alem-mar 1959

Este formoso poema de Ernesto Guerra da Cal, dedicado a Fermín Bouza Brey, pertence ao livro Lua de Alem-mar e leva por subtítulo «para ornitólogos sentimentais». Na fina ironia do escritor ferrolano parece esconder-se uma alusão a toda uma geração de poetas herdeiros da poesia de Amado Carvalho e que, por diversos motivos, vão ser protagonistas dum evento pouco ou nada estudado até o momento: o Festival de la Canción Gallega de Ponte Vedra. Este festival celebrou-se entre os anos 1960 e 1967, sendo promotores Antonio Fernández Cid, crítico musical, e Xosé Filgueira Valverde, presidente na altura da câmara pontevedresa.
A mecânica do evento consistia em que compositores espanhóis e portugueses de grande sucesso musicavam um poema dalgum autor galego. Paralelamente, havia um concurso de composição do que saíam partituras premiadas. Durante uns dias, sempre nas datas próximas à festividade de São Bento, pronunciavam-se conferências-concerto, na que se interpretavam as obras encomendadas, as do concurso e outras de carácter histórico como ilustração às palestras.
Ernesto Guerra da Cal foi o autor dalgum desses poemas musicados, sendo a sua participação estudada por mim, em parceria com Isabel Rei e Joám Trillo, em dois trabalhos que sairão do prelo em breve. Mas além do poeta ferrolano, houve outros coetâneos que também participaram com seus versos no festival e aos que poderíamos chamar os Poetas dos Melros, dado que todos eles foram rapsodas deste passarinho de plumagem escura e bico amarelo.
Comecemos pelo próprio Guerra da Cal. O poema acima transcrito e titulado “Tragédia com três personagens” está incluído num grupo de seis poemas cujo título genérico é Cançonetas do Amor em Clave de Lua. Este pequeno conjunto tem muitas das características que Méndez Ferrín atribui à por ele chamada geração do 1936, como o neotrovadorismo, influência de Bouza Brey, ou o hilozoísmo/imaginismo, de Amado Carballo. Tanto Bouza Brey como Amado Carballo foram distintos Ornitólogos Sentimentais, sobrevoando o seu parnaso particular lavandeiras, rouxinóis, pintassilgos e, como não, algum melrinho.

«Fugiram as badaladas
ao acordar a manhã,
entre xílgaros e melros
pelo mato a rebuldar.»

Amado Carballo “Romage” Proel 1927

«Que não fujam os melros que fazem o ninho
no mais mesto curruncho dos teus verdores:
esgarçar-te-ei as polas muito amodinho
p[a]ra fazer um feitiço p[a]ros meus amores»

F. Bouza Brey Nós nº 12, 1922

«Todo o que é lírio, todo o que é melro
esfolar-se-á pelos campos galegos!»

F. Bouza Brey Nau Senlheira 1933

Ambos os dois poetas, Bouza Brey e Amado Carballo, foram musicados pelos compositores do Festival de la Canción Gallega, nomeadamente este último, cujo poema Ponte Vedra tornou-se num autêntico standard. 
Porém, os mais significados melristas pertencem à geração do 36, nascidos por volta do 1910. 
De entre todos eles, Xosé Mª Álvarez Blázquez teve um especial protagonismo no Festival, sendo um palestrante fixo das conferências-concerto. Os seus relatórios versaram sobre temas muito diversos, como as cantigas medievais ou os cantos de natal, estando sempre acompanhados de exemplos musicais. Também considero que deve atribuir-se lhe ser o primeiro em pôr o foco sobre o humilde melro, humanizando-o e vestindo-o com toda a sua roupagem simbólica:

O melro poeta

Da gorja algareira
do melro lançal
fugiam as horas
colhidas das mãos.

Co[m ]as suas moinheiras
e os seus alalás
a todas as melras
ia namorar.

Na pola mais alta
do meu salgueiral
morreu o poeta:
no papo, nem grão!

Ponte Vedra, 7-VI-1932

Ainda maior presença tem o melro na obra de Emilio Álvarez Blázquez, irmão de Xosé Maria e que também estivo muito envolvido na história pública e privada do Festival de la Canción. Ele escreveu coisas tão formosas como estas:

Cantaram os melros
e haverá um arzinho
entre os amieiros.

Emilio Álvarz Blázquez “Bico” Poemas de ti e de mim 1949

Meu reino não é desta árvore,
disse o melro, e pus em cruz
as asas sobre a paisagem...

