segunda-feira, 30 de novembro de 2009

nº 75 Uma tarde na praça de Lourdes.


A praça de Lourdes, coração do bairro bogotano de Chapinero, é um dos lugares mais fantásticos nos que tenho estado. Um tem a ideia de que em qualquer momento pode acontecer qualquer coisa. Sentado nas escadas que conduzem ao templo, situas-te como um espectador duma animada obra de teatro, tal vez uma versão da Corte dos Milagres, onde tudo é possível.

Vendedores, fura-vidas, beatos, namorados, exércitos de limpa-botas, alugadores de celulares, fraudadores, etc.; um elenco variado e sempre disposto a nos deslumbrar.

Entre os trabalhadores da praça, os limpa-botas, aqui chamados emboladores, são uma espécie de aristocracia, sentados nos seus tronos, à sombra dos seus guarda-chuvas/sois, na espera de que algum transeunte peça os seus serviços. Os bogotanos cuidam muito o seu aspecto físico, mesmo que os seus fatos ou complementos sejam extremamente modestos.

Na seguinte fotografia pode-se ver ao embolador que mais me chamou a atenção. O cadeirão onde se senta o cliente é mesmo luxuoso. O espaldar lavrado e com barrotinhos elegantes que dão ao assento um aspecto colonial. Na base, umas pequenas rodinhas permitem um cómodo traslado. À esquerda, uma cadeira de plástico, quiçá por se o cliente vem com acompanhante. Por último, o limpa-botas veste uma samarra da Seguridade Privada, ofício que ocupa a milhares de pessoas em Bogotá, situando elementos intimidanteS à entrada e no interior de cada negócio.

Más na praça de Lourdes tudo está em venta. Em pequenos postos oferecem-se obreias com arequipe, abacates, cigarros por solto (com direito a fazer uso do isqueiro), cachorros-quentes (nas proximidades dum MacDonals), fruchetas (espetos de frutas banhadas em chocolate), etc.

Moços e moças alugam-te celulares a 150 pesos o minuto. Podes comprar os últimos êxitos do cinema (2012, a mais oferecida), ténis, óculos, artesanias, etc.

Nos dias que nos estivemos na praça, quadrou com uma feira do livro e diversas performances que propiciou que a minha filha Dália Sofia acudira ao seu primeiro concerto a ao seu primeiro conta contos.



Porém, o que mais me impressionou desta praça é que supõe um corte na Carrera 13. Cara ao sul, as tendas, a gente na rua, amostra-nos as quadras mais populares. As calçadas são incómodas, ocupadas por vendedores com os seus pequenos postos, milhares de pessoas a transitar, o cheirinho das modestíssimas lojas de comida. Cara ao norte, as vivendas melhoram. A cada passo descobres prédios históricos com formosas fachadas de tijolo, cujo aspecto é mesmo dublinense. A hostelaria vai melhorando, adentrando-te num mundo novo que te levará à chamada zona G, onde podes encontrar tudo quanto desejes, sempre que o possas pagar.

Para mim, esta Carrera 13 segmentada pela igreja de Lourdes é uma metáfora de Bogotá. Nesta Colómbia milionária em recursos, o 90% dos meninos e jovens pobres entre 9 e 17 anos trabalha. Resulta desolador ver grandes espaços reservados para uma minoria, uma Colómbia gourmet afastada da realidade da arepa e o tapal. Nos informativos escutas como cada dia morre gente pela violência organizada das FARC, ELN, Paramilitares, o narcotráfico que o envolve tudo. O estado de corrupção é generalizado e quando um observa a certos dirigentes tem de se perguntar como pode funcionar qualquer coisa.

No país da cor, dos sabores, da amabilidade, para mim é insuportável conviver com a carência da mais elementar justiça social. Como metáfora de todo isto, a Igreja de Lourdes estava tomada pelos cadetes da Policia colombiana. Ao perguntar o porquê de tanta presença armada no templo alguém diz que estavam à espera de uma nova vaga de desplazados (deslocados).

- Que são os desplazados? perguntei.

- São pessoas que vêm das montanhas, muitos indígenas, de onde foram expulsos pelas guerrilhas.

Por um momento fui ingénuo e achei que os polícias vieram para ajudar a acomodar às vítimas deste drama nacional. Não era assim, faziam guarda para impedir a sua entrada no refúgio. O que se diz verdadeira caridade cristã.

2 comentários:

Isabel disse...

Bem vindo, Pepe, e bem vinda Dália Sofia, a flor da sabedoria!

Deslocados pelas guerrilhas? Será pelas batalhas que se travam nos montes entre os resistentes e os oficiais, como sempre. Deslocados há em todas as guerras do mundo, são aqueles que fogem da guerra, por isso o governo, protagonista e promotor da guerra não quer saber nada com eles. Sempre igual.

Bom que Dália não sofrerá as consequências disso. Feliz Ano Novo!

José Luís do Pico Orjais disse...

No mato colombiano há gentes das Farc, do ELN, dos paramilitares, dos cárteres da droga... A sua é uma guerra de guerrilhas com sequestros, emboscadas, minas anti-pessoa. Se algo aprendi nesta viagem é que em Colómbia não há revolucionários, insurgentes nos chamados movimentos de libertação. Faz tempo que perderam o direito a ser chamados assim. As Farc ou o ELN não podem justificar o muito dano que generam aos mais desfavorecidos. O que si justificam é a um caudilho latifundiário como Uribe, que governa graças as suas supostas vitórias fronte às Farc e os cárteres. O resumo de tudo isto é que há uma massa de povoação que vive na miséria e que tem que reagir, como está a acontecer noutros países de América. Esta malta de indígenas e pretos, odeiam por igual a paramilitares e as farc, porque qualquer de estes dois violam as suas mulheres, colocam minas em botes de coca cola ou espoliam as suas colheitas e os expulsam. Eu estou com esta gente que como em Bolívia hão ganhar o poder nas urnas. O futuro de América está no indigenismo.
Bom Natal, cara Isabel. A Dália tem ganhas de conhecer-te. Tens de visitar-nos já. Beijos.