Mostrar mensagens com a etiqueta Filgueira Valverde. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Filgueira Valverde. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 29 de julho de 2019

nº 235 Os Cantores del Instituto e a receção da obra de Lopes-Graça na Galiza. II


Em 1958, os cantores do instituto deram começo a uma série de concertos anuais que tinham lugar no convento de Santa Clara, justo ao remate das celebrações do natal, baixo o titulo genérico de La Despedida del Villancico. Durante toda a década dos 60, quando menos até 1970, entre as numerosas peças interpretadas pelos coristas encontrava-se Eu hei de dar ao menino de Fernando Lopes Graças.
Podemos dar-nos uma ideia do repertório habitual dum concerto de La Despedida lendo o que aparece publicado no seguinte artigo de El Pueblo gallego.

El Pueblo gallego. Ano XXXVII nº 12222 1961 janeiro 7

Pela circunstância que acabo de relatar, cada sete ou oito de janeiro –e durante mais duma década– uma peça do mestre de Tomar era interpretada na cidade de Pontevedra. Considero que isto é algo a valorizar na sua justa medida, sendo conhecedores do receio com que a sua obra era olhada  na península por causas totalmente extramusicais.
Nos mesmos concertos era habitual a presença doutro autor português, Mário de Sampayo Ribeiro (1898-1966), compositor e pedagogo musical, um dos ideólogos do reportório das Mocidades Portuguesas. Sampayo Ribeiro e o seu programa pedagógico de intervenção musical nos escolares sintoniza à perfeição com o impulso que levou a criação dos Cantores del Instituto. Além disso, o mestre teve a oportunidade de transmitir na Galiza as suas ideias musicais através dos diferentes concertos que vai protagonizar:

24 de abril de 1949, coro Polyphonia, lugar: Catedral de Santiago de Compostela.

5 de agosto de 1952, Coro do Centro Universitário de Lisboa, lugar: Salão artesoado de Fonseca. Santiago de Compostela.

6 de agosto de 1952, Coro do Centro Universitário de Lisboa, lugar: Igreja de Santa Maria, Ponte Vedra. [Os concertos de 1952 foram por conta do Centro Universitário das Mocedades Portuguesas]

20 de agosto de 1957, Coro do Centro Universitário de Lisboa, lugar: Praça da Ferraria, Ponte Vedra. [As crónicas dos jornais recolhem o seguinte comentário: «[...]la primera fue iniciada por una canción popular francesa y continuada con música de Franz Gruber, Joaquim Casimiro, Sampayo Ribeiro, Bach y Weber, con predominio del tipo religioso. La segunda parte, la integraba una serie de canciones lusas». À vista deste repertório e da essência escolástica do coro estamos ante um possível modelo para Los cantores?]

Em geral, o repertório dos Cantores combina a música antiga com o folclore galego, espanhol e até mundial, como na série de cantos de natal. Outra das suas características seria o importante peso que tem o elemento religioso, não só na escolha do reportório, senão na participação ativa em atos da liturgia católica, nomeadamente na Páscoa e no Natal. O primeiro diretor dos Cantores, Agustín Isorna Rios (1914-1966), pessoa de grande erudição, formou-se musicalmente entre os mercedários do convento de Poio, abandonando os hábitos para chegar a ser oficial do exército trás o levantamento militar do 36. Ele é quem coloca os alicerces ideo-musicais do coro do Instituto, quem põe os seus conhecimentos paleográficos ao serviço dum repertório onde as cantigas medievais ou a obra do seu amado Tomás Luís de Victoria marcaram presença continuada.

Mas neste ambiente conservador e tradicionalista que pinta a figura de Lopes Graça? Pois contra todo prognóstico, muito.

O primeiro que haveria que dizer é que o génio de Lopes Graça estava fora de toda dúvida. Na imprensa galega apenas há crítica musical ao repertório de Los Cantores, só reflexões gerais sobre a interpretação e afinação das vozes. Mas, às vezes, e lendo entre linhas, podemos tirar alguma reflexão de como se recebia a obra do mestre de Tomar em comparação, por exemplo, com a de Sampayo. Assim, depois da conferência-concerto dada por Filgueira Valverde no Hostal dos Reis Católicos lemos num jornal compostelano: «[…] y un “scalanto” navideño de López Graca (sic), uno de los músicos de mayor calidad del Portugal actual». «[…] en dos versiones portuguesas del maestro Sampayo Ribeiro, tan querido de Galicia». La noche: 19/XII/1957, ano XXXVII, nº 11467
Noutro lugar, o crítico de El pueblo gallego, Justo Calderón dizia: «Para nuestro gusto, marcaron los puntos límite de excelencia e inferioridad en un recital (repetimos) de constante nivel superior, los dos villancicos portugueses (delicioso el de Lopes Graça; dentro de linea más conservadora si exquisitamente sutil el de Sampaio Ribeiro), mirando hacia arriba y, mirando hacia abajo, la balada del catalán Millet, “El cant des aucells”, no por deficiencia de interpretación (verdaderamente loable) si no por menor adaptación al la línea general de la velada». 10/I/1961, Ano XXXVII, nº 12224. Há que lembrar que na altura El Canta dels ocells era um símbolo do republicanismo e do catalanismo no violoncelo de Pau Casals.

Mas, na lista de fãs incondicionais de Lopes Graça temos que situar em primeiro lugar ao bibliófilo e crítico musical Antonio Odriozola (1911-1987). Nos fundos do Museo de Pontevedra encontramos um documento mecanografado datado em 8 de dezembro de 1955 que testemunha claramente isto que acabo de dizer. Trata-se duma carta de Odriozola ao diretor de La Noche, Raimundo García Domínguez (1916-2003), conhecido como Borobó, no que lhe pede que inclua no jornal que dirige um artigo seu sobre Lopes Graça. Em resumo, o texto vem a elogiar o concerto dado em Ponte Vedra pelo Coro de Cámara de Pamplona, e com especial ênfase a peça Encomendação das almas.

«Lopes Graça sabe bien –como Bartok, Strawinsky o Falla– que el folklore puede ser objeto de las más artísticas elaboraciones con tal que el resultado final sea fiel a la esencia de la inspiración popular. Y lo sabe bien porque –como lo fue Bartok– es a la vez un gran compositor y un riguroso y científico recolector de las canciones populares portuguesas y autor de un libro sobre ellas. Por ello, la Encomendação das almas que escuchamos a la Coral de Cámara de Pamplona era una obra lograda y una pieza impresionante que no era posible escuchar con indiferencia sino en plena y emocionante tensión.
En 1951 publicaba Lopes Graça Sete Encomendações das almas para coro mixto a cappella, a las que pertenece la escuchada estos días a los navarros. No está ahora a mi alcance esa partitura ni el Cancioneiro Minhoto de Gonzalo Sampaio para comprobar si las melodías recogidas por este son la base de la obra de Lopes Graça, ni esa comprobación tiene la menor importancia. Lo que sí la tiene, es registrar el extraordinario logro artístico obtenido por el compositor. Aquella inolvidable voz de contralto y las conmovedoras entonaciones del coro, raspaban o sacudían el alma, evocando la impresionante ceremonia nocturna y haciendo acudir las lágrimas a los ojos. Puede estar bien satisfecho Lopes Graça de haber creado una obra genial y de que los navarros la interpreten con sinsuperable maestría.
Estas Encomendações das almas suelen cantarse en el Norte de Portugal, en las noches de Cuaresma, en los cruceros de los caminos que tienen su retablo de las ánimas, como muchos curceros gallegos. (Recuerdese el de la Ramallosa que cierra el libro Rías Bajas de Galicia de Castroviejo). Allí se difunden en el aire nocturno estas Encomendações de conmovedora belleza y con el texto de una de ellas cierro el artículo:

Alerta, alerta,
a vida é curta, a morte é certa!
Os irmãos meus, filhos de María,
pelas almas do Purgatório,
un Padre-Nosso,
uma Ave-Maria!.»

