Heterodox@s Galeg@s 01
Fina Galicia: Uma Diva ye-yé (1ª parte)
De Fina Galicia sabemos mais bem pouco. No meu arquivo pessoal conto
com alguns documentos onde reconheço a uma mulher formosíssima,
elegante e com uma voz que às vezes acada níveis de excelência.
Mas, com certeza, desconheço quase que tudo desta artista que
aparece arredor de 1955; que transita pelo cimo da sua popularidade
nos primeiros sessenta e cujo rastro dilui-se pouco a pouco ate se
converter numa espécie de personagem legendária. Anuncio desde já
que não tenho todas as respostas, mas sim quisera fazer uma primeira
aproximação que conduza à descoberta duma mulher corunhesa da que
fiquei, devo dizer, absolutamente fascinado.
De Josefa López
a Fina (Finita) Galicia.
Em 1958, El Pueblo Gallego (23 de agosto), publica uma
entrevista feita a Fina Galicia na que a cantante achega alguns dos
escassos dados biográficos que temos dela. Por uma das suas resposta
sabemos que o seu nome real era Josefina López, mas ela mudou seu
apelido polo de Galicia porque «nací
en la Coruña,
enxebre cien por cien; [y]
a que tuve empeño frente a consejos de
adoptar otros nombres ya tópicos, como “Granada”, “Andalucía”,
etc. este de mi tierra que tanto amo».
Também nos informa
de que seu instrutor foi o maestro Quiroga (1899-1988), o popular compositor de
Tatuaje ou Ojos verdes, proprietário duma editora e
duma academia onde selecionava e instruía a futuras estrelas.
Porém,
antes de 1958, e
apesar da sua juventude, a
cantante corunhesa já contava com um pequeno
curriculum que incluía
uma viagem a Venezuela e a México, périplo no
que deveu realizar atuações nalguns canais de TV, principalmente
venezolanos.
1955-1958. Das
noites do Morocco à tournée com o Festival en Gilacolor.
1954. As
primeiras notícias na imprensa que temos de Fina Galicia remontam-se
a 1954 e a relacionam com um dos géneros onde vai concorrer nestes
primeiros anos da sua carreira: o flamenco. Como se verá, compartirá
cenários com alguma das primeiríssimas figuras do cante da
pós-guerra, mesmo, nalgum caso, com os mais grandes: Manolo Caracol
e La Paquera de Jerez.
“Teatros.
Price.- 7 (¡éxito!):
Festival del cante. La Paquera de Jerez, Paco Isidro, Montoya, el
Posaero, el Culata y todos los ases de la baja Andalucía. 11 noche,
función homenaje a la Paquera de Jerez y 11 macarenos. Grandioso fin
de fiesta, com intervención de Manolo Caracol, Finita Galicia,
Camilín, Juanito Campos, Dolly Montenegro, Gloria y Shanfres, el
Pili, Adela Borja y principales figuras de la escena. ¡Será un
acontecimiento!”. Hoja del Lunes de Madrid, 27 de setembro de 1954
in https://aventurerosdelflamenco.blogspot.com
1955. A
continuaçao de pisar as tábuas do madrileno teatro Price, a
atividade da nossa biografada desloca-se a Barcelona, atuando na
Alameda del Cómico e, acabada a temporada de verão, no teatro
Victória com um programa de variedades. Não é até fins desse ano
que volta a Madrid, esta vez para atuar em Salas de Festa como o
cabaré Morocco, inaugurado só cinco anos antes.
Durante o biénio
1956-1957 não encontramos nenhum dado relacionado com Fina
Galicia na imprensa galega e espanhola. Pensamos que neste tempo
deveu ter alguma oferta, como já dissemos, para ir fazer as Américas, radicando-se em
Venezuela e, quiçá, deslocando-se para algum trabalho a México.
1958.
