sábado, 24 de novembro de 2012

nº 151 Um artigo sobre Faustino Rei Romero musicado.

O passado verão pediram-me um artigo para a revista das Festas da Guadalupe de Rianjo, uma publicação com contidos locais duma grande qualidade e tradição. É para mim uma honra compartilhar publicação com amigos como Brea Rei ou Jesus Santos e não deixa de ser um jeito de me apresentar como rianjeiro, sem por isso renunciar a minha patente de carcamão. O meu trabalho fala dum poema, Canta, passarinho, canta e do seu autor Faustino Rei Romero. A minha achega ao autor está feita desde um ponto de vista musical, já que se dá a circunstância que de sobre este poema fizeram-se magníficas canções por autores tão importantes como Frederico de Freitas, Rogélio Grova ou o rianjeiro Manuel Vicente Figueira.
Se quereis dar-lhe uma vista de olhos ao meu artigo aqui vos deixo o PDF.  

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

nº 150 O neno e o velho

É sabida a minha admiração por Manuel António, quase diria que devoção por aquele que foi mestre de poetas, navegante profissional e músico amador. Gostava da sua poesia e agora estou louco pela sua prosa a qual chegou a nós graças ao volume editado para a R.A.G. por Xosé Luís Axeitos.
O trabalho do académico rianjeiro é fantástico, presentando-nos os textos tal como os escreveu no seu dia Manuel António e com breves notas eruditas, e não mais das necessárias.
Suponho que hei tornar a esta publicação para dar a minha opinião sobre os textos manuelantonianos, mas hoje, próximos ao dia de defuntos, quero publicar um conto gráfico, abusando dum texto extraído deste volume de prosas, concretamente da página 63, por se alguém quer consultar o texto completo e na grafia original.


Para quem quiser o pdf: aqui

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

nº 149 Graffiteiros do passado V

Moinho de Sobrido, Abuim, Rianjo.

No lugar de Abuim há um canto especialmente formoso. Trata-se dum cais e uma praia que nos mapas aparece nomeada como Enseada do Pico. A este lugar vai morrer um regato que alimenta dois moinhos a través duma levada de pedra perfeitamente conservada apesar do seu lamentável abandono.
O moinho mais próximo ao mar é de grande tamanho e segundo contou um vizinho foi feito no século XX. A só uns metros deste, cara ao interior do monte, há outro de reduzidas dimensões, um moinho como tantos outros dos existentes em Rianjo. Porem, esta construção tem uma singularidade. Num pé direito da porta de entrada há gravado um signo que me deixou fascinado.


Sobre a função desta marca não posso dar uma explicação. Não tenho, como em tantos outros casos, nenhuma informação histórica ou mesmo folclórica para saber que levou a um ser humano a riscar estas gravuras numa pedra. O que sim podemos é dizer que nos encontramos ante um exemplo magnífico, sem dúvida alguma, de arte popular.
Em primeiro lugar destaca o tamanho, 40 cm de alto e 38 cm ao largo, no ponto de maior comprimento. Isto unido a que está num lugar principal, bem a vista, é de supor que foi posto precisamente para isso, para ser visto.
Tipologicamente poderia estar aparentado com o que encontramos no lugar de Meiquiz, postagem nº 143, ou incluso com a cruz da Aldeia Velha de Abuim, postagem nº 113, fotografia nº 50. No caso da Aldeia Velha o motivo parece plenamente cristiano, com certa semelhança com os denominados pelos amadores dos graffitis lignum crucis, havendo exemplares idênticos a este em muitos muros da Galiza e do resto da cristandade. Porem, o exemplar do moinho de Sobrido é muito singular.
As pedras que formam a porta têm várias cruzes cristãs às que habitualmente se lhes associa um carácter profiláctico. Eu localizei duas muito evidentes, mas é possível que haja alguma mais. Poderia ser o signo do que estamos a falar também uma marca preventiva? Pois é possível, mas tão possível como que seja qualquer outra coisa. De termos que apostar por algo, eu decantaria-me por defini-la como uma marca de propriedade. A razão da minha escolha tem muito de intuitiva, mas também obedece a que nas saídas efectuadas pelos montes e os caminhos de Rianjo, há uma clara concentração de este tipo de marcas na zona compreendida pelos lugares de Leiro, Meiquiz, Abuim.., mesmo chegando até a própria paróquia de Rianjo. Em Taragonha e o Araño há, certamente, muitas cruzes, mas não encontrei exemplares tão especiais como o do Moinho de Sobrido. 


Lugar de Abissínia, montes de Rianjo.