Como curiosidade, Antonio Odriozola faz uns rascunhos das fotografias que quer inserir no corpo do texto, entre as quais, uma muito simpática de Lopes Graça:

Fundo: Antonio Odriozola.
Museo de Pontevedra.

Odriozola e Lopes Graça já se tratavam com anterioridade a este artigo –que segundo creio jamais chegou a ser publicado– já que na dedicatória de Bela Bartok: três apontamento sobre a sua personalidade e a sua obra podemos ler: «Para D. Antonio Odriozola muito cordialmente. Fernando Lopes Graça. Lisboa. Maio, 1954». Fundos do Museo de Pontevedra.

Com tudo, o documento mais interessante, na minha opinião, com o que nos encontramos no Museo de Pontevedra do fundo de Iglesias Vilarelle, compositor e diretor da Coral Polifónica da cidade do Teucroreside numa partitura, as Três líricas castelhanas de Camões, para coro mixto “a cappella”. Esta obra aparece no catálogo do espólio musical com o número LG 25. Segundo o mesmo catálogo foi composta em Lisboa 1954/55 e a sua primeira audição teve lugar o 20 de abril de 1966 pelo coro Gulbenkian. Mas na capa do exemplar do Museo de Pontevedra aparece uma dedicatória: “À Coral Polifónica de Pontevedra. Fernando Lopes Graça”. No contexto de todos os dados achegados neste artigo e no anteriormente publicado no meu blogue, resulta verosímil a hipótese de que as Três líricas castelhanas fossem compostas para ser estreadas pela Polifónica de Pontevedra. Infelizmente, não posso demonstrar que esta estreia tivesse lugar na Galiza antes do 1966, data que aparece no catálogo. O que sim posso é fazer umas pequenas reflexões a respeito.

De Iglesias Vilarelle e a sua relação com Portugal já tenho falado noutras ocasiões, a propósito desse acontecimento histórico como foi a interpretação em 1939 do seu Chucurruchú pela orquestra de câmara da Emissora Nacional, baixo a batuta de Frederico de Freitas. Em qualquer momento desses frequentes encontros luso-galaicos em congressos, convívios, homenagens... Vilarelle pode saber de Lopes Graça, conhecer-se ou, simplesmente, chegar a um acordo puramente profissional. Porem, o fato de serem textos de Camões faz-me pensar, mais uma vez, no factótum de tudo quanto acontece na velha vila, D. José Filgueira Valverde. 

Filgueira Valverde, como Antonio Fernandez-Cid, acostumavam a ilustrar as suas conferências com intervenções musicais. Estas podiam ser de piano solo, piano e voz ou corais, segundo as necessidades ou a disponibilidade dos músicos. Nos anos cinquenta, Filgueira começa a dar palestras em torno a figura duma das suas personagens favoritas: Luís Vaz de Camões. Para entender melhor o fenómeno permitam-me fazer uma pequena cronologia filgueira-camoniana:

–Em 19 de julho de 1952, nos Cursos de Verão da Residencia "La Estila" o título do seu discurso foi El legado de Camões. 

–No 54, quando Lopes Graça começava a escrever as Três líricas castelhanas, Filgueira participava nas Jornadas de literatura, na Corunha, em 21 de julho, com a palestra Camoens, clásico español. 

–Anos mais tarde, no 58, todas estes relatórios farão parte do volume da editorial Labor, Camões, na que o diretor do Museo de Pontevedra, confesso iberista, defende a espanholismo do autor das Lusíadas.

«Pero ni la oriundez gallega, ni el bilingüísmo, ni siquiera el que se hubiese definido él mismo como "hespanhol"... bastarían para clasificarlo entre nuestros clásicos. La razón es muco más honda. Camoens constituye un eslabón en la áurea cadena de la lírica peninsular, cuyo estudio no es posible fragmentar, y, sobre todo, es quien lleva a su culminación la épica. Os lusiadas, como dijo Ramiro de Maeztu, son nuestra epopeya, y "en ellos se halla la expresión cunjunta del genio hispánico en su momento de esplendor... Donde acaban los Lusiadas comienza el Quijote». Camoens, Editorial Labor, S.A., Barcelona. p. 9

Curiosamente, vinte e tantos anos antes, exatamente em 1930, Lopes Graça reflexionava em paralelo sobre o Quixote e Os Lusíadas, fazendo, ao mesmo tempo, "amigos" na intelligentsia do Estado Novo:

«Como Zozaya [que falava do inoportuno de ler o Quixote no ensino primário], nos exclamamos –Os Lusíadas não são leituras para crianças nem para adolescentes... Na escola não se fazem mister nem Vasco de Gama nem Júpiter tonante. Forme-se  primeiro o homem, depois o patriota». Disto e daquilo. Edições Cosmos, Lisboa. p. 143

Por último, as três peças musicadas por Lopes Graça são particularmente estudadas por Filgueira no seu livro Camoens, capítulo XII, pp. 409 e seguintes,  titulado "Camoens, clásico castellano", idêntico cabeçalho que a palestra dada no colégio da Estila em 1954.

Na página 415 podemos ler:

«Excepto uno, atribuído a Boscán, los "motes" escogidos por Camoens son anónimos y proceden de villancicos populares o de villanescas cultas. Estos "motes" de las letrillas castellanas son los siguientes:

Ojos, herido me habéis,
acabad ya de matarme;
mas, muerto, volved a mirarme
por que me resucitéis.

¿Qué veré que me contente?

¿Para qué me dan tormento,
aprovechando tan poco?
Perdido, mas no tan loco
quesescubra lo que siento.
(Con indicación de "Alheio")

De vuestros ojos centellas
que encienden pechos de hielo,
suben por el aire al cielo,
y, en llegando, son estrellas.
("Alheio")

Todo es poco lo posible
("Alheio")

Vos tenéis mi corazón.
("Alheio")

De dentro tengo mi mal
que de fuera no hay señal.
("Alheio")

Amor loco, amor loco
yo por vos, y vos por otro.
("Alheio")

Justa fue mi perdición,
de mis males soy contento;
ya no espero galardón,
pues vuestro merecimiento
satisfizo a mi pasión,
("Trova de Boscán")

Irme quiero, madre,
a aquella galera,
con el marinero,
a ser marinera.

¿Do la mi ventura,
que no veo alguna?

–¿Por qué no miras, Giraldo,
mi zampoña como suena?
–Porque no me mira Elena.
(Villancete Pastoril)» pp. 415-416

[O negrito é meu e indica na sequência de versos os títulos das Três líricas castelhanas de Camões.]

A vista do texto de Filgueira ficam claras duas coisas. Em primeiro lugar as canções não são da autoria de Camões, senão populares, a exceção da de Boscán, e em todo caso recolhidas por ele. E, em segundo lugar, não me cabe muita dúvida de que Lopes Graça conhecia o texto de Filgueira sobre Camões, obviamente na versão da palestra dada na Estila.

Resumindo

Estou na certeza de que existe uma relação íntima entre a Polifónica de Pontevedra, os Cantores do Instituto, Filgueira Valverde e a criação em 1954/55 de Três líricas castelhanas de Camões do compositor português Fernando Lopes Graça. A dedicatória na capa da partitura que se custódia no Museo de Pontevedra é muito esclarecedora, mas nada diz a respeito de se o que se dedica é o exemplar ou a obra. Como hipótese, e aguardo que algum dia isto possa ser demonstrável, deito a ideia de que Três líricas castelhanas de Camões fosse uma encomenda da Polifónica, de Vilarelle ou de Filgueira Valverde para ilustrar as palestras-concerto deste último. Em qualquer caso considero uma honra contar no museu de Ponte Vedra com um manuscrito dedicado do grande Lopes Graça, na satisfação de sentir que algo dele nos pertence.