Emilio Álvarez Blázquez O tempo desancorado 1988

Contudo, o poeta mais devoto dos melros é o Rianjeiro Faustino Rey Romero, o qual mesmo escreveu uma monografia poética sobre este passarinho, Escolania de Melros. O livro consta de vinte sonetos cujo protagonista é sempre a ave de pena negra.

O Melro

Prestidigitador de melodias,
que, sem cânon saber nem seguir pauta,
cantando a reo, nunca te extravias
no ar do rimo, voadora flauta.

Diz, que arame subtil é esse em que enfias
como doas de ouro a nota exata?
De que mestre aprendes-te a que assobias,
melodia lançal, música intacta?

Foste anjo de Deus? Pude ser isso!
Ou pássaro cantor no Paraíso,
onde a dita perfeita o Senhor forja?

Anjo foras, se, em vez de negra pluma,
asas brancas tiveras como a espuma,
pois é de anjo canora a tua gorja.

Faustino Rey Romero Escolania de melros 1959

Resulta evidente a influência de O melro poeta de Xosé Maria Álvarez Blázquez neste soneto do padre nado em Isorna. Mesmo palavras como lançal ou gorja, poderiam ser os restos fósseis que demonstrem tal genealogia.

Desconheço a relação certa entre Faustino Rey Romero e Xosé Maria Álvarez Blázquez, nem sei se esta foi estudada a dia de hoje por algum dos biógrafos de ambos escritores, mas cabe supor que esta existiu e foi intensa. Uma das razões que me levam a pensar assim tem a ver com os próprios biodados do escritor rianjeiro. 
Faustino Rey Romero nasceu o 27 de outubro de 1924, pelo que por idade está algo mais próximo a Emilio Álvarez Blázquez, nado no 1919, que a Xosé María, do 1915. Depois de estudar no convento de Herbão, o seminário de Madrid e o de Ourense, ordena-se padre no de Tui em 1948. Desde esse mesmo momento a sua vida passa a se desenvolver por terras do sul da Galiza, como as freguesias de Cela (Mos), Barcala (Arbo), Tameiga (Mos), A Guia (Tui), São João de Amorim... Vários dos seus livros Doas de vidro 1951 e Quatro sonetos ao destino duma rosa, 1952, foram editados na imprensa Tip. Rexional de Tui.
Uma relação tão intensa dum poeta com a cidade de Tui não deveu ser ignorada por dois dos bates tudenses mais insignes, Xosé Maria e Emilio Álvarez Blázquez.
Algum poema de Rey Romero também foi musicado no Festival de la Canción. Eu tenho localizados duas partituras, uma do compositor português Frederico de Freitas e outra do galego Groba.
A de Frederico de Freitas faz parte dum álbum titulado 10 canções galegas, do que já falei na postagem anterior. A inclusão dum poema do Rey Romero de lado de outros de Amado Carballo, Bouza Brey, Xosé Maria Álvarez Blázquez e do seu irmão Emilio põe um trilho musical inigualável a geração dos ornitólogos sentimentais.  

Por último e como colofão a esta postagem, mais uma cadeia de casualidades melricas. Faustino Rey Romero tem um soneto titulado:

O melro que lhe cantou a eternidade a São Ero de Armenteira.

Por acalmar uma amorosa queixa,
por adoçar de fera ausência o agre,
apreixaste o tempo na madeixa
do teu canto uma noite de milagre.

Não renderam três séculos um segundo.
Tao prodigioso foi teu rechouchio,
que às ditosas estâncias do trasmundo
daquele Santo subiste o alvedrio.

Foste em comparação como a escada
que véu Jacob unindo terra e céu,
mas, em vez de anjos, de música baixada.

Tu semeavas eternal semente,
e o Santo estava de si mesmo alheio,
enquanto cantavas milagrosamente.

O logótipo do Festival de la Canción Gallega foi feito por Agustín Portela Paz, ilustrador do Museu de Ponte Vedra e pai do famoso arquiteto César Portela e nele pode ver-se ao Santo Ero de lado do pássaro cantor.



Este mesmo desenhador fez as capas do livro de Xosé Maria e Emilio Álvarez Blázquez Poemas de ti e de mim, 1949, da Editorial Benito Soto. Por sua vez, Emilio, também fez um poeminha sobre o santo durmichão da Armenteira.

Santo Ero

Louvado seja o Santo
que está no Paraíso
e não queria tanto.