Manuel Gila Cuesta Gila (1909-2001) já era uma personagem muito
popular em 1958, principalmente pola sua participação numa dúzia
de filmes, nalgum deles como protagonista. O Festival en
Gilacolor, produção de José Mª Lasso de la Vega, um dos mais
grandes produtores e representante de artistas da época, vinha a ser
como um espetáculo de variedades com números intercalados entre os
monólogos do humorista madrileno. Portanto, um espetador podia rir
com as chamadas telefónicas do Gila e a um tempo desfrutar duma
vedete cantando e mostrando “palmito y salero”, um quadro de
baile flamenco, um conjunto vocal ou o genuíno ballet francês (sic)
“Las Gila girls”. E entre aquele elenco heterogéneo, a
colaboração especial da nossa Fina Galicia. Não sabemos se a
cantante corunhesa fez a gira completa de Gilacolor polo
estado espanhol, mas podemos localizá-la no mês de julho no teatro
Calderon de Barcelona e nos galegos García Barbón, Malvar e Rosalía
de Castro em agosto. Em qualquer caso, o projeto não durou mais de
uma temporada, quiçá apenas uns meses, já que neste mesmo ano
Fina Galicia ingressa no elenco do madrileno Teatro Fuencarral. Desta
etapa ficou para a posteridade a belíssima capa de Primer Plano,
Revista española de cinematografía, com um retrato da
cantante corunhesa de enigmática elegância.
Arquivo do Pico Rodríguez
A pé de página
podemos ler: “Fina Galicia. La sensación de Madrid. A su vuelta de
América y parte de Europa, Fina Galicia se presentó em el teatro
Fuencarral como primerísima figura de la canción, logrando ser
aclamada por su arte extraordinario, juventud y belleza”. Primer
Plano. 1958
1959-1963. A
vedete.
1959. Em
janeiro do 1959 Fina Galicia trabalha no espetáculo De lo bueno…
lo mejor, de Rafael Farina. No elenco, ademais deles dois,
encontramos nomes como Los Chimberos, Hermanas Bernal e Jorge
Sepúlveda.
1961. Não
sabemos o tempo que a cantante corunhesa passou com o cantaor
salmantino, mas não é até o ano 61 que volvemos encontrar anúncios
com seu nome, esta vez como estrela principal no cabaré Villa Romana
de Madrid.
Na frequente
alternância ou convivência entre a vedete e a cançonetista
pseudo-folclórica, Fina participa dum novo espetáculo, La sangre
morena, esta vez de Ochaíta e Valerio e música de Solano. Estes
três criadores de canções ostentam o duvidoso honor de ter
composto nada menos que o Porompompero. La sangre morena tinha
como primeiras figuras a El Príncipe Gitano, o da “icónica”
interpretação de In the ghetto, e a Dolores Vargas, irmã do
anterior, conhecida artisticamente como La Terremoto.
1962. Durante o ano 1962 não encontramos o seu nome anunciado
mais que entre as atrações dalguma sala de festas como a Teyma,
situada na madrilena praça Callao.
1963-1965. A
época dos Festivais de la Canción.
1963. Do 21
ao 23 de julho de 1963 celebrou-se na Praça de Touros de Benidorm o
V Festival Español de la Canción organizado pola R.E.M., ou o que é
o mesmo, a Red de Emisoras del Movimiento. Neste festival o prémio
principal e de maior quantia era para uma canção, não para quem a
interpretava, mas obviamente o prémio para o cantor ou cantora era
uma ajuda importante na procura dum espaço no competitivo mundo da
canção ligeira. Por ali passaram artista como Raphael, o Duo
Dinámico ou Julio Iglesias, assim que Fina Galicia deveu de ver
parte dos seus sonhos feitos realidade quando lhe foi concedido um
segundo prémio dotado com 20.000 pts. O No-do filmou parte do
evento, graças ao qual podemos ver uns poucos segundos de imagens em
movimento da cantante corunhesa.
No-Do TVE
Imediatamente depois
do seu sucesso no Festival de Benidorm grava para Zafiro um EP com
quatro das canções participantes: Viejo reloj, Suéñame,
Quédate e Cuándo y dónde. Na contracapa do disco
podemos ler uma nova referência ao seu périplo polas Américas:
“Su nombre no
suena aún em España todo lo que merece por la calidad
extraordinaria de su voz y por la personalidad de su estilo. Ello se
debe a que Fina Galicia há venido actuando hasta ahora em
Hispanoamérica.
Recorrió em
triunfal gira artística vários de aquellos países y actuó durante
una larga temporada em la televisión venezolana”.