sexta-feira, 12 de julho de 2019

nº 234 Os Cantores del Instituto e a receção da obra de Lopes-Graça na Galiza. I


Em 1956, o compositor português Fernando Lopes-Graça (Tomar, 17 de dezembro de 1906; Cascais, 27 de novembro de 1994) cumpria 50 anos, a minha idade atual. Na altura, o maestro acumulava um longo historial de repressão por motivos políticos no que se incluíam detenções, prisão, impedimentos para ensinar e proibição de interpretar a sua obra. O seu posicionamento contra o salazarismo é conhecido por todos, assim como a sua militância no Movimento de Unidade Democrática e no P.C.P.
Se teve atrancos em Portugal, na Espanha de Franco o panorama não pintava melhor. 
Numa entrevista à Revista Ritmo, nesse mesmo ano de 1956, Lopes-Graça lamentava-se da pouca repercussão que a sua obra tinha no Estado Espanhol:

«–Después que mi amigo el consagrado pianista Leopoldo Querol ejecutó en Madrid, en 1942, mi Concerto número 1 para piano y orquesta, que había creado (sic) [deve de ser estreado] con Freitas Branco el año anterior en Lisboa, yo creo que la única composición mía conocida en España es la Encomendação das almas, que la espléndida Agrupación Coral de Cámara de Pamplona ha estrenado en el Festival de Granada de 1954, y que me ha dispensado el honor de incluir repetidas veces en sus programas.» Ritmo, Ano XXVII nº 283 1956 Novembro. 01/XI/1956

Foto dedicada à Revista Ritmo 1956

Em realidade, se fazemos uma procura demorada e exaustiva, podemos ir encontrando referências a obras suas interpretadas em alguma cidade galega –e também na Espanha–, mormente por solistas ou agrupações portuguesas convidadas a eventos de fraternidade Galiza-Portugal. Assim, em 6 de dezembro de 1952, o coro de câmara As pequenas cantoras de Portugal, dirigido por Virgílio Pereira, atuam no teatro García Barbón de Vigo, incluindo no seu reportório as Cantigas de Natividade, do mestre de Tomar. 
Este concerto poderá ter alguma importância no nosso relato, como veremos mais adiante.

Continuando com a exposição cronológica dos feitos avançamos até o 16 de março de 1956, ano da fundação de Los Cantores del Instituto [de ensino médio]  de Pontevedra. Em apenas dois anos o coro foi ganhando uma reputação alicerçada pelo mestrado de Agustín Isorna Ríos e Manuel Fernández Cayeiro e as extraordinárias relações públicas do diretor do instituto, D. José Filgueira Valverde. Assim, entre as numerosas atividades desse curso escolar, os coristas viajam a Madrid para participar nos atos da Semana Santa na que se vão interpretar algumas obras de Lopes-Graça. Mas, sabemos quais?

Os professores Fernando Otero Urtaza (2014) e Xavier Groba (2015) aclaram que a participação do coro escolar tinha como principais eventos «as solenidades docentes, as festividades relixiosas do Nadal, Coaresma e oficios de Semana Santa e nas conferencias-concerto que Filgueira tiña ven a compartir con eles». Xavier Groba (2015) p. 69 Segundo aparece na brochura Los Cantores del Instituto de Pontevedra. Historial y Repertorio. 1956-1963 [H. y R.] as peças de Lopes-Graça interpretadas pelo coro foram as seguintes: 

[Indicamos em cifra o curso no que foi interpretado pelo coro segundo se indica na brochura antes citada.]

–Pela noite de Natal. 1955-1956;
–Vinde, vinde já a Deus. 1957-1958;
–Eu hei de dar ao Menino. 1955-1956;
–De varão nasceu a vara... 1956-1957.

Este grupo de partituras pertencem ao conjunto titulado Cantos tradicionais portugueses de Natividade, cuja primeira audição deu-se em Lisboa em 19-XII-1950, sendo gravado pelo Coro de Amadores para o selo discográfico Radertz em ca. 1951. Como se está a ver, os Cantores do Instituto escolheram do repertório de Lopes-Graça o mesmo grupo de canções que as Pequenas cantoras de Portugal cantaram no García Barbón. Mas os cantos da Natividade foram interpretados como exemplos de umas conferências de Filgueira Valverde sobre o Natal, obviamente dadas no mês de dezembro. É meses antes, em abril do 1957, que os cantores viajam a Madrid para atuar durante a Semana Santa na igreja paroquial de San Agustín e na igreja da Cidade Universitária, além de participar na retransmissão radiofónica de Radio Madrid ou Radio Nacional de España, segundo as fontes. 

«Los cantores del Instituto de Pontevedra actuarán en la Hora Santa que transmite "Radio Madrid" el Jueves y Viernes Santo desde la Ciudad Universitaria y en las que predicará el ilustre musicólogo Padre Federico Sopeña.
También cantarán los Ofícios del Triduo Sacro: Jueves y Viernes Santo en la bellísima iglesia de San Agustín y el Sábado Santo, de nuevo, en la Ciudad Universitaria.
Aparte las obras clásicas, en especial de autores españoles, destaca y constituye novedad un excepcional conjunto de obras religiosas actuales, escritas casi todas ellas exprofeso para nuestro coro y que han de estrenarse en estas solemnidades de Semana Santa. Fueron dedicadas a los Cantores del Instituto por Joaquín Rodrigo, Cristóbal Halfter, F. Lopes Graca (sic), A. Moreno Fuentes y dos admirados compositores, honra de nuestra ciudad, P. Luís María Fernández y Antonio Iglesias Vilarelle.» El Pueblo gallego: rotativo de la mañana: Año XXXIV nº 11230; 30/III/1958.

Estas peças de Lopes-Graça não podiam ser as da Natividade, as únicas que aparecem em H. y R. Felizmente, no magnífico catálogo do espólio musical do maestro organizado pela professora Teresa Cascudo, encontramos a solução ao mistério. Com a entrada LG 31 recolhem-se Dos cantos religiosos tradicionales de Galicia, para coro feminino a capella, dedicados «Para el Coro del instituto Nacional de Enseñanza Media de Pontevedra».

Na entrevista concedida à revista Ritmo em 1956, Lopes-Graça fala das suas obras mais recentes nestes termos:

«Eso [a redação do Diccionario de Música] me ha impedido el trabajo de cración, que se reduce a dos o tres obritas corales (entregadas a la Coral Polifónica de Pontevedra y a los Cantores de Madrid), a las Melodías rústicas, para piano (que acabo de grabar, con la Sonata número 2, para His Master's Voice); a los 24 preludios para piano, aun en su mayor parte inéditos; en fin, como obra de más empeño, el Concertino para piano, metales, percusión y cuerdas, dedicado a Helena Sá e Costa, y que esta ilustre pianista aguarda oportunidad para estrenar.» Ritmo, Ano XXVII nº 283 1956 Novembro. 01/XI/1956

Posto em contacto com o Museu da Música Portuguesa de Cascais, e depois das ágeis gestões feitas pela sua directora Conceição Correia, a quem agradeço imenso a pronta resposta, teve a oportunidade de ver o manuscrito de Dos cantos religiosos tradicionales de Galicia. 

Capa da cópia autografa LG 31
Colecção Museu da Música Portuguesa

  Íncipit de La Pasión
Colecção Museu da Música Portuguesa

  Íncipit de El Ramo de Pascua
Colecção, Museu da Música Portuguesa

O material tradicional que usou Lopes-Graça pertence ao fundo Casto Sampedro do Museo de Pontevedra e aparece recolhido na tese de doutoramento de Xavier Groba (2012).

I
0487 Xoves Santo "La Pasión" de Cenlle, romance [El discípulo amado]
II
0492.2 Domingo de Pascua, canto do Ramo de Pascua. "Romance religioso" [Rubiá, o máis probable, ou San Cristobo de Cea, ou Os Blancos] 1906

Em conversa com o próprio Xavier Groba, ele lembrou-me que na viagem a Madrid Los Cantores del Instituto gravaram para Hispavox o seu primeiro, talvez único, registo discográfico:

«O luns e martes de Pascua os rapaces gravaron en Hispavox os seus primeiros rexistros discográficos de obras de Tomás Luis de Victoria, música compostelana, música medieval galega e as súas perduracións e villancicos tanto do Século de Ouro como populares harmonizados». Otero Urtaza (2015)

Que eu saiba, estas gravações nunca chegaram a editar-se, pelo que também desconheço se os Dos cantos religiosos... de Lopes-Graça foram interpretadas diante dos microfones de Hispavox.

