quinta-feira, 20 de maio de 2021

nº 251 Fina Galicia: Uma Diva ye-yé (1ª parte)

 

Heterodox@s Galeg@s 01

Fina Galicia: Uma Diva ye-yé (1ª parte)

De Fina Galicia sabemos mais bem pouco. No meu arquivo pessoal conto com alguns documentos onde reconheço a uma mulher formosíssima, elegante e com uma voz que às vezes acada níveis de excelência. Mas, com certeza, desconheço quase que tudo desta artista que aparece arredor de 1955; que transita pelo cimo da sua popularidade nos primeiros sessenta e cujo rastro dilui-se pouco a pouco ate se converter numa espécie de personagem legendária. Anuncio desde já que não tenho todas as respostas, mas sim quisera fazer uma primeira aproximação que conduza à descoberta duma mulher corunhesa da que fiquei, devo dizer, absolutamente fascinado.  

De Josefa López a Fina (Finita) Galicia.

Em 1958, El Pueblo Gallego (23 de agosto), publica uma entrevista feita a Fina Galicia na que a cantante achega alguns dos escassos dados biográficos que temos dela. Por uma das suas resposta sabemos que o seu nome real era Josefina López, mas ela mudou seu apelido polo de Galicia porque «nací en la Coruña, enxebre cien por cien; [y] a que tuve empeño frente a consejos de adoptar otros nombres ya tópicos, como “Granada”, “Andalucía”, etc. este de mi tierra que tanto amo». 

Também nos informa de que seu instrutor foi o maestro Quiroga (1899-1988), o popular compositor de Tatuaje ou Ojos verdes, proprietário duma editora e duma academia onde selecionava e instruía a futuras estrelas.

Porém, antes de 1958, e apesar da sua juventude, a cantante corunhesa já contava com um pequeno curriculum que incluía uma viagem a Venezuela e a México, périplo no que deveu realizar atuações nalguns canais de TV, principalmente venezolanos.

 

1955-1958. Das noites do Morocco à tournée com o Festival en Gilacolor.

 

1954. As primeiras notícias na imprensa que temos de Fina Galicia remontam-se a 1954 e a relacionam com um dos géneros onde vai concorrer nestes primeiros anos da sua carreira: o flamenco. Como se verá, compartirá cenários com alguma das primeiríssimas figuras do cante da pós-guerra, mesmo, nalgum caso, com os mais grandes: Manolo Caracol e La Paquera de Jerez.

 

“Teatros.

Price.- 7 (¡éxito!): Festival del cante. La Paquera de Jerez, Paco Isidro, Montoya, el Posaero, el Culata y todos los ases de la baja Andalucía. 11 noche, función homenaje a la Paquera de Jerez y 11 macarenos. Grandioso fin de fiesta, com intervención de Manolo Caracol, Finita Galicia, Camilín, Juanito Campos, Dolly Montenegro, Gloria y Shanfres, el Pili, Adela Borja y principales figuras de la escena. ¡Será un acontecimiento!”. Hoja del Lunes de Madrid, 27 de setembro de 1954 in https://aventurerosdelflamenco.blogspot.com

 

1955. A continuaçao de pisar as tábuas do madrileno teatro Price, a atividade da nossa biografada desloca-se a Barcelona, atuando na Alameda del Cómico e, acabada a temporada de verão, no teatro Victória com um programa de variedades. Não é até fins desse ano que volta a Madrid, esta vez para atuar em Salas de Festa como o cabaré Morocco, inaugurado só cinco anos antes.

 

Durante o biénio 1956-1957 não encontramos nenhum dado relacionado com Fina Galicia na imprensa galega e espanhola. Pensamos que neste tempo deveu ter alguma oferta, como já dissemos, para ir fazer as Américas, radicando-se em Venezuela e, quiçá, deslocando-se para algum trabalho a México.

 

1958. Manuel Gila Cuesta Gila (1909-2001) já era uma personagem muito popular em 1958, principalmente pola sua participação numa dúzia de filmes, nalgum deles como protagonista. O Festival en Gilacolor, produção de José Mª Lasso de la Vega, um dos mais grandes produtores e representante de artistas da época, vinha a ser como um espetáculo de variedades com números intercalados entre os monólogos do humorista madrileno. Portanto, um espetador podia rir com as chamadas telefónicas do Gila e a um tempo desfrutar duma vedete cantando e mostrando “palmito y salero”, um quadro de baile flamenco, um conjunto vocal ou o genuíno ballet francês (sic) “Las Gila girls”. E entre aquele elenco heterogéneo, a colaboração especial da nossa Fina Galicia. Não sabemos se a cantante corunhesa fez a gira completa de Gilacolor polo estado espanhol, mas podemos localizá-la no mês de julho no teatro Calderon de Barcelona e nos galegos García Barbón, Malvar e Rosalía de Castro em agosto. Em qualquer caso, o projeto não durou mais de uma temporada, quiçá apenas uns meses, já que neste mesmo ano Fina Galicia ingressa no elenco do madrileno Teatro Fuencarral. Desta etapa ficou para a posteridade a belíssima capa de Primer Plano, Revista española de cinematografía, com um retrato da cantante corunhesa de enigmática elegância. 