Foto de Fina Galicia na capa duma partitura de Edicones Segovia
Arquivo do Pico Rodríguez
Como artista
exclusiva do selo Zafiro-Iberofon vai gravar uma série de E.P’s e
singles promocionais que nos proporcionam um pequeno catálogo de
canções da nossa artista:
Z-E 434 1963
Viejo reloj –
Ignacio Román-Rafael Jaén
Suéñame – Rafael
de León-Máximo Baratasy-Antonio Areta
Quédate – Ignacio
López García-Adolfo Garcés
Cuando y dónde –
Camilo Murillo-Antonio Segovia
Z-E 491 1963
Pobre Apolo - [Ignácio] Román-M[anuel]. Alejandro
Pasó el amor -
Román-M. Alejandro
Cabiar de vida -
Román-M. Alejandro
Desperté - Román-M.
Alejandro
00-7 Promocional
1964
Ciudad solitaria –
Doc Pomus-Mort Shuman
Es inutil –
Pieretti-Sonna-Privitera
00-8 Promocional
1964
Copacabana – J. de
Barro-A. Ribeiro
Un poncho y un
sombrero – D. Oace-G. Colonello
Cabe destacar como
nas gravações do 1963 os autores das canções são todos
espanhóis: os participantes do Festival de Benidorm e o Manuel
Alejandro, compositor reclamado polas grandes figuras. Embora, os temas dos
discos promocionais são todos êxitos internacionais
traduzidos ao castelhano.
Arquivo do Pico Rodríguez
Arquivo do Pico Rodríguez
1964. Zafiro
deveu querer apostar por Fina Galicia ao lançar estes discos
promocionais que a levaram, inclusive, a estar nas tradicionais
recepções de Franco nos jardins da Granja de San Ildenfonso, na
comemoração do 18 de julho. Esta recepção a que acudia o corpo
diplomático acreditado em Madrid, o Governo e as altas jerarquias da
nação, contava com atuações musicais em direto baixo a direção
dum velho conhecido da nossa cantante: o Maestro Quiroga. No ano 64,
nos jardins segovianos, cantou Fina Galicia diante de Franco e de
Carmen Polo e de lado de muitos outros artistas tais como Sara
Montiel, Juanita Reina, Luis Mariano ou Tony Leblanc.
Nesse mesmo ano acontece
algo que pode significar um cambio na carreira da cantante corunhesa.
Num programa da TVE emitido o 10 de maio de 1964, Fina Galicia canta
Uma noite na eira do trigo. O programa era um especial
dedicado a luita contra o cancro, transcorrendo parte dele em
Compostela. Não consegui ver estas imagens, polo que não sei que
instrumento e instrumentista a acompanhava.
O certo é que Zafiro, com a produção de Ignacio Roman, vai lançar
um L.P. em 1965 no que Fina Galicia interpreta um repertório
completamente em galego. O disco será chamado Alma gallega e
a cantante corunhesa estará acompanhada pola Agrupación Coral
Flolklórica de Cámara de Madrid, baixo a direção do mestre nado
em Ortigueira, Domingo Martínez Vieito. Na parte instrumental
participam o gaiteiro Antonio Garcia, o tambor Saturnino Clemente e
na guitarra, o próprio maestro Domingo M. Vieito.
Este conjunto de
canções serão reeditadas por Zafiro em múltiplas ocasiões e com
diferentes formatos, podendo encontrar-nos com E.P’s onde se
reduziram os cortes ou em L.P’s nos que as peças de Alma
gallega se misturaram com outras de diferentes discos,
intérpretes e géneros. Um destes pot-pourri, tal vez o mais
ilustre, é o que levou por título Voces do Pobo (1976), uma
cassete que viajou nos carros de todas as famílias progres da minha
geração.
O meu exemplar de
Alma gallega, um E.P. do 1966, leva no seu interior um libreto
em quatro línguas: castelhano, francês, inglês e alemão. O fato
de conter estas traduções fala-nos dum troco no paradigma. Agora
não se faz um produto para a emigração, para os galegos e galegas
em ultramar. Interessa mais aproveitar o turismo e mesmo, neste meu
exemplar, aparece um autocolante em dourados muito significativo:
Recuerdo de Ortigueira.