Conclusões.

A visita a Madrid teve como mestre de cerimónias, nunca melhor dito, ao P. Francisco Sopeña Ibáñez, um dos chefes da musicologia espanhola em tempos do regime franquista. Junto com os numerosos cargos docentes e de gestão que teve na sua dilatada carreira está o de ser pároco da Igreja de S. Tomás, na Cidade Universitária madrilena, um dos lugares onde vão atuar os Cantores. Em H. y E. o P. Sopeña dá a sua singular visão do que foram aquelas jornadas:

«Durante dos años [1957 e 1958], el coro del Instituto de Pontevedra cantó la Semana Santa en nuestra iglesia de la Ciudad Universitaria, haciendo lo que sólo es posible en la adolescencia: rezar y, al mismo tiempo, cantar. [?] Cantan las viejas y entrañables "Cantigas"; cantan la hermosa y lúcida polifonía de Palestrina; cantan, como quien sueña, la canción gallega».

Cunha narrativa um bocado enredada –e até contraditória– o P. Sopeña dá uma definição que para mim é um dos melhores esboços feitos sobre a personalidade do professor José Filgueira Valverde. 

«El Instituto es la obra de una vida derramada en cristiano hasta el máximo: José Fernando Filgueira, que entra en la vida universitaria con una teses colosal sobre "Cantigas" –la tesis de la que hablaba siempre el inolvidable Asín Palacios–, lo dejó todo para ser, incluso desde su hogar, el creador de esta palpable maravilla. ¿Lo dejó todo? No dejó nada: pocas veces vermos más claro esa dialéctica de renuncia y de ciento por uno, mensaje, drama y recompensa de Dios a toda vocación realizada. Porque los libros, la arqueología, las excavaciones, el cancionero, hasta la vitalidad que estremece y que cansa, todo ha sido y es para esa adolescencia a la que asusta, encandila y encauza. Quen en le panorama de vocaciones sacerdotales cuenta tanto el Intituto de Pontevedra, hasta como signo».

Asusta, encandila y encauza, toda unha declaração de princípios dos métodos educativos do franquismo, e um modo muito espanhol de ser contundente com uma oratória em três períodos, tal e como o celebérrimo fija, limpia y da explendor.

O certo é que no seu laborar cristão, o professor Filgueira Valverde realizou ou promoveu algum dos marcos históricos mais importantes da cultura galega do século XX, entre os quais, sem dúvida, lançar pontes imorredouras entre Galiza e Portugal. De 1958, por exemplo, é a sua biografia de Camões em castelhano, com uma edição portuguesa umas décadas depois. Durante os anos que foi Presidente da Câmara de Ponte Vedra, de 1959 a 1968, vai-se celebrar na sua cidade o Festival de la Canción Gallega. Como já tenho contado, a este festival –que como o seu nome indica está dedicado a canções em língua galega para canto e piano– houve seis compositores portugueses a participar: Frederico de Freitas, João de Freitas Branco, Joly Braga Santos, Cláudio Carneyro,  Victor Macedo Pinto e um quase inédito Jorge Rosado Peixinho. As gestões pessoais de Filgueira tiveram que ser decisivas para que este pequeno grupo de maestros portugueses participaram no festival junto com mais de setenta compositores de nacionalidade espanhola. Quando redigi o meu estudo sobre o festival fiquei surpreendido pela ausência de Lopes-Graça. Agora que conheço da presença da dedicatória de Dos cantos religiosos... a minha estranheza é ainda maior. 

Fica claro, então, o papel importante que no relato sobre a receção em território espanhol da obra de Lopes-Graça teve o coro dos Cantores del Instituto de Pontevedra e como sempre, eis a presença de Filgueira, surgindo como Deux ex machina, para dar uma solução lógica ao problema exposto.


Fotografia dos Cantores tirada ante a porta da Igreja de San Agustín de Madrid. 1958 H. y R.
Por cima dos meninos vestidos de coroinhas o coro feminino que interpretou Dos cantos religiosos tradicionales de Galicia. Entre a raparigada aparece um padre, que pudera ser Francisco Sopeña.

Bibliografia:

CASCUDO, Teresa (1997) Fernando Lopes-Graça. Catálogo do espólio musical. Cascais, Museu da Música Portuguesa
d. P. ORJAIS, José Luís «Compositores portugueses no Festival de la Canción Gallega de Ponte Vedra» Opúsculo das Artes nº2 Abril, 2013 [Revista Digital]
GROBA, Xavier (2012) Casto Sampedro e a música do cantigueiro galego de tradición oral. Redondela, Concello de Redondela. [Tese de doutoramento]
GROBA, Xavier (2015) Xoán Tilve, Gaiteiro de Campañó. Compostela, aCentral Folque.
OTERO URTAZA, Fernando (2014) «Un legado de Filgueira: Os Cantores do Instituto», en Cadernos Ramón Piñeiro, XXXI. Compostela, Xunta de Galicia.
(1965) Los cantores del instituto de Pontevedra. Historial y repertorio. 1956-1963. Pontevedra, Imp. Lib. Paredes Valdés.

quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

nº 192 José Sánchez Vázquez, o final dum ofício.




José Sánchez Vázquez [Rianxo, 14/08/1877; Padrão, 08/01/1939] é minimamente conhecido por ser o tio crego do poeta rianxeiro Manuel Antonio. Porém, o sochantre é para mim uma personagem com nome próprio, infelizmente ignorada não só pelo grande público, mas também por os próprios historiadores da música galega. Com este artigo não pretendo fazer uma biografia por extenso do mestre salmista, só dar a conhecer alguns aspectos que considero de urgente divulgação, deixando para mais adiante partilhar quanto logrei saber da sua vida e obra.






Foto: 
Arquivo X. Santos e X. Comoxo

I
Parentescos

a.- José Sánchez Vázquez era irmão de Purificação Sánchez Vázquez, mãe de Manuel Antonio.  
b.- O avó de José Sánchez Vázquez era irmão do pai de Severo Araújo Silva, Bispo Auxiliar do Arzobispado de Santiago de Compostela.

Estas ligações familiares vão ser fundamentais para que partituras até agora desconhecidas ou perdidas façam agora parte do recentemente criado Fondo Local de Música do Concello de Rianxo.

II
O Sochantre de Íria

A sua nomeação como presbítero tem lugar em janeiro de 1902 e um ano mais tarde já aparece citado na imprensa como Sochantre de Íria, pelo que deveu aceder a este cargo quase imediatamente trás a sua ordenação. Durante os trinta e sete anos que restam até a sua morte, José Sánchez Vázquez teve uma intensa vida dedicada por completo à música, bem seja como cantor, como regente ou como dinamizador e organizador de eventos culturais.
A sua actividade como cantor não se reduzia apenas a Íria Flávia, senão que acudia lá onde era reclamado, principalmente à Ponte Vedra dos seus amigos Mercadillo, Torres Creo, Isidro Puga ou o mestre de capela Manuel Taboada Nieto. Gostava de cantar cantigas galegas, como a titulada Bágoas de Puga ou Choros e Cántigas de Sanmartín, da que falarei mais adiante.