 

Arquivo do Pico Rodríguez

 

A pé de página podemos ler: “Fina Galicia. La sensación de Madrid. A su vuelta de América y parte de Europa, Fina Galicia se presentó em el teatro Fuencarral como primerísima figura de la canción, logrando ser aclamada por su arte extraordinario, juventud y belleza”. Primer Plano. 1958

 

1959-1963. A vedete.

 

1959. Em janeiro do 1959 Fina Galicia trabalha no espetáculo De lo bueno… lo mejor, de Rafael Farina. No elenco, ademais deles dois, encontramos nomes como Los Chimberos, Hermanas Bernal e Jorge Sepúlveda. 

 

1961. Não sabemos o tempo que a cantante corunhesa passou com o cantaor salmantino, mas não é até o ano 61 que volvemos encontrar anúncios com seu nome, esta vez como estrela principal no cabaré Villa Romana de Madrid.

 

Na frequente alternância ou convivência entre a vedete e a cançonetista pseudo-folclórica, Fina participa dum novo espetáculo, La sangre morena, esta vez de Ochaíta e Valerio e música de Solano. Estes três criadores de canções ostentam o duvidoso honor de ter composto nada menos que o Porompompero. La sangre morena tinha como primeiras figuras a El Príncipe Gitano, o da “icónica” interpretação de In the ghetto, e a Dolores Vargas, irmã do anterior, conhecida artisticamente como La Terremoto. 

 

1962. Durante o ano 1962 não encontramos o seu nome anunciado mais que entre as atrações dalguma sala de festas como a Teyma, situada na madrilena praça Callao. 

 

1963-1965. A época dos Festivais de la Canción.

 

1963. Do 21 ao 23 de julho de 1963 celebrou-se na Praça de Touros de Benidorm o V Festival Español de la Canción organizado pola R.E.M., ou o que é o mesmo, a Red de Emisoras del Movimiento. Neste festival o prémio principal e de maior quantia era para uma canção, não para quem a interpretava, mas obviamente o prémio para o cantor ou cantora era uma ajuda importante na procura dum espaço no competitivo mundo da canção ligeira. Por ali passaram artista como Raphael, o Duo Dinámico ou Julio Iglesias, assim que Fina Galicia deveu de ver parte dos seus sonhos feitos realidade quando lhe foi concedido um segundo prémio dotado com 20.000 pts. O No-do filmou parte do evento, graças ao qual podemos ver uns poucos segundos de imagens em movimento da cantante corunhesa.

 

 

No-Do TVE

 

Imediatamente depois do seu sucesso no Festival de Benidorm grava para Zafiro um EP com quatro das canções participantes: Viejo reloj, Suéñame, Quédate e Cuándo y dónde. Na contracapa do disco podemos ler uma nova referência ao seu périplo polas Américas:

 

“Su nombre no suena aún em España todo lo que merece por la calidad extraordinaria de su voz y por la personalidad de su estilo. Ello se debe a que Fina Galicia há venido actuando hasta ahora em Hispanoamérica.

 

Recorrió em triunfal gira artística vários de aquellos países y actuó durante una larga temporada em la televisión venezolana”. 

 

Foto de Fina Galicia na capa duma partitura de Edicones Segovia

Arquivo do Pico Rodríguez

 

Como artista exclusiva do selo Zafiro-Iberofon vai gravar uma série de E.P’s e singles promocionais que nos proporcionam um pequeno catálogo de canções da nossa artista:

 

Z-E 434 1963

Viejo reloj – Ignacio Román-Rafael Jaén

Suéñame – Rafael de León-Máximo Baratasy-Antonio Areta

Quédate – Ignacio López García-Adolfo Garcés

Cuando y dónde – Camilo Murillo-Antonio Segovia

Z-E 491 1963

Pobre Apolo - [Ignácio] Román-M[anuel]. Alejandro

Pasó el amor - Román-M. Alejandro

Cabiar de vida - Román-M. Alejandro

Desperté - Román-M. Alejandro

00-7 Promocional 1964

Ciudad solitaria – Doc Pomus-Mort Shuman

Es inutil – Pieretti-Sonna-Privitera

00-8 Promocional 1964

Copacabana – J. de Barro-A. Ribeiro

Un poncho y un sombrero – D. Oace-G. Colonello

 

Cabe destacar como nas gravações do 1963 os autores das canções são todos espanhóis: os participantes do Festival de Benidorm e o Manuel Alejandro, compositor reclamado polas grandes figuras. Embora, os temas dos discos promocionais são todos êxitos internacionais traduzidos ao castelhano. 