Louvada seja a hora
de Armenteira, que foi
trezentos anos glória.

Louvado o passarinho,
de quem ninguém se lembra
e está no Paraíso....

Emilio Álvarez Blázquez “Tríade de Três Santos” Lar 1953

Por certo, na revista Lar, do Hospital Galego de Bos Aires, também publicou Faustino Rey Romero em 1952 os seus Quatro sonetos ao destino duma rosa.

Enfim...

Orjais ©

quinta-feira, 8 de março de 2012

nº 132 Faustino Rei Romero musicado por Frederico de Freitas.


Ás 8 horas do 12 de julho de 1966, no Salão Nobre do Palácio da Deputação de Ponte Vedra, celebrava-se a jornada de estreias do VII Festival de la Canción Gallega. No piano, acompanhando à soprano Dolores Pérez, o grande Miguel Zanetti dava começo ao programa com as primeiras notas das Dez canções galegas.
Este conjunto de cantigas compostas pelo maestro lisboeta Frederico de Freitas  (1902 - 1980), são dez poemas musicados cujos versos pertencem à pena de Fermín Bouza Brei, Emílio e X. Mª Álvarez Blázquez, Luís Amado Carballo, María del Carmen Kruckenberg, Ramón Vidal, Ramón Cabanillas e o nosso Faustino Rei Romero.
Não espanta a participação do padre de Isorna neste agrupamento poético por quanto é bem conhecida a sua amizade com os Álvarez Blázquez ou o Bouza Brei. O verdadeiramente interessante é que um poeta relativamente pouco conhecido, como Rei Romero, passe a fazer parte da obra musical dum dos grandes compositores de Portugal.
A dia de hoje, não posso dizer certo quem fez a coletânea poética com a que trabalhou o Frederico de Freitas, mas é muito provável que fora iniciativa de Emílio ou Xosé María Álvarez Blázquez.
O caso é que depois de muita busca, dei com a partitura Canta, paxarinho, canta, que faz a número cinco das Dez canções galegas, letra de Faustino Rei Romero e música de Frederico de Freitas.
Celso Álvarez Cáccamo, filho do poeta a quem se lhe dedicou no 2008 o Dia das Letras Galegas, definiu um dos meus artigos como um trabalho detectitexto. Pois, certamente, parece-me uma grande definição para o que fago, já que às vezes quase exerço de investigador privado.
Todas as gestões feitas na Galiza para encontrar as Dez canções galegas tiveram um escasso sucesso. Então, dirigi o meu esforço cara Portugal, e concretamente ao Centro de Investigação e Informação da Música Portuguesa. Esta entidade, que não tinha cópia da obra solicitada, encaminhou-me até a Dr.ª Helena Marinho, grande pianista portuguesa e conhecedora da obra do Freitas. Ela sim sabia da existência das peças requeridas e da sua localização, junto com o resto do espolio do maestro, na Biblioteca da Universidade de Aveiro.
A Diretora dos Serviços de Biblioteca, Informação Documental e Museologia desta Universidade, Dr.ª Ana Bela Martins e a sua colaboradora Dr.ª Patricia Silva, fizeram as gestões precisas para que o escaneado das Dez Canções Galegas, e entre elas a do Faustino Rei Romero, chegaram a mim. Para elas três o meu agradecimento.
Eis a primeira página de Canta, paxariño, canta:



Expólio do Compositor Frederico de Freitas
Universidade de Aveiro


Albergo esperanças de que para maio podamos escutar esta peça em Rianjo, mas isto é coisa que já contarei outro dia.

O Faustino Rei Romero é para mim uma grande caixa de surpresas que sempre me colhe desprevenido, ele aparece onde menos se lhe espera. 
No número 3 da revista do padroado da cultura galega de México Vieiros, há um poema titulado O nome acadado dos nomes. Está assinado pelo Nobel Juan Ramón Jiménez. Nada teria de especial este poema se não fora porque ao pé do nome do autor podemos ler: «Versión galega de Faustino Rey Romero, Presbítero. Madrí, 1965»


Nº 3 Revista Vieiros
Outono 1965

Aproveito a ocasião para recomendar vivamente a leitura desta revista feita por Luis Soto, Carlos Velo e Fernando Delgado Gurriagarán. Os textos são magníficos, mas ainda melhor é a maquetagem e as ilustrações.

Memoria de Catoira 
Concello de Catoira 2011

Termino com uma foto do Padre rianjeiro na companha de Baldomero Isorna (?). Que grandes!!!