«La orquesta y voces de los Sres. Mercadillo y Torres [Creo], reforzada con el tenor de Iria D. José Sánchez, interpretó con gran maestría la hermosa misa de Gomig, el Motete de Cortina y Genitore de Guilmar.» El Diario de Pontevedra: nº 7596 06/09/1909
 
A sua sólida formação musical permitir-lhe-ia dirigir orquestras e coros os quais interpretavam música não apenas religiosa. Graças a imprensa da época, podemos saber como eram aquelas orquestras, muitas vezes reforçadas com músicos de Compostela ou de Ponte Vedra. Assim, no Diario de Galicia 20/02/1914 ou em El Barbero Municipal, 21/11/1914 encontramos uma orquestra regida pelo P. Daniel Gómez, franciscano do convento de Ervão, da que fazem parte os violinistas Srs. Rodríguez, Castro e Diéguez, nas flautas os Srs. Balado e Rey, no contrabaixo o Sr. Sánchez e no piano o Sr. Cardama. Aqui, aparece o Sochantre tocando o baixo, mas, habitualmente, era ele próprio quem dirigia a orquestra, alternando-se instrumentais e peças cantadas.
Também dirigiu os coros de meninos, as vozes participantes nas missas e nos diferentes ofícios e sobre todo, o Orfeão Antoniano.
Este último está muito relacionado com o seu papel de organizador e dinamizador de eventos entre os quais a organização da Juventud Antoniana e as celebrações do dia de Santa Cecília.
O interessante é que em todas estas celebrações havia sempre um lugar para a canção galega de concerto, assim como um espaço para os seus amigos músicos, como o guitarrista Daniel Paz Rodríguez O Rosquilheiro.
Como curiosidade dizer que depois de morto o Sochantre, a sua irmã e mãe de Manuel Antonio, Dna Pura, continuou a costear a Missa Solene da celebração de Santa Cecília à que habitualmente se associavam os músicos de Padrão.                                         


III
Os organistas de Íria Flávia

José Sánchez Vázquez viveu o declive do ofício de sochantre e organista na igreja de Íria Flávia. Acho que ele foi o derradeiro sochantre e que conviveu com os últimos organista por oposição da ex-Colegiada. Pouco antes da sua posse como cantor de Íria, o órgão foi restaurado, o qual manifesta um certo interesse por mantê-lo em óptimo funcionamento. No século XIX, alguém que tivesse vontade de escutar uma Missa Solene com órgão em Padrão podia escolher entre o do Convento de Ervão, o do Convento do Carmo, o da Escravitude ou o de Íria, e quiçá algum mais que se me passa.
Dos organistas de Íria, acho que não há nada publicado, assim que achego aqui o que sei, entendendo que a pouco que se investigue, muito de quanto digo pode ser ampliado ou mesmo rectificado. 

Em 1881, foi nomeado organista da Ex-Colegiada de Íria Flávia D. Pedro Rodríguez [1881-1887]. Só seis anos mais tarde sai publicado no Boletín del Arzobispado o edital pelo qual se convoca a vaga de organista de Íria Flávia.

«Hallándose vacante la Capellanía, ad nutum amovible, erigida en la Colegiata de Iria Flavia bajo la advocación de San Rosendo y afecta al cargo de Organista, el Excmo. y Reverendísimo Prelado, mi Señor, á quien pertenece su provisión, ha determinado anunciarla á concurso, como por el presente se verifica, por el término de veite días á contar desde el de la fecha, dentro del cual los aspirantes, que deberán ser Presbíteros, dirigirán á Su Excia. Revma. la correspondiente solicitud, acompañada de letras testimoniales de sus Prelados, si fuesen extradiocesanos.
Las obligaciones del agraciado serán: residir en Iria Flavia, asistir á las horas menores todos los días, tañer el órgano en las misas conventuales y demás funciones propias de la Colegiata ó que determinare el Párroco como Presidente, y aplicar el Santo Sacrificio todos los domintos del año por las almas é intención de los fundadores de las Obras pías, con cuyas rentas se ha constituido la Capellanía.
Su dotación anual es de cuatro mil reales, que se cobrarán por trimestres en la forma que el Estado satisfaga los intereses de la deuda pública.
Santiago 29 de marzo de 1887. –Por mandado De Su Excelencia Revma. el Arzobispo, mi Señor, Dr. D. Vicente Álvarez Villamil, Secretario.» Boletín Oficial del Arzobispado se Santiago. Ano XXVI nº 1098 31/03/1887

José María Sanmartín Catoira, [1887?-1907] Era natural de Pontecessures, onde morreu em 10 de janeiro de 1951. Foi, alem de organista por oposição em Íria, pároco em Redondela e Cangas do Morraço, sendo o seu último destino a igreja de São João Apóstolo de Santiago de Compostela.
Sabemos que foi o autor dalguma balada galega como a titulada Choros e cántigas, editada por Canuto Berea, a qual se publicitava na prensa de 1909 e continuava a ser interpretada nas festividades religiosas organiçadas por José Sánchez em 1933.

El Eco de Galicia. nº 954 13/10/1909

El Compostelano - Num. 3810 (31/01/1933)

Em 1907, convoca-se novamente a vaga de organista por translado de José Sanmartín. A dotação anual será nesta ocasião de mil pesetas. Gaceta de Galicia. nº 140 22/06/1907

- Manuel Forján Ojeros. [1907-1912] Em 1910 era aluno de Arqueología y Historia Eclesiástica da Universidad Pontifícia Compostelana. Como homenagem a Antonio Lopez Ferreiro, morto em abril desse mesmo ano, a aula organizará uma velada na que vai ser interpretada a cantiga elegíaca Pranto de Galicia, de Manuel Forján. Dois anos mais tarde, em abril de 1912, morre quando cursava terceiro ano de Teologia. 

«Era el Sr. Forján un excelente músico, autor de varias composiciones de relativa importancia. La enfermedad que le condujo al sepulcro la contrajo preparándose para la plaza de organista vacante en la catedral compostelana.
Desde hacía varios años era organista de la Colegiata de Padrón, habiendo obtenido el cargo desde bastante joven, cuando casi era un niño.
Encarecemos á nuestros lectores unan sus oraciones á las nuestras en sufragio del alma del finado.» El Eco de Galicia. nº 1746 28/04/1912 

Embora a sua juventude, Manuel Forján era organista de Iria Flavia por oposição. Durante as suas ausências, substituía-o no órgão da Colegiada o seu irmão Joaquín Forján. Na altura, dirigia a Banda de Música de Padrón um outro Manuel Forján, ao que cremos parente dos irmãos organistas. 

- Joaquín Forján Ojeros. Irmão do anterior, foi organista ocasional em ausência de Manuel Forján.

- Adolfo Cardama Cortés. Dodro, 23/06/1879- A Póvoa do Caraminhal 19/03/1942. Quiçá o organista que mais vezes aparece ao lado de José Sánchez, e do que deveu ser, além de mais, grande amigo. O primeiro dado que tenho do duo Sánchez-Cardama é de 1908, na igreja de São Julião de Requeijo. Cardama tocava principalmente o harmônio e o piano, mas é possível que tocasse o órgão em certas celebrações. As suas ocupações como funcionário em diferentes concelhos como o da Póvoa do Caraminhal, dificultou-lhe uma maior actividade como músico. Era filho de Ramón Cardama, mas ignoramos se tem alguma relação de parentesco com o organeiro compostelano do mesmo nome.

«A continuación ocupa el escenario el Sochantre de Iria Flavia, don José Sanchez, que cantó la melodía gallega Bágoas, del maestro Puga, acompañándole con el armonium D. Adolfo Cardama, siendo objeto de una ovación el Sr. Sánchez por el exquisito gusto con que interpretó la obra.» El compostelano. Nº 1290 (12/06/1924)

IV
Uma festa em Bastavales
Com um minuto de intervalo

«A las nueve, Misa cantada en la capilla, acompañada de la grandiosa Orquesta de Iria-Flavia que será reforzada con valiosos elementos de la Catedral de Santiago, compuesta de doce profesores, entre los que figuran el tenor D. José Sánchez y el barítono M. R,. Espinosa.»
«Por la tarde, a las tres, darán comienzo los grandes bailes populares amenizados por las bandas de Brión y Rianjo y por el popular cuarteto regional gallego de Soutelo de Montes, desarrollando un variado programa de bailes, los que se alternarán con un minuto de intervalo.»
«A las tres de la tarde continuarán los bailes populares estando la música a cargo del afamado director D. Ángel Bandín.» El compostelano. nº 1858 02/06/1926 Festas em São Julião de Bastabales em honor da Virgem do Carmem.

«La orquesta y voces de los Sres. Mercadillo y Torres, reforzada con el tenor de Iria D. José Sánchez, interpretó con gran maestría la hermosa misa de Gomig, el Motete de Cortina y Genitore de Guilmar.» El Diario de Pontevedra: nº 7596 06/09/1909

«La orquesta y voces de los Sres. Mercadillo y Torres reforzadas con el valioso elemento del tenor de Iria, D. José Sanchez, justificó una vez más la altura de su justo renombre, en la interpretación de los Gozos de Velardi, á solo de bajo y duo de barítonos, en el Tantun ergo de Loxvi y el Genitori de Guilma.»