 

Arquivo do Pico Rodríguez

 

 

 Arquivo do Pico Rodríguez

 

1964. Zafiro deveu querer apostar por Fina Galicia ao lançar estes discos promocionais que a levaram, inclusive, a estar nas tradicionais recepções de Franco nos jardins da Granja de San Ildenfonso, na comemoração do 18 de julho. Esta recepção a que acudia o corpo diplomático acreditado em Madrid, o Governo e as altas jerarquias da nação, contava com atuações musicais em direto baixo a direção dum velho conhecido da nossa cantante: o Maestro Quiroga. No ano 64, nos jardins segovianos, cantou Fina Galicia diante de Franco e de Carmen Polo e de lado de muitos outros artistas tais como Sara Montiel, Juanita Reina, Luis Mariano ou Tony Leblanc.

 

Nesse mesmo ano acontece algo que pode significar um cambio na carreira da cantante corunhesa. Num programa da TVE emitido o 10 de maio de 1964, Fina Galicia canta Uma noite na eira do trigo. O programa era um especial dedicado a luita contra o cancro, transcorrendo parte dele em Compostela. Não consegui ver estas imagens, polo que não sei que instrumento e instrumentista a acompanhava.

 

O certo é que Zafiro, com a produção de Ignacio Roman, vai lançar um L.P. em 1965 no que Fina Galicia interpreta um repertório completamente em galego. O disco será chamado Alma gallega e a cantante corunhesa estará acompanhada pola Agrupación Coral Flolklórica de Cámara de Madrid, baixo a direção do mestre nado em Ortigueira, Domingo Martínez Vieito. Na parte instrumental participam o gaiteiro Antonio Garcia, o tambor Saturnino Clemente e na guitarra, o próprio maestro Domingo M. Vieito.

 

Este conjunto de canções serão reeditadas por Zafiro em múltiplas ocasiões e com diferentes formatos, podendo encontrar-nos com E.P’s onde se reduziram os cortes ou em L.P’s nos que as peças de Alma gallega se misturaram com outras de diferentes discos, intérpretes e géneros. Um destes pot-pourri, tal vez o mais ilustre, é o que levou por título Voces do Pobo (1976), uma cassete que viajou nos carros de todas as famílias progres da minha geração.

 

O meu exemplar de Alma gallega, um E.P. do 1966, leva no seu interior um libreto em quatro línguas: castelhano, francês, inglês e alemão. O fato de conter estas traduções fala-nos dum troco no paradigma. Agora não se faz um produto para a emigração, para os galegos e galegas em ultramar. Interessa mais aproveitar o turismo e mesmo, neste meu exemplar, aparece um autocolante em dourados muito significativo: Recuerdo de Ortigueira.

 

  ZM-18 1965

01 N’a eira/ Ala la – Domingos Martínez Vieito

02 Negra sombra – Juan Montes-Rosalía de Castro

03 Ruliño/ Villancico (Popular) - Armonización: Domingo Martínez Vieito

04 Alalá de Amoeiro (Popular) - Armonización: Domingo Martínez Vieito

05 Son o mellor mariñeiro/ Popular – Armonización: Domingo Martínez Vieito

06 Cando a terra chama – Martínez Vieito

07 Pandeirada labrega/ Martínez Vieito

08 Foliada de Ortigueira – D. Martínez Vieito

09 Alborada gallega/Fragmento - Veiga

10 Unha noite na eira do trigo – Curros Enríquez-Alonso Salgado

11 Meus amores – Golpe-Baldomir

12 Aires gallegos/Popular  

 

1965. Em 1965, Fina vai participar no I Festival Hispano Portugués de la Canción del Miño. No parque do Possio ganha um terceiro prémio, por trás da portuguesa Maria Júlia e de Esther Gloria Prieto. Esta última, filha de Julio Prieto Nespereira e sobrinha de Obdulia Prieto Nespereira, obtêm também um segundo prémio como compositora com a canção La voz del río.

 

Em setembro desse mesmo ano, volvemos a localizar a nossa cantante em Barcelona, esta vez atuando nas Ramblas, num espetáculo onde se levará a cabo a eleição de Miss Artista 1965.

 

E depois disto, mais nada. Perdo o rastro de Fina justo quando mais me apetecia saber dela. 

