Ninguém pode ler tudo o que é preciso para estarmos conformes. Eu nem tão sequer posso pretender abranger os vários milhares de volumes que possuo, assim que quiçá deveria pensar em não comprar mais um livro. Mas, o vício pode comigo. O mesmo que os ludópatas sentem uma força que os atrai as máquinas de jogo, eu não posso superar o impulso irrefreável de cruzar a soleira da livraria e comprar um pacote de folhas impressas. E então, que fazer? Como avaliar aquilo que deves ler e o que resulta, quando menos, prescindível?
A minha vida como leitor mudou significativamente apôs o encontro com Pensamiento, palabras y música (1998) [Edaf;Madrid] de Arthur Schopenhauer (Danzig, 22 de Fevereiro 1788 — Frankfurt, 21 de Setembro 1860) . O filósofo alemão, tão amigo das frases lapidárias, tem muito claro quando devemos começar a ler: «Uma pessoa somente deve ler quando a fonte de seus pensamentos próprios seca.» E acrescenta: «Deste modo, todo aquele que realmente pensa por si é como um monarca – sua posição é absoluta, não reconhece ninguém acima de si.» Resulta evidente, pois, que uma pessoa que lê compulsivamente é um ser medíocre, porque apenas tem tempo para reflexionar sobre o lido.
Temos que, sempre seguindo o velho carrancudo de Danzig, descartar o preconceito de as pessoas mais sabidas ser as mais lidas. Um homem sábio é aquele quem de ter pensamentos próprios, mas há um pequeno problema: «Um homem sempre pode sentar-se e ler – mas não pensar.»
Faz muitos anos , num tempo em que o meu pai não andava muito bem da saúde, tive de viver na casa dum colega seu. Eu era um pré-adolescente, mas já um ávido leitor. Quando rematei o livro que levara comigo fiquei sem saber que fazer, aborrecido e intimidado numa casa onde não conhecia a ninguém. A mulher do colega do meu pai deveu perceber o meu tédio, e como por telepatia perguntou:
- Olha! queres que te deixe um livro?
Eu que vira todas as prateleiras cheias de pratos, jarros e lembranças de bodas e comunhões não dava crédito.
-Quero, sim, por favor.
Supunha que a seguinte pergunta a me fazer a senhora trataria sobre os meus gostos literários. Mas não. Virou as costas e adentrou-se num pequeno quarto onde tinha arrumados calçado e produtos de limpeza. Por fim, pôs diante minha um tambor de detergente a transbordar de novelinhas de vaqueiros, quase que todas do Estefanía.
Nunca lera uma de aquelas historias absurdas e também não o volvi fazer , mas hoje é provado que um pré-adolescente pode ler o contido em novelas dum tambor de detergente no prazo exacto duma semana.
Daquela doença, meu pai já não se recuperou mais. Durante o tempo que estive na casa do seu colega, os breves romances de bangue-bangue foram uma leitura terapêutica, evasiva, que me impediu de pensar no que estava a acontecer com o meu pai.
Tudo isto para concordar com o Schopenhauer. Certamente a leitura aos molhos é contrária à reflexão. Temos que procurar lugares e momentos em que a nossa mente só esteja ocupada em meditar sobre o que for. É preciso localizar o problema, identifica-lo e esmiuça-lo até conheçe-lo por completo, e depois, ficar a sós com um mesmo para chegarmos à sua resolução.
Por último, respondamos a pergunta antes formulada: que ler? Entre tanto monte de possibilidades a melhor escolha é sempre acudir aos autores consagrados. Algumas mentes pós-modernas consideram que todo o velho está desfasado, que a ciência vai progredindo por acumulação de modo que o novo substitui sempre ao antigo. Isto pode ser possível nas chamadas ciências puras, mas não é assim nas humanas. Resulta muito mais fornecedor para o espírito e a mente dum indivíduo ler a Cícero que a maioria dos filósofos modernos, os quais, as mais das vezes, ocultam a sua falta de originalidade presentando-se como neo-algo.
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