V
Despedida a la Sma. Virgen
 
A única partitura das conservadas no Fondo Local de Música do Concello de Rianxo que consideramos da autoria de José Sánchez Vázquez é a titulada Despedida a la Santísima Virgen, a qual está datada em 7 de setembro de 1934. Pela sua letra trata-se duma composição semelhantes as muitas que se conservam, alguma mesmo no nosso arquivo, de Salutação e Despedida, normalmente postas em boca, a modo de hino, dos peregrinos que acodem a um santuário. Considero, pois, que se trata duma Despedida à Virgem de Guadalupe das pessoas assistentes à sua celebração.



© Fondo Local de Música do Concello de Rianxo

VI
Epílogo
O organista de Iria de José Filgueira Valverde

Ao organista de Iria, un músico vello de enterros e festas, bo bebedor, forte, roxo de moita sona en toda a terra de Padrón, viráraselle o sentido. Deixara o viño e as esmorgas, dera en se pechar polas noites na igrexa a tanxer no órgano cousas estrañas; subía ao campanario para adeprender aos mociños repiques novos, tiña longas conversas co gaiteiro de Isorna e saía cara os soutelos do río, no raiar da alba, cun feixe de papeis baixo do brazo. Sentira o proído de engaiolar unha cántiga que teimosamente se escoaba nos seus oídos e tendía a cotío o ichó para esligala como se fose un loiro paxariño.
Despois de moitos traballos, arriscouse a amostrar canto levaba composto ao oranista de Santiago. Saíu de Iria, polas oitavas de Nadal, cunha carta de presentación do Abade, con moitos papeis na alxibeira e o verme dun degoiro no peito. Nos seus oídos ecoábase aínda, con leda teimosía, o belido tema que topara e seguindo no maxín a súa obra —Op. I—, deténdose en cada acerto, á mañá do repaso que un fai do soño lonxano, deuse a cantalo, a cantalo namentres o tren repinicaba a muiñeira das costas e debullaba o alalá dos chans sobre o trémolo da paisaxe e o pedal azul do ceo.
(O crego cativiño e descoñecido que se sentara a par del en Osebe íao escoitando cos ollos pechados nas follas do breviario).
Nos altos da Catedral renxía o fol do órgano, barquín de forxa, e as mans do Organista de Santiago, mans afeitas a temperar o ferro roxente dos graves na agua xeada dos agudos, afiaba os sons a circias marteladas. Embazábase o aire dunha sutil poeira, erguíase un mesto fumeiro... De súpeto é a nidia claridade da súa cántiga a que avesca o músico de Iria, envolveita na néboa dunha fuga. O paxariño que el quixera esligar coas súas mans de labrego, afeitas a coller niños caera no ichó daquel creguiño descoñecido que cos ollos pechados nas follas non pasadas do breviario fora escoitando o seu cantar.
O organista de Iria xa non tenotu falarlle. Con ollos embazados pola poeira das bágoas, coa gorxa atuída polo fumeiro dun salaio, estrizou os papeis e tornou aos enterros, ás festas, ao viño e ás esmorgas.
Na terra de Padrón díxose que os médicos de Santiago lle arrincaran do peito un verme. Tornáranlle o sentido. 
Quintana Viva. p. 47 e 48 La Voz de Galicia, S. A.; Corunha. 2002


sexta-feira, 10 de outubro de 2014

nº 190 O incidente de La Bombilla, Filgueira Valverde e o reintegracionismo.


Em 31 de julho de 1931 aparece publicado no jornal La Libertad o seguinte anúncio:

«A LA COLONIA GALLEGA
----------------
Banquete-homenaje popular

El banquete a los diputados galleguistas Villar-Ponte, Castelao y Pedrayo tendrá efecto el próximo domingo, a la una y media, en el restaurante Casa Juan de la Bombilla.
Las tarjetas para asistir a dicho acto podrán adquirirse en el hotel Regina, Ateneo de Madrid, bar La Perla, Infantas, 26 y en la librería Puga, Paz, 5, en todo el día de hoy viernes.
Los entusiastas y simpatizantes de las glorias gallegas deben apresurarse a adquirir las tarjetas en el tiempo indicado.
Habrá brindis en gallego.» La Libertad. Ano XIII, nº 3.545 6ª feira, 31 de julho de 1931.

O ato teve lugar, com efeito, o domingo 2 de agosto do 1931 e o que lá aconteceu provocou uma violenta reação na imprensa madrilena. 

«En la presidencia se sentaron con los festejados el ex fiscal general de la República y magistrado del Tribunal Supremo D. Javier Elola, el presidente del Lar Gallego, Sr. García Martí: el representante de los gallegos residentes en Buenos Aires y diputado a Cortes por la Coruña Sr. Millares y otras personas.» El Sol. Ano XV, nº 4.360 3ª feira, 4 de agosto de 1931.

Tal vez por um erro da agência, os jornais batizaram a Suárez Picallo como Sr. Millares, reproduzindo, isso sim, a parte do seu discurso mais comprometido.

«Todos los presentes somos emigrantes, pues yo no se que está más lejos de Galicia: si Buenos Aires o Madrid.»
«Formaremos parte del conjunto ibérico si vamos a partes iguales: como hermanastros, no."Ibídem.

A seguir, sem maiores incidentes, falaram:

- O secretário de La Casa del Pueblo, Sr. Cortés, utilizando o galego ao princípio para posteriormente finalizar o seu discurso em castelhano.
-  D. Laureano Gómez Paratcha, deputado pelo FRG e ex-presidente da câmara de Vila Garcia (1922-1923). Fez grandes elogios dos homenageados, mais isso sim, em castelhano.
- Castelao que utiliza o galego.
- García Martí, o castelhano.
- Vilar Ponte, obviamente também em galego, lembrando-lhe aos presentes que a nossa língua e entendida por milhões de pessoas em Portugal e as suas colónias e mais no Brasil.

O ambiente de celebração que se vivia até este momento vai mudar repentinamente com a intervenção de Otero Díaz *[Em realidade Alejandro Otero Fernández (1888-1953) Socialista]:

«El señor Otero Díaz* dice que habla en castellano porque la mayoría de los oradores lo hicieron en gallego. Tiene un cálido elogio para las lenguas castellana y gallega, y afirma que Galicia unida a España, triunfó en el mundo. (Una pequeña minoría de los comensales protesta ruidosamente contra las palabras españolistas del orador. Se oyen vivas a Galicia libre, contrarrestados por los de ¡Viva España!, y alguno pide a grandes voces la cabeza de los castellanos). El señor Otero Díaz, a pesar del escándalo, no pierde la serenidad, y continuó su discurso diciendo que el rango universal de la región gallega no existirá sin la unidad española. Pide autonomía administrativa y aconseja luchar contra las opresiones sociales. (Las protestas e insultos menudean y el grupo reducidísimo de separatistas grita desaforadamente, situándose en la presidencia detrás del señor Otero Pedrayo).» El Siglo Futuro Ano LVI nº 17.209 Terça feira, 4 de agosto de 1931.

O número de indignados pelas palavras de Otero Fernández varia segundo a tendência política do jornal — El siglo futuro era um diário católico muito conservador — mas todos destacam que se tratava duma pequena minoria.
O último orador, nada menos que Otero Pedraio, protegido pela sua improvisada Guarda de Corps e no fragor da batalha, afirmará:

«[...] que si las cortes negasen a Galicia su autonomía, ella sabría ganársela, pues no le habría de faltar el apoyo entusiástico de los hermanos de raza como Portugal.
Si se nos concede la libertad, seremos hermanos: pero si la Federación no prospera, sermos enemigos de todos los pueblos hispánicos.[...]
El Sr. Otero Pedrayo fue muy aplaudido, y al finalizar su discurso entona, en unión de cinco o seis comensales, el himno regional.» El Sol Ano XV nº 4.360 Terça feira, 4 de agosto de 1931.