A segunda das marcas que quero comentar está na paróquia de Rianjo, no lugar conhecido como Abissínia. A gravura fica sobre uma pedra que ultimamente sofreu algum deterioro ao praticar-se-lhe a finca uma corta muito agressiva. 


O primeiro dos desenho é muito conhecido, representando uma balestra.



A representação deste artefacto de caça ou bélico resulta dum grande naturalismo, já que se o comparamos com um exemplar real vemos que não lhe falta detalhe. O artista deveu traçar uma linha recta a que lhe foi acrescentando o resto dos motivos. Segundo isto, a primeira risca curva começando pela direita representa o gatilho. A continuação com uma só linha desenharia o arco e a corda que impulsam a seta. Por último um quadrado pegado ao arco simula o estribo, que se usava para colocar o pé e auxiliar no esticado da corda.

Numa ilustração do incunábulo Heidelberger Totentanz, ilustrado por Heinrich Knoblochtzer, podemos ver, alem do esqueleto-músico, a um soldado com uma balestra de estribo, similar ao exemplar de Abissínia.

Assim como a balestra desta rocha é muito conhecida e já foi documentada com anterioridade, há outra a poucos centímetros que considero a dia de hoje inédita. 


Poderia tratar-se da representação duma escoda, uma ferramenta de canteiro que leva uma superfície plana com fio por um extremo e um punteiro pelo outro. Existem muitas representações de escodas medievais em muros, como marcas de canteiros, e também alguma escultura formosíssima como os cançorros que podemos ver na web Caminando entre el románico.


Porém, eu não conheço nenhuma gravura duma escoda numa rocha a flor de terra. Suponho que existirá,  mas deve ser um motivo muito esquisito. Qual é a razão de aparecer aqui e a que época pertence?
De estar no certo de que se trata duma escoda, haveria que pensar numa marca de canteiro, colocada ai em época histórica. Para ser mais concretos quanto à sua funcionalidade e idade deveríamos observar detidamente o contexto.
A apenas um quilómetro em direção leste há uma pedra sobre a que se gravaram muitos signos, mas na que destacam duas letras de grandes proporções, uns 28 cm de alto, e um signo que não logro identificar.  


Nesta rocha, também a flor de terra, lê-se claramente um M e quiçá uma J, numa caligrafia que me lembra muito os documentos notariais do século XVIII, como o cadastro do Marquês da Ensenada. Mas a pedra tem muitos outros signos que estão semi-ocultos pela terra e as folhas ou muito erodidas. Por trás desta pedra, subindo monte acima, vemos os restos duma canteira, os cons escachados, trabalhados de tal jeito, que os refugalhos ficam por toda a parte.

Com todos estes dados à vista, podemos lançar a hipótese de que tanto a escoda como as letras M e J são marcas de canteiro para delimitar um território, um lugar de trabalho, uma canteira. Considero uma e outra pertencem a épocas diferentes, quiçá com vários séculos de diferença. Mas, se isto é assim, que faz a balestra neste contexto pica-pedreiro?
Já se sabe que há muitas balestras gravadas em perpianhos de igrejas ou de castelos. A sua interpretação é tão hipotética como a de qualquer outra marca de canteiro. Uma coisa que me surpreende de muitas destas interpretações é que quase todas são indocumentadas e carecem de lógica histórica. Nascem da mera impressão, sendo por isto que deveram denominar-se interpretações impressionistas. Na minha opinião nada nos diz que, por exemplo, a um único signo tenhamos que dar-lhe um único significado. Como se sabe o signo linguístico pode ser polissémico e um ícone pode alcançar significações diferentes dependendo do seu contexto. Pensemos na rocha de Abissínia. Se a escoda representa aos pedreiros, coisa lógica sendo todo esse monte uma canteira de granito longamente explorada, a balestra pode ser associada à caça, ao campo militar e até aos próprios pedreiros, dado que outros exemplares foram gravadas em muros, como já disse. 
É por isso que devemos conformar-nos com dar alguns dados certos sobre a gravura e deixar que peritos na matéria acheguem as suas explicações. 


1º A ponta da seta está indicando a direcção sul, com uma mínima deriva cara ao leste com respeito ao norte magnético. Por tanto a recta sobre a que se desenha a balestra e os extremos do arco indicariam quase a cruz duma rosa dos ventos.

