sábado, 30 de novembro de 2013

nº 176 Um gaiteiro anônimo de Rianjo.

No museu Manuel Antonio de Rianjo há uma fotografia atribuída a Xosé Pérez, primo do poeta do mar, na que aparece um gaiteiro acompanhado de tambor e bombo. A foto é curiosíssima, com os homens em primeiro plano e as mulheres, muito novas, detrás. Gostaria imenso de saber quem é esta pessoa. Com seu traje e seu chapéu semelha um burguês da vila, tal vez um músico de banda, requinto ou clarinete metido a gaiteiro.

f.1

Quando vi esta imagem pensei noutra que temos no museu do meu cole, o C.E.P. Xosé María Brea Segade. Trata-se duma celebração, tal vez em homenagem a Castelao, o qual aparece no centro da fotografia justo debaixo do gaiteiro e dum padre com charuto.


f. 2


Não lembro quem nos cedeu esta fotografia, mas acho que foi Miguel Somoza e que procede das suas investigações em Bos Aires. O gaiteiro, também trajado e com chapéu, tem muito parecido com o do Museu de Manuel Antonio, mas a colocação do ronco no ombro contrário parece descartar que se trate da mesma pessoa.  

Por último, também entre as fotografias atribuídas a Xosé Pérez, há uma da banda de Piñeiro. Ao fundo vê-se o escudo da casa da Rua de Abaixo, pelo que a foto foi tirada colocando-se entre o que hoje são os estabelecimentos de congelados  Neixón e pescados Curota.

f. 3
 
No lado direito, debaixo da palavra TENDA, há um homem com barba e chapéu. Estou convencido de que  éo gaiteiro da f. 1 e que quiçá não é casual a sua presença junto aos músicos da banda.
Alguem conhece a este gaiteiro?

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

nº 175 Uma sanfona da goiva de Urbano Anido.


D. Urbano Anido (Mondonhedo,1834; Compostela, 9 de setembro 1930) foi um muito importante ebanista com oficina na rua compostelana do Hórreo. A primeira notícia que teve dele foi graças a um documento já publicado neste blogue. Segundo os dados que ele oferece, o mestre Anido construiu um «Organillo de cilindro» para ser exibido na Exposición agricola industrial y artística de Santiago de Compostela celebrada em 1858. 


Na altura, documentando-me sobre o artesão, encontrei-me com a surpreendente notícia de que uma secretária fabricada por Anido viajara a EE.UU em 1892, por iniciativa do banqueiro galego residente em Nova Iorque, Manuel García. Segundo o artigo de José Tarrío García publicado na Gaceta de Galicia, o móvel ia fazer parte da World's Columbian Exposition de Chicago a acontecer em 1893. Não dei confirmado se foi finalmente exposto.


O artigo em questão foi ficando oculto numa pasta do meu computador, junto com muitos outros documentos curiosos dos que apenas posso comentar nada. Mas, por vezes, a fortuna alia-se da nossa parte e, como por acaso, aparecem novos documentos, dados, comentários que deitam um bocado de luz sobre as velhas histórias já quase esquecidas.
O caso é que a secretária de Urbano Anido tem profusas talhas nas que se amostram cenas próprias de romarias galegas, paisagens camponesas com músicos e bailadores vestidos com o fato tradicional. Não vou descrever pormenorizadamente cada cena, tão bem descritas por José Tarrio, só vou falar daquela que me levou, na altura, a guardar este artigo. Trata-se duma tábua que pecha o corpo inferior do móvel, por trás dumas pilastras que sustêm cinco arcos de meio ponto. Talhada pela goiva de Anido, podemos ver, junto com outros instrumentos musicais do folclore galego, uma sanfona. 
Esta semana, na sequência de uma outra investigação que nada tem a ver com esta, dei com uma página de subastas http://www.liveauctioneers.com na que fora posta a leilão o móvel de Urbano Anido. Graças às imagens que aparecem na mesma podemos saber como eram as cenas e os instrumentos talhados pelo artista da rua do Hórreo.


Existem muitos pontos de contacto entre os artistas e intelectuais da Compostela de entre séculos e a sanfona, instrumento, na altura, decadente, evocatório duma época que termina. Já neste blogue dava conta de como Cándido Castro López, vizinho da rua de Pitelos, expunha em 1909, também em Compostela, uma sanfona feita por ele mesmo. Isidoro Brocos, Manuel Vidal, o próprio Castelao... nomes unidos à sanfona como símbolo, tal ve,z do saudosismo de toda uma geração.











sexta-feira, 27 de setembro de 2013

nº 174 Um duo de sanfona e frauta.