ZM-18 1965
01 N’a eira/ Ala
la – Domingos Martínez Vieito
02 Negra sombra –
Juan Montes-Rosalía de Castro
03 Ruliño/ Villancico (Popular) - Armonización: Domingo Martínez
Vieito
04 Alalá de Amoeiro
(Popular) - Armonización: Domingo Martínez Vieito
05 Son o mellor mariñeiro/ Popular – Armonización: Domingo
Martínez Vieito
06 Cando a terra
chama – Martínez Vieito
07 Pandeirada labrega/ Martínez Vieito
08 Foliada de
Ortigueira – D. Martínez Vieito
09 Alborada
gallega/Fragmento - Veiga
10 Unha noite na
eira do trigo – Curros Enríquez-Alonso Salgado
11 Meus amores –
Golpe-Baldomir
12 Aires
gallegos/Popular
1965. Em
1965, Fina vai participar no I Festival Hispano Portugués de la
Canción del Miño. No parque do Possio ganha um terceiro prémio,
por trás da portuguesa Maria Júlia e de Esther Gloria Prieto. Esta
última, filha de Julio Prieto Nespereira e sobrinha de Obdulia
Prieto Nespereira, obtêm também um segundo prémio como compositora
com a canção La voz del río.
Em setembro desse
mesmo ano, volvemos a localizar a nossa cantante em Barcelona, esta
vez atuando nas Ramblas, num espetáculo onde se levará a cabo a
eleição de Miss Artista 1965.
E depois disto, mais
nada. Perdo o rastro de Fina justo quando mais me apetecia saber
dela.
Conclusões.
Fina Galicia foi
cupletista, vedete, cantante ye-yé e até provou sorte na canção
de salão galega, acompanhada à guitarra pelo maestro Martínez
Vieito. Foi uma trabalhadora do espetáculo nas boates e
nos tablaos flamencos. Quis trunfar como uma Concha Piquer ou como
uma Concha Velasco, mas sem ter que renunciar às suas origens
galegas. Por isso mudou o nome e teve, desde um primeiro momento, o
projeto íntimo de cantar em galego. A sua biografia tem muito em
paralelo com outras mulheres bravas que procuraram um espaço
artístico longe da Galiza. Parece óbvio lembrar aqui à Ana Kiro.
Mas Fina Galicia deixa logo de ter presença nos médios e o seu nome
é ignorado na atualidade polos estudiosos das nossas músicas
populares. Oxalá este artigo deite alguma luz sobre Josefa López,
de nome artístico, Fina Galicia.
Breve audição:
Viejo reloj (Ignacio Román-Rafael Jaén) Zafiro (Z-E 434)
Pertencente ao disco com canções do Festival de Benidorm, esta peça foi composta por Ignacio Román, produtor, também para Zafiro, do disco Alma Gallega. Rafael Jaén (1915-1984) foi o compositor da famosíssima rumba Mi carro, de Manuel Escobar. Viejo reloj é um bolero cantado por Fina com uma voz muito elegante, fazendo uso dum vibrato típico da canção sudamericana.
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Pobre Apolo (Ignácio Román-Manuel Alejandro) (Z-E 491)
Esta peça faz parte do EP de canções compostas por Ignacio Román -mais uma vez- e Manuel Alejandro, criador de êxitos para Raphael ou Julio Iglesias, entre outros muitos. No áudio aprecia-se um reverb (disculpem se não é este exactamente o efecto utilizado) comumente usado nos anos 60. A voz de Fina está, na minha opinião, mais na onda de Marisol ou Rocio Durcal que na de Concha Velasco, mas, em qualquer caso, num estilo marcadamente ye-yé.
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Unha noite na eira do trigo ZM-18 1965
Quando um escuta a voz de Fina nesta versão do poema de Curros, pode apreciar as grandes dotes dramáticas da artista corunhesa. A gravação apenas tem um par de anos de diferença a respeito das anteriores e, sem embargo, a voz parece mais avelhentada, mais madura. Além disso, a cantora interpreta o texto até quase pronunciar a última frase num contido soluço. É evidente que nalguns portamentos a afinação entra em crise, mas resolve aceptavelmente e tem momentos onde a sua interpretação resulta absolutamente convincente.
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Um dos grandes descobrimentos para nós deste disco foi o de poder escutar as harmonizações e interpretações na guitarra de Domingo Martínez Vieito (Ortigueira, 1917-?) Este músico militar apaixonado da guitarra merece, e talvez algum dia fagamos, um trabalho de recuperação do seu legado musical.