Com estas palavras, o catedrático ourensano fere o orgulho espanholista, fazendo que se mobilizem não só as forças mais conservadoras como as mais progressistas. Na primeira plana de El Sol aparecerá um editorial cujo cabeçalho pedirá Serenidad ante todo ao Sr. Otero.

«[...]si las cortes constituyentes —afirmó el Sr. Otero— no nos otorgan la autonomía, sabremos conquistarla, con la ayuda de nuestros hermanos de raza los Portugueses.
Medite el Sr. Otero Pedrayo la gravedad de estas palabras, que la Prensa ha difundido. No las interpretemos literalmente, ni desprendamos de ellas que el separatismo de Galicia está en pie. La realidad basta para aquietarnos por otra parte. Si el Sr. Otero Pedrayo pronunciara en Lisboa el sermón, alegato o arenga que anteayer pronunció en el banquetede la Bombilla, ¿sería tan bien comprendido como lo fue en Madrid?
Un escritor gallego y un escritor portugués no se entienden dialogando en sus idomas respectivos. Recurren siempre al castellano, y algunas veces a otros idiomas universales como el francés y el inglés. No nos negará el Sr. Otero Pedrayo que las cosas suceden así.» Ibídem.

Pois sim, o Sr. Otero Pedrayo vai negar que as coisas aconteçam desta maneira. Numa primeira página para conservar nos anais do galeguismo, o jornal El Sol publica a resposta do mestre ourensano num artigo emparedado entre os de Joaquín Poza Juncal e Bibiano F. Osorio Tafall — que deixam clara a sua distância a respeito do galeguista — e o de Eugenio Montes.
Muito brevemente, Otero Pedraio cancela qualquer debate sobre as palavras por ele pronunciadas no Café Juan.

«No quiero decir nada de la información del banquete dedicado en la Bombilla a tres diputados galleguistas. Es la misma, con sólo una excepción publicada por la Prensa del día, y el mero hecho de cambiar los nombres de los oradores y describir absurdamente hechos vistos por todos no le concede la suficiente autoridad. Sólo quiero hacer constar — y hablo exclusivamente en mi nombre — que se acabó la Galicia que venía a suplicar, y existe una Galicia que sólo aguarda una absoluta igualdad de trato para sentirse española. No soy un audaz ni busco el escándalo. Por eso al hablar de Portugal tenía que emplear palabras propias de un buen gallego, y en ellas me refería a la ayuda moral, nunca ausente, de la nación que hablando nuestro mismo idioma, es considerada en Galicia como hermana. Es extraño que un gran periódico tan bien entereado como El Sol incurra en el tremendo error de creer que los escritores gallegos y portugueses tienen que apelar al castellano para entenderse entre sí. » Ibídem.

Numa entrevista publicada no Diário de Lisboa só uns dias antes da celebração do banquete, Otero Pedraio expunha a um jornalista português a sua opinião sobre as afinidades galaico-portuguesas:

«Sim. Queremos muito a Portugal e desejamos intensificar as relações já existentes com os seus intelectuais. A literatura lusitana, verdadeiramente monumental, é muito conhecida entre nós. Em Santiago há, presentemente, uma cátedra livre de português regida por Hernani Cidade.Há vinte anos, Eça de Queiroz era mais lido na Galiza do que a própria Condessa de Pardo Bazán, a grande escritora galega. Já vê... Saúde, pois, por nós, Portugal e a sua grande colónia galega.»
Dada a importância que para nós tem a entrevista que o Diario de Lisboa faz a Otero Pedraio deixo-vos aqui o link: Diário de Lisboa

Todo o dito até agora tem a ver com a repercussão que as declarações do catedrático ourensano teve na imprensa espanhola. Mas, e na galega? Qual foi a receção das suas palavras?
Em 6 de agosto, El pueblo gallego amanecia com o seguinte titular:

Fonte: Galiciana

Com tudo, a resposta desde a Galiza, como cabia supor, não foi unânime. Jornais como El Pueblo Gallego publicaram artigos solidários com Otero Pedraio da autoria de vultos do galeguismo como Vilar Ponte ou Victor Casas, ou mais conciliadores como o de Joaquin Poza e Osorio Tafall, do teor do publicado em El Sol, do que já falei anteriormente. Noutros jornais, como El Progreso, o incidente de La Bombilla mesmo é motivo de chacota.
Em 9 de agosto do 1931 é José Filgueira Valverde quem escreve sobre as palavras de Pedraio num breve que nos vai servir para reflexionar sobre o seu reintegracionismo, ou quiçá ainda melhor, pragmatismo lusófono.
O texto de Filgueira não deixa lugar a dúvidas sobre as suas intenções:

«Andaba eu a escribir unha morta prosa hestórica sobre a nosa "boa vila", cando veu desacougarme esa barafunda que argallaron os paifocos de Madrid porque Otero Pedrayo acendeu unhas verbas na mais hispanica lusitanidade. E xa que o esprito non dá tino para enfiar hestorias falaremos un anaco de noso portuguesismo de sempre.»


Artigo completo.

Quando diz "o nosso portuguesismo" está a falar em "plural majestático", refere-se a ele e Otero Pedraio, aos galeguistas no seu conjunto? Pois parece que ao nacionalismo, esse grupo iconicamente representado pela palavra NÓS, e do que Filqueira Valverde cindirá, a partir do 1935, um oportuníssimo NOS-OUTROS.

«E precisamente nós, os nazonalistas, os que na Galicia de hoxe fixemos por amostrar os camiños novos e vellos de ese inmorredeiro "espirit europee" que a África intentou sempre arrincarnos, temos de facer de esa Santa María tan nosa e tan allea, tan vella e tan nova, un símbolo do noso futuro. Si nós lle preguntásemos hoxe o esprito de esta obra cal era a sua nacencia reposteríamos con aquelas verbas estrictas e amantes de Juan de Grajales:
—Soy portugués español.»

Eis o núcleo do seu pragmatismo lusófono: A Galiza como cavalo de Troia para recuperar à [h]espanholíssima nação portuguesa.
Em 1939, ainda não terminada a Guerra Civil, o Instituto de España publicava um manual de história  com um texto para escolares de segundo grado. Nas notas preliminares podemos ler:

«Por eso España es una península rodeada toda de mar, salvo en la parte que se une con Francia. Por donde se une a Francia, se levantan, como altísimo vallado, los Pirineos: por todo el resto de su perfil la limita el mar. Es verdad que dentro de esos límites clarísimos, hoy, además de España, existe otra nación: Portugal. Pero esto no pasa de ser una división puramente artificial y política, cuya razón ya estudiaremos. Portugal estuvo mucho tiempo unido a España; luego se separó; luego volvió a unirse y a separarse al fin. No porque sea, pues, una nación distinta, hemos de considearlo como un extraño. Es un hermano que no por vivir en un cuarto distinto dentro la misma casa, deja de ser hermano y tener nuestra misma sangre.» Manual de la historia de España. Segundo Gado.Instituto de España[Santander;Aldus S. A de Artes Gráficas] 1939. p.7-8

Como se sabe, Portugal era uma das grandes aspirações de Franco que sonhava com ser amo e senhor da península, algo que preocupou — e muito— a Salazar. Os galegos hão servir de ponte cultural, galegos como Filgueira Valverde, como Eugenio Montes, como Fraga ou como o próprio Franco. Os galegos utilizados como uma escusa, mas também uma Covadonga desde a que encenar a reconquista.
Que entre galegos andava a coisa tinha-o claro até o ex-presidente português Mário Soares:

«Fraga me aseguró que Franco, como gallego, no atacaría a Portugal.» La Voz de Galicia. 20/04/2014

Em 1958, a editorial Labor publica Camoens, um novo volume dos seus Clásicos, encomenda feita anos atrás a Filgueira Valverde. Uma vez mais, o diretor do Museu de Ponte Vedra põe toda a sua erudição — imensa — e a sua narrativa — esplêndida — ao serviço da causa ibérica. E para essa causa nada melhor que glosar a Luís Vaz de Camões, um neto de galegos que se auto-qualificava «príncipe dos poetas de hespanha». Um simples "h" que nos afasta da España Imperial e castelhana e nos achega a uma casa comum plurinacional. As palavras apócrifas de Camões, aquelas que dizem Falai de castelhanos e portugueses, porque espanhóis somos todos, resultam perfeitas. Volvendo ao artigo que Filgueira escrevera em desagravo de Otero Pedraio em El Pueblo Gallego, vemos o uso diferenciado que o autor faz dos termos Hespanha e Castela:

«Si Otero Pedrayo gozara a hipermnesia que me aponen, e pra min quixera, tomando o precedente dos galegos que pra figurar se facían pasar por portugueses na vella corte das Hespañas, tamén houbera contestado así ós "clercs" madrileños —non quero dicir casteláns— que teñen posto todo o seu empeño en decir que Portugal está no "extranxeiro".
Porque este é o esprito do nazonalismo galego que xa vai significando a derradeira espranza do "gran feito hispánico".»