 

Conclusões.

 

Fina Galicia foi cupletista, vedete, cantante ye-yé e até provou sorte na canção de salão galega, acompanhada à guitarra pelo maestro Martínez Vieito. Foi uma trabalhadora do espetáculo nas boates e nos tablaos flamencos. Quis trunfar como uma Concha Piquer ou como uma Concha Velasco, mas sem ter que renunciar às suas origens galegas. Por isso mudou o nome e teve, desde um primeiro momento, o projeto íntimo de cantar em galego. A sua biografia tem muito em paralelo com outras mulheres bravas que procuraram um espaço artístico longe da Galiza. Parece óbvio lembrar aqui à Ana Kiro. Mas Fina Galicia deixa logo de ter presença nos médios e o seu nome é ignorado na atualidade polos estudiosos das nossas músicas populares. Oxalá este artigo deite alguma luz sobre Josefa López, de nome artístico, Fina Galicia.

 

Breve audição:

 

  Viejo reloj (Ignacio Román-Rafael Jaén) Zafiro (Z-E 434)

 

Pertencente ao disco com canções do Festival de Benidorm, esta peça foi composta por Ignacio Román, produtor, também para Zafiro, do disco Alma Gallega. Rafael Jaén (1915-1984) foi o compositor da famosíssima rumba Mi carro, de Manuel Escobar. Viejo reloj é um bolero cantado por Fina com uma voz muito elegante, fazendo uso dum vibrato típico da canção sudamericana. 

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    Pobre Apolo (Ignácio Román-Manuel Alejandro) (Z-E 491)

 

Esta peça faz parte do EP de canções compostas por Ignacio Román -mais uma vez- e Manuel Alejandro, criador de êxitos para Raphael ou Julio Iglesias, entre outros muitos. No áudio aprecia-se um reverb (disculpem se não é este exactamente o efecto utilizado) comumente usado nos anos 60. A voz de Fina está, na minha opinião, mais na onda de Marisol ou Rocio Durcal que na de Concha Velasco, mas, em qualquer caso, num estilo marcadamente ye-yé.

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 Unha noite na eira do trigo ZM-18 1965

Quando um escuta a voz de Fina nesta versão do poema de Curros, pode apreciar as grandes dotes dramáticas da artista corunhesa. A gravação apenas tem um par de anos de diferença a respeito das anteriores e, sem embargo, a voz parece mais avelhentada, mais madura. Além disso, a cantora interpreta o texto até quase pronunciar a última frase num contido soluço. É evidente que nalguns portamentos a afinação entra em crise, mas resolve aceptavelmente e tem momentos onde a sua interpretação resulta absolutamente convincente. 

Escutar aqui

 

Um dos grandes descobrimentos para nós deste disco foi o de poder escutar as harmonizações e interpretações na guitarra de Domingo Martínez Vieito (Ortigueira, 1917-?) Este músico militar apaixonado da guitarra merece, e talvez algum dia fagamos, um trabalho de recuperação do seu legado musical. 

 

6 comentários:

Mónica Touriño disse...

Por se te interesa, en Portugal véndese este single de Fina:
https://pt.todocoleccion.net/discos-vinil/fina-galicia-un-poncho-un-sombrero-copacabana-7-single-1964-zafiro-promo-ex~x54236652

Mónica Touriño disse...

Non sei porque aparece o nome de Mónica, pero non foi ela, son Anxo

Mónica Touriño disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
José Luís do Pico Orjais disse...

Caro: Obri, já o tenho. Em quanto possa vou por no meu canal outro vídeo de teus pais. Beijinhos a Carmem e @s peques.

Anónimo disse...

Ese autocolante dourado no disco, co recordo de Ortigueira, é marca da casa do meu pai. Púñallo a todos os artigos de recordo que vendía na tenda, que mercaban moitos emigrantes que viñan de volta pasar as vacacións a Ortigueira nos anos 60/70. Recordo perfectamente a Martínez Vieito na miña casa co meu pai. Tamén a presentación do disco Alma Gallega na discoteca La Perla, de Ortigueira, coa participación da Escola de Gaitas tocando a Foliada de Ortigueira. Teño algún deses vinilos. Se necesitas poido facerche chegar copias.

Alfonso Cheda

José Luís do Pico Orjais disse...

Obrigado, Alfonso. Tenho toda a discografia de Fina, mas obrigado polo oferecimento. Infelizmente desconheço se Fina está viva. Ela poderia contar muito da sua história, que é fantástica. Também de Martínez Vieito gostaria de ter algum contato para falar da sua obra. Sei que o seu filho morreu em Madrid, mas a obra de Martínez Vieito está por estudar e acho que paga muito a pena. Abraço.