2º O disparo duma balestra era uma medida de longitude usada em diversas épocas históricas com medidas que segundo épocas e lugares oscilavam entre uns 150 metros e não mais de 300. Esta oscilação é lógica tendo em conta os progressos na fabricação do aparelho.


quinta-feira, 4 de outubro de 2012

nº 148 Noturno sambado

Noturno sambado.
-Para cantores antigos-

Sou poeta da libertação
sou cantor dum pais futuro
sou a voz que vai gritar
sou a luz longe do escuro
sou a mão que vai pegar
na viola que não cala
sou a ponte pra cruzar
este rio que separa

mas não sou quem de você
quando a noite faz
escurecer a praia.

Sou o ombro pra chorar
quando vem a desventura
sou a ponta do iceberg
sou a cabeça mais dura
sou aquele que escreveu
no caderno da esperança:
«quando nasçam nossos filhos
vamos melhorar a raça»

mas não sou quem de você
quando a noite faz
escurecer a praia.

Sou a prova irrefutável
de que a Pátria é necessária
eu sem a Terra seria
como prantinha arrancada 
levo prendido do peito
um cravo verde e vermelho
e nas mãos, SEMPRE NA LUTA,
uma fouce e um martelo.

mas não sou quem de você
quando a noite faz
escurecer a praia.

Letra duma canção que compus na adolescência
da que já não lembro a música.


sábado, 22 de setembro de 2012

nº 147 As portas de Isorna.

Cada vez que saio com a bici pelo concelho de Rianjo venho com a câmara cheinha de fotografias e a cabeça ainda mais abarrotada de perguntas. As últimas têm a sua origem na paróquia de Isorna, quiçá a menos rianjeira das seis que conformam o concelho.
Não se pode entender a história de Rianjo sem compreender que durante séculos foi cabeça da jurisdição eclesiástica da mitra compostelana, com um território muito mais basto do que hoje ocupa o concelho. Também não há que esquecer que a paroquia ulhã de Isorna pertenceu ao concelho de Cordeiro até o 1835. Este singular território municipal dividido por um rio da entidade do Ulha, reforça a ideia de conjunto que têm as duas margens no controlo do aceso a Compostela, não só desde um ponto de vista militar, Torres do Oeste - Monte das Cercas, senão também económico, dada a intensa circulação de mercadorias e passageiros que sempre houve nesse espaço.
E em Isorna há vestígios arquitetónicos que evocam esta relação compostelana, quando menos ao meu parecer, e que por alguma razão que desconheço passaram inadvertidos nos trabalhos académicos e até nas guias turísticas. Inclusive, não sei se estarão inventariadas dentro dos bens patrimoniais a proteger, mas muito me temo que não. 
No lugar de Isorna, o primeiro grupo de casas vindo desde Quintáns, há um formoso grupo de casas de planta baixa, das quais alguma está sendo usada como corte de animais. A primeira tem uma porta espetacular, com dois mochetas sobre a que descansa uma grande loisa na que poderia haver restos de epigrafia.



Nas cabeças das mochetas há esculpidas uma venera e um pinheiro.



A venera cabe liga-la a Compostela e o pinheiro, a São Martinho Pinário?
Em Rianjo há várias portas de estas características. Quanto ao estilo, porta com dintel e mochetas decoradas, eu conheço, além desta, outras três. 
A primeira está na costinha da igreja de Santa Columba, um edifício com uma fachada nobre e brasonada. Não publico foto porque na actualidade está cercado com uns arames que tornam feia a costa, a fachada e as fotografias. Um dos mochetes desta casa também tem uma vieira esculpida.
A segunda está no lugar de Meiquiz, perto do campo das graneiras, e, desta volta, os motivos esculpidos são uma cara e uma flor.

A terceira, para mais surpresa minha, está na mesma Isorna, no lugar de Sestelo. Forma parte do cerre duma leira próxima a estrada que cruza a paróquia.


É que há no mochete? Pois sim, uma vieira.


Hoje, como dizia ao princípio, sai na bici desde Rianjo até Isorna e aproveitei para visitar um caminho que vi por primeira vez no 2006, depois dos incêndios. Está subindo do lugar de Isorna cara o monte até desembocar na autovia. Tem pedaços onde o enlousado do caminho está muito bem conservado e se aprecia a rodada dos carros marcada na pedra. A cada lado aparecem muros de rochas enormes e colocadas com engenho para conter os terrenos que ficam a altura das nossas cabeças. É para ver. 




Perdido no monte pude ver coisas bem bonitas, incluso pedras com formas caprichosas, ou quiçá não tanto?



sábado, 15 de setembro de 2012

nº 146 Amêijoas com unto.

Para mim, a rainha de todos os tipos de amêijoa que se marisqueia e se prepara nas nossas rias é a amêijoa encarnada, Venerupis rhomboides, chamada fora da Arousa, rubia e em Portugal, amêijoa-vermelha. E de todas as formas de preparar esta delicatessen eu escolheria as Amêijoas com unto.
A receita é muito doada. Só há que colocar umas batatas no fundo da panela e cobrir de água. Botar-lhe um pedacinho de unto galego, chega com um dado, e cobrir com os bivalves que se abrem e deitam todo o mar que levam dentro fazendo um caldo marinho extraordinário. Quando vão estar as batatas prova-se o sal e decide-se quanto precisa, mas vai ser só uma pitada. Uns minutos mais e pronto para comer.
Deveríamos situar este prato na denominada cozinha pobre marinheira, é dizer, uma refeição acessível para as pobres economias dos marujos, que procuravam no marisco uma fonte de alimentação próxima e livre, como se véu fazendo desde a pré-história até a época moderna. As amêijoas, ao igual que outros bivalves como o mexilhão, são uma fonte rica em ferro, e o unto supõe uma achega proteínica que faz deste prato um alimento muito interessante para os corpos anémicos dos anos da fome.
A senhora idosa que me falou e deu a receita das Amêijoas com unto aborrecia deste prato. Dizia que o comera tantas vezes quando criança que não podia nem escutar falar dele.

Outros pratos da Arousa:

Polvo à moda da Arousa
Gaspacho arousão


sábado, 8 de setembro de 2012

nº 145 A cruz sepultada.

Com o título desta postagem, A cruz sepultada, tentei definir em poucas palavras o que sinto cada vez que atravesso o adro da igreja de Santa Columba em Rianjo e olho para o arranque dum dos seus contrafortes. O que vejo é exactamente isto:


Se reparam no perpianho que está no centro da fotografia, verão parte dum bloco de pedra onde há gravada uma cruz inscrita numa circunferência. Obviamente há que ser muito ousado para dizer que é exactamente o que contém esta pedra meio oculta, e eu sou de natural cobarde. Mas quisera fazer algumas reflexões e algo de ciência ficção, sem que isto sirva de precedente.
Sempre que estou à beira do gravado pergunto-me quanto pode custar que um arqueólogo, um técnico de património e algum que outro operário municipal façam o seguinte:

- Levantar alguma pedra do adro, fazer uma pequena escavação e descobrir o perpianho para que se veja a cruz na sua totalidade.

- Depois de tomar notas, medidas e fotografias tornar a deixa-lo todo como estava.

Considero que isto não havia custar muito dinheiro. Tecnicamente é possível? Acho que sim.

O ganho com esta operação arqueológica não seria menor. Tenhamos em conta, e por pura lógica, que se a cruz está nos cimentos da igreja, tem de pertencer a uma obra contemporânea ou anterior a mesma. Existem dados bem contraditórios ou pouco claros sobre a datação de Santa Columba, mas se os contrafortes foram construídos no século XV, por um supor, esta seria, portanto, uma data ante quem.

Como sei que será difícil que os técnicos de património atendam aos meus rogos, só podemos especular sobre o desenho do gravado e a sua possível interpretação. Tendo em conta que a parte visível da cruz leva cinco ou seis séculos à intempérie a rés de chão, é normal que esteja tremendamente degradada e custe saber certo de que tipo de cruz estamos a falar. Os braços parecem rectos, ao igual que os extremos dos mesmos, assim que eu descartaria uma cruz paté. Procurando uma coerência nas medidas e proporções, fiz este rascunho, a modo de interpretação.

 


Existem muitos exemplos de cruzes semelhantes a esta, é dizer, inscritas numa circunferência, gravadas na parte visível dum grande bloco de pedra. Rebuscando em internet, encontrei uma que pode ser muito semelhante a nossa de Santa Columba. O bom, é que pertence a uma igreja muradana.

 Fonte aqui.

Por último, dizer que o meu desenho, a minha interpretação da cruz sepultada, lembra muito a uma cruz de Malta, a ordem hospitalária. Que curioso, a rua paralela a igreja de Santa Columba chama-se do Hospital.

Post Scriptum

Depois de publicado esta postagem, o meu amigo Carlos Collazo assinalou-me mais duas cruzes nos muros da igreja. Estão colocadas nos silhares mais altos dos muros exteriores do templo e são estas:




Ambas estão quase inteiras mas com fendas ou mutilações que poderiam provar a sua função de  simples perpianhos, e não a de elementos decorativos ou emblemáticos. É dizer, considero que a sua presença é circunstancial. Tal vez são pedras reutilizadas, tentativas que não chegaram a lograr-se... Sei lá.
Só frisar o fato de a última ter os braços e os seus extremos arqueados, iguais ás tantas vezes reproduzidas cruzes templárias.