Como limpo resumo a todo o pensamento filgueiriano arredor do conceito «Hespanha» e «Camões hespanhol», transcrevo integra a sua introdução ao Camoens de Clásicos Labor.

«Camoens parece ausente de las letras españolas de hoy: apenas se traduce, se lee poco, cada vez se le cita menos. Shakespeare o Goethe son más familiares a nuestros lectores, que lo clasifican, al lado de ellos, como a un extranjero. Y, sin embargo, Camoens no es un escritor ajeno a nuestras letras: es nada menos que un clásico español. Si alguna tesis se sostiene en mi libro, es ésta, que, por igual, es motivo de ufanía para las gentes de los pueblos peninsulares, cuya sangre lleva y en cuyas dos lenguas ejerció su arte. Pero ni la oriundez gallega, ni el bilingüísmo, ni siquiera el que se hubiese definido él mismo como «hespanhol»... bastarían para clasificarlo entre nuestros clásicos. La razón es mucho más honda. Camoens constituye un eslabón en la áurea cadena de la lírica peninsular, cuyo estudio no es posible fragmentar, y, sobre todo, es quien lleva a su culminación la épica. Os Lusiadas, como dijo Ramiro de Maeztu, son nuestra epopeya, y "en ellos se hallala expresión conjunta delgenio hispánico en su momento de esplendor... Donde acaban los Lusiadas comienza el Quijote". Estas frases, que sirven de acorde inicial al más sólido de los libros portugueses contemporáneos sobre su obra, tienen que ser también lema del nuestro. Porque Camoens, que fija la lengua portuguesa y "re-crea" toda una conciencia colectiva en la crisis más grave de la vida nacional de su Patria, que es el cantor de su personalidad y el exaltador de su antagonismo político y de su independencia, podría gritar, con mejores títulos que nadie, a semejanza de cierto personajede Juan de Grajales:

—¡Soy portugués español!

Por su valor de símbolo de una superior unidad espiritual, por su calidad cimera, porque en su obra confluyen las más hondas y vivificantes corrientes de la poesía de Occidente, y porque de él se nutren venas nuevas, por dominar una encrucijada de pueblos, de lenguas, de tiempos y de ideas, Camoens merece ocupar en la historia de nuestras Letras y en la estima de nuestros lectores un lugar inmediato al de Cervantes.
Para rescatarlo del muerto fichero de la Literatura universal, y traerlo al caliente hogar de las Letras propias, se ha escrito este libro, mera guía para nuevos lectores de Camoens. Nadie espere hallar en sus páginas revelaciones ni novedades. No es obra de investigación directa ni tiene, como hoy se dice, un afán exhaustivo. Si logra alcanzar sus fines, aun siendo tan poco significante y de tan corto aliento, habrá hecho algo grande en vuestro favor. El autor espera que le retribuyáis con vuestra indulgencia.
J.F.V.
Museo de Pontevedra, 1953»

Nota: Para o tema Hespanha paga a pena ler a Carlos Calvo Varela.

Em 1982, a Livraria Almedina publica a versão portuguesa do Camões de Filgueira. Na minha opinião, uma muito boa tradução feita por Albina de Azevedo Maia onde só falta uma coisa, as dedicatórias que si apareciam no texto em castelhano.

«Al Dr. Hernani Cidade de la Universidad de Lisboa
Al Dr. Costa Pimpão de la Universidad de Coimbra.
Mis maestros en Camoens. 
J. Filgueira Valverde» 

Os doutores Hernani Cidade (1887-1975) e Costa Pimpão são dois clássicos dos estudos camonianos. O primeiro, além disso, foi professor do Instituto de Estudios Portugueses da Universidade de Santiago de Compostela, fundado pelo reitor Rodríguez Cadarso em 1931.

Remate.

O autor do artigo Serenidad ante todo, publicado no jornal El Sol, atacava a Otero Pedraio dizendo-lhe que os autores portugueses e galegos não se percebiam mutuamente e tinham que recorrer a uma língua franca como o castelhano ou o inglês para poder conversar. Isto doeu-lhe especialmente ao catedrático ourensano, achacando tal opinião ao desconhecimento da nossa realidade. Numa postagem anterior, a nº 188, contava eu como o Filgueira foi dar uma palestra a Lisboa no 1948, falando ao público lá presente em castelhano. Ir a Portugal e falar em galego era em plena ditadura uma provocação na que não ia incorrer o velho professor. Já em novembro de 1934, umas semanas depois da Revolução de Outubro, Filgueira recebia uma carta do seu amigo o antropólogo português Santos Júnior:

«Quanto ao pedido que me faz sobre a língua em que devem ser feitas as conferências, troquei impressões com o Prof. Mendes Corrêa e ainda com um vosso patrício, inteligente e culto, embora nada galeguista, que foram de acordo que sendo a semana da cultura galega ninguem poderia estranhar que fôsse feita em lingua galega. Entretanto, e é essa também a minha opinião, dados os últimos acontecimentos em Espanha para que não fosse ou pudesse ser mal interpretado esse facto, é conveniente que algumas sejam feitas em castelhano.» ALONSO ESTRAVIZ, Isaac Santos Júnior e os intelectuais galegos. [Ourense;Fund. Meendinho]

Mais uma vez o pragmatismo filgueiriano. Longe de apaixonar-se, analisa tudo pormenorizadamente, pergunta, consulta, troca pareceres e ao final, atua como melhor convêm ás suas aspirações pessoais.

Outra das características no comportamento do Filgueira é a estrita hierarquização dos valores que configuram a sua pessoalidade. Era católico, de dereitas e galeguistas. Sei que há pessoas que duvidam do galeguismo do velho professor. Eu, não. A questão é que para ele a defessa da religião católica esteve por cima de qualquer outra coisa. Para ele e para os companheiros cindidos da Direita Galeguista.

«Religião.
10. Consideramos a Religião Católica como fundamental da tradição galega enxebre, coa que é consubstancial e inseparável. Declaramos que uma autêntica cultura galega tem que estar decote inspirada na conceção católica do mundo e da vida humana e no sistema de valores éticos, estéticos e científicos que o catolicismo representa.
11. Em todo caso apoiamos a liberdade da Igreja Católica como pessoalidade jurídica, em regime concordatário com o Estado e com todas as garantias jurídicas que protejam os direitos dos crentes.
Problema obreiro
15. Apoiamos nisto, todos e cada um dos pontos das Encíclicas chamadas sociais dos Romanos Pontífices.» Bases para o programa da Federação de Forças Nacionalistas e Galeguistas de direitas. Abril de 1936

Uns meses depois da difusão deste manifesto estourou a Guerra Civil espanhola. Os oportunos Nós-outros da Direita Galeguista ficaram, mormente, bem colocados. Outros galeguistas, católicos e direitistas pagaram com a sua vida inverter a ordem de prioridades.

Camoens XIX Clásicos Labor [Barcelona; Editorial Labor S. A.] 1958

 Camões 47 Colecção Novalmedina [Coimbra; Livraria Almedina] 1982