A primeira vez que vi referenciado este conto foi no histórico artigo de Julio García Bilbao, Averiguaciones sobre la zanfona de Faustino Santalices. Recentemente, Pablo Quintana cita-lo-à na palestra apresentada em Ponte Vedra para a SAGA, que já podemos ver na rede os que na altura, infelizmente, não demos assistido. [ver aqui]
O autor do relato é Manuel Vidal (Maceda, 1871-Compostela, 1941) um padre, militante agrarista primeiro e  autonomista depois, possuidor duma extensa obra narrativa, teatral e ensaística. 
Acostuma-se a citar O derradeiro xuglar de viola pelos valiosos dados que achega referente à sanfona, dados que não procedem do estudo minucioso, como no caso de Isidoro Brocos ou Casto Sampedro, senão da simples observação dum intelectual curioso. 

Num plano puramente pessoal, fiquei impressionado pela cena na que Manuel Vidal relata um concerto realizado num paço de Lalim a cargo do duo formado por dois senhoritos, um moço desconhecido de Bergondo na sanfona e Jorge Quiroga na frauta. Este concerto evocou-me muitas coisas, velhas lembranças e alguma hipótese que apenas me atrevo a esboçar. Contudo, vou expor as minhas ideias com vontade de que na rede alguém as leia e até mesmo lhes acrescente ou refute alguma coisa.

Que eu saiba, O derradeiro xuglar de viola foi publicado por vez primeira na revista Ultreia nº 4 (15/07/1919). No texto há duas cenas contrapostas que ilustram muito bem a belle epoque da cultura tradicional galega, um intre de descobrimento definitivo do folclore pelas elites culturais e abandono paulatino de certos usos e costumes pelas populares. Assim, no mesmo conto no que se nos fala do último cego compostelano, um velhote canso das misérias do seu ofício, também se descreve um concerto numa Casa Grande, evocador das soirées do século XIX como a que tivemos o privilégio de reviver em Vilancosta.
Desta cena, na que se executa um duo de sanfona e frauta, é da hoje quisera falar.

Em primeiro lugar, devemos fixar-nos no cenário, o espaço no que está a acontecer o concerto. O paço de Quintela é uma propriedade situada na paróquia de Catasós no concelho pontevedrês de Lalim. Pertencia à família de Xorxe, o frautista, cujo nome completo é Jorge Quiroga García (Banga, O Carvalhinho, ? ; Madrid, 03/02/1953),  proprietário, desde 1935, do balneário de Carvalhinho. Jorge Quiroga era filho de Eduardo Quiroga e sobrinho de José Quiroga, o marido da Pardo Bazán. Este dado é interessante já que o padre Manuel Vidal foi capelão no Paço de Meirás, propriedade da condessa, entre os anos 1914-1918, rematando este serviço um ano antes da publicação de O derradeiro xuglar da viola.
Por certo, a Pardo Bazán também retratou num conto a um sanfonista, esta vez ao Tio Amaro de Espadanela e a sua acompanhante às conchas Sidorinha Finafrol.

Mas, chegados a este ponto, sabemos ou quando menos intuímos a identidade do sanfonista?
Pois pelo que a mim respeita, não faço a menor ideia. Quando li que era um músico multi-instrumentista e espontâneo, palavra que tal vez queira significar autodidata, pensei em João Vicente Viqueira. Tudo parecia calhar bem. O Viqueira era um corunhês de Bergondo, concretamente radicado em Vixoi, na Quinta dos Cortão. Por outra banda, o Jorge Quiroga tinha relação com Paderne, nomeadamente com o Paço dos Montecelo, herdança familiar da sua mulher Amparo Quiroga Navia. Mas resulta pouco crível que de ser Viqueira, Manuel Vidal ignorara o seu nome ou o esquecera, a não ser que se trate dum "de cuyo nombre no quiero acordarme...". Também é difícil associar, mesmo para um único concerto de música, a duas pessoalidades tão dispares, a do filósofo da I.L.E. com a do sportman filhote dos Quiroga.

Bom, fique aqui o texto com a ilustração original da capa para um leitura atenta e gozosa. O desenho de Castelao amostra a um cego com os atributos próprios do seu ofício, o de músico de la legua, chapéu de aba ancha e capote, com uma sanfona ligeiramente desproporcionada para a figura do tangedor. 

Retomarei diversos aspectos de O derradeiro xuglar de viola noutras postagens quando tenha mais vagar, mas por enquanto, desfrutem do texto1.

1. Embora, o texto esteja escrito com numerosos e grosseiros erros, decidi, como sempre faço, presenta-lo na sua versão original.



O derradeiro xuglar de viola
____

A viola, conocida co nome onomatopéyico de zanfona, no nosa terra, e o instrumento de mais groriosa hestoria da civilización española, o símbolo venerable da nosa musa popular, a maiestra musical da lingua de Castela e da lingua galaica, desde fís do sécolo doce, en que deron os primeiros vaxidos poéticos as doces vibracións das suas cordas sonoras.
Acompañados da viola entonaron os xuglares castelans e os xuglares galaicos os cantares de jesta, que ensalzaban as proezas e caudillos da Reconquista, espertando e alentando nos espritos os grandes sentimentos da gran raza ibérica.
Acompañados da viola cantáronse dispoixas os romances que sucederon as jestas, estendéndose os asuntos d’ amor, de costumes e outros mais, todos eles cheos de gracia e de inxenio, de naturalidade, de frescura e de poesía.
 Os dôces acordes da viola latexaron de alegría, moitas veces, os curazóns dos nosos antepasados, cando cáxeque non había mais medios de counicación espiritual que os sempáticos xuglares, e forxáronse as virtudes românticas da y-alma española que levou a cabo empresas cen veces mais grandes que as homéricas que cantaran os xuglares da famosa Grecia.
Os melancólicos e misteriosos acordes da viola derramaron na fala gallega esa suavidade e melosidade qu’ a distingue, e lle deu a excrusiva da lírica, na mesma Castela, en todo o sécolo trece e parde do sécolo catorce.
Unha das razós con que probarse pudera a influencia da viola na fala da nos terra é a sua supervivencia nas nosas costumes populares, sendo quizáis Galicia a últema rexión de España en que inda se toca, ou que o menos se tocou polos cegos nas nosas feiras e romeirías hastra fai moi poucos anos. Eu oína moitas veces na famosa romeiría de Sainza, non lonxe de Xinxo de Limia; na festa de Don Fanque, xunto a Maceda, e na de Nosa Señora dos milagres; e non fai moitos meses inda oína on distinguido mozo coruñés, de Bergondo, múseco xenial e espontâneo que toca toda clás d’ instrumentos –sinto non recordar o nome- na casa que n’ aldea de Quintela ten o nobre patrício don Eduardo Quiroga, meu respetable amigo e compañeiro de caza.
N’ aquela casa solariega agasalloume o xenial múseco bergondense con tres concertos de viola acompañada a frauta polo sempáteco Xorxe, fillo do señor Quiroga, e xuro polo nome da miña nai, que en toda a miña vida non sentín o misterioso escalofrío da emoción da múseca, como n’ aqueles inolvidabres concertos de Quintela ¡nin cando oín tocar o violín a Sarasate e a Manolo Quiroga!
¿Qué digo violín? Nin cando oín tocar a nosa docísima e garimosa gaita galega os Trintas de Trives, a Modesto Sánchez de Rivadavia, a Elices de Celanova, a Tomás da Ponte de don Alonso, se me escaparon bágoas tan fondas, mornas e xinselas, nin me fixo sentir e querer tanto a Galicia como cando gocei dos sentimentás, melodiosos e misteriosos acordes d’ aquela meiga viola.
Non me preguntedes que tonadas tocou que non o sei; somente sei que moitas d’ elas parescían talmente ecos cercanos das melopeas meioevás con que se cantaron as jestas e as Cantigas de Sta. María do Rey Sabio, dend’ os tempos de Xelmírez hastra Xan de Padrón e Macías o Enamorado, e dospoixas os romances populares.
Un poeta castelan a quen, sen sabere por qué, faguía chorar a gaita galega, adicoulle unha trova, na que non sabe decir se canta ou chora. A cantora do Sar e de Follas Novas repricoulle com outra dicindo: Non canta, que chora. A mín pareceu-me nos concertos aqueles que a viola canta e chora.
Nos comenzos e prelúdios, coma alma atormentada por unha cuita negra e amarga, que a espertan do noso, alivio dos tristes, espertaba tamén a viola fosca e mal-humorada, renxendo dooridamente, como os chideiros dos carros da nosa terra renxen cando van cargados polas corredoiras nas noitas sereas do vran; logo iba trocando aqueles tristes queixumes en notas e acordes de suavísema armonía, hastra que olvidando as suas cuitas e tristuras, cantaba alborozada. ¡Quén poidera decir como cantaba e como choraba!
***
N’ este Santiago de Compostela, relicário de preciosas antigüedás, vive, no Carme d’ Abaixo, o últemo descendente d’ aquela ilustre xeneración de xuglares de viola, mensaxeiros entusiasiastas e ben amados do arte e da poesia, das lendas, costumes e sentimentos da nosa Patria grande e da nosa Patria feiticeira e pequeniña.
Vive inda na groriosa Compostela o últemo xuglar de viola, aunque xa non tocará mais, pois está triste, cego, cargado de anos e ulvidado, coa sua sanfona enfundada, doéndose das tristes mudanzas dos tempos, en que xa non se lle fai ningún caso, e añorando os anos felices en que era o encanto dos pelegrinos nas foliadas do Santo Apóstol, e rrecorría alegremente as feiras e as romerías de Galicia.
Non hai moito qu’ o vin pasar, cabizbaixo, co seu carís hierático, coas suas antiparras milenarias, co seu chaquetón todo remendado, sen mais guía que un can vello pola rúa do Pombal abaixo.
Levaba a zanfona colgada as costas por unha baraza averdosada, e corrín tras dél pra lle preguntar onde vivía e se podia faguerme o favor de tocarme un pouco, aunque fose na sua casa; mais contívenme pois pareceume unha sombra ancestral d’ aqueles tempos d’ amor e de relixiosidode, de patriotismo e de poesía, que pasaron pra non velveren, e que se debía respetare como se respeta unha cousa misteriosa e sagrada.
Aunque vive inda hoxe, según me dicen, como se non vivira. ¡Non volverá a tocar máis o derradeiro xuglar de viola!
Despóis que él cerre os ollos xa non nos quedará mais recordo do venerabre instrumento da nosa poesia popular que o organistrum, pai da viola, que teñen nas maus os músicos anxélicos do noso Pórtico da Groria.

Vidal Rodríguez, Manuel (1871-1941) Contos galegos d’antano e d’hogano Santiago de compostela: [s.n.], 1920 (El Eco Franciscano)

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

nº 173 Policromia no cruzeiro de As Mirães, o Aranho.

Sempre me fascinou o uso da cor nos cruzeiros e petos de ânimas e não compreendo como carecemos de uma tese de doutoramento ou algum trabalho sério que fale deste tipo de policromia ou quando menos eu não a conheço. Afortunadamente, ainda que escassos, conservamos alguma obra que nos permite saber como seriam as coisas quando cruzeiros e petos luziam suas cores em todo o seu explendor. Um dos exemplos mais formosos é o de Marrúbio, em Moimenta, bem conservado graças a estar coberto por um alpendre. Nele podemos ver e imaginar pigmentos vermelhos ou telha, cobalto, preto, como no hábito do Santo Antão, verde...

Na paróquia de Rianjo há dois cruzeiros extraordinariamente parecidos ao de Marrúbio e que ainda conservam traças da policromia original. São o cruzeiro da praça de Dieste e outro no Rianjinho, próximo ao paço de Viturro. Coloco as fotografias dos três com as suas datações:

Marrúbio. Fonte: diazelvis 1778


Praça de Dieste 1791

Rianxinho. Fonte: Fotos de Rianxo 179?

Como se pode apreciar nas fotografias o modelo compositivo é o mesmo nos três, sendo os de Rianjo praticamente gémeos. O do Rianjinho presenta entre o capitel e a cruz um prisma rectangular, antiestético e acho que desnecessário, fruto duma restauração do 1994, como consta na rudimentar inscrição.

Rianjinho. Detalhe.

Para outra ocasião deixo alguma reflexão mais sobre o modelo destes cruzeiros onde os paus da cruz presentam os nós dos ramos cortadas e as virgens são especialmente formosas, como neste outro exemplo taragonhês do que já tenho falado.

Coincido com Castelao quando afirma: «Podemos decir que non hai cruceiro que non fose pintado algunha vez - pol-o menos cando se fixo- [...]» As cruces de pedra na Galiza p. 129 Se isto é assim, o escultor devia conceber o seu trabalho para ser iluminado e só consideraria rematada a sua obra quando os drapeados, os mantos, os rostros colheram cor. Nos cruzeiros acima citados resulta evidente. As partes luminosas do fato da virgem pintavam-se de vermelho e as escuras, ocultas pelas dobras, de preto.

Mas que acontecia com os cruzeiros de capela ou Loreto? Como eram pintados? Eu faço a ideia de que o basamento, o varal e a capela eram-no de branco. Obviamente é só uma impressão motivada por fotografias e por restos de pintura que tenho observado neste tipo de cruzeiros. De ser isto certo, quiçá esta prática tenha a ver com a própria natureza do monumento, simular uma capela ou mesmo a Santa Casa da virgem de Loreto. Mas a cruz, as imagens e o interior do nicho sim eram profusamente policromadas.

Numa brochura muito interessante titulada Petroglifos cruciformes, cruceros y petos de animas dirigida por Domingo Regueira González, autor da web Petroglifos cruciformes, podemos ver o estado do cruzeiro de Santa Clara no Deão Grande ca. de 1986 [ano de publicação].


Hoje, apenas 27 anos depois, o cruzeiro de Santa Clara sofreu o ataque dos cromofóbicos, estando na atualidade em pedra viva. A maioria dos monumentos perderam as suas cores pelo efeito do passo do tempo, mas outros foram maltratados, tirando-lhes de mala maneira a sua iluminação. O exemplo de Santa Clara em Riveira é significativo. Alguém pode dizer que a pintura já não era a original, que fora repintado pelos vizinhos, que a imagem da virgem com o neno resulta grotesca. É possível. Mas também é possível que a limpeza fora feita, neste ou em tantos outros casos, por funcionários municipais sem qualquer responsabilidade, mas também sem qualquer preparação. Quem sabe o dano que puderam provocar com os seus atos!


Mas agora interessa um cruzeiro dos nossos, um que se encontra nas Mirães, paróquia do Aranho.
O do Campo do Rio é um cruzeiro de capela, em cujo interior houve outrora a imagem duma virgem orante, hoje desaparecida, como podemos observar no desenho de Castelao.

É no interior deste nicho que encontramos restos de pintura de cor vermelha sobre um revocado branco.




Uma possível interpretação da trama desenhada nas paredes interiores poderia ser esta:


Em definitiva, um cruzeiro é uma obra escultórica em pedra policromada. A razão de que na atualidade vejamos estes monumentos desprovidos de cor tem diversas explicações, resulta um tema complexo e merece da atenção de especialistas. Mas nós, o zê povinho, temos de perceber a importância que tem conservar os escassos restos de policromia na esperança de que no futuro esta pintura esvaída, fragmentada, nos permita reconstruir, mesmo que só de modo virtual, o explendor cromático original.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

nº 172 Uma fotografia de Gerda Taro.

Muitas vezes tenho olhado curioso para esta fotografia. Há algo nela que me atrai, que me atrapa, e não tem nada a ver com que os protagonistas sejam músicos, ou tal vez sim.

A fotografia achega-nos uma história dramática. A bordo do acoiraçado da armada espanhola Jaime I, navio que permaneceu fiel a república, um grupo de homens batem palmas e sorriem por enquanto um marinheiro toca um acordeão diatônico de oitenta baixos, Monferrato? e outro uma gaita de foles. A foto está assinada por Gerda Taro, fotografa de prensa companheira do também fotógrafo Robert Capa e datada em Almeria em fevereiro do 1937. 

O Jaime I é bombardeado no porto de Almeria três meses depois de tirada esta instantânea, primeiro por aviões italianos e em dias sucessivos por hidroaviões vindos de Cádiz. Embora com grandes destroços consegue chegar a Cartagena onde tem a sua base. O 17 de junho, quando o barco está a ser reparado, uma explosão no seu interior causa trezentos mortos e o fim definitivo do acoiraçado. É mais que possível que entre os falecidos estejam muitos dos que aparecem na fotografia, quiçá também os músicos.

Um mês mais tarde, em 26 de julho, Gerda Taro morre em plena batalha de Brunete a consequência das feridas provocadas pelo atropelo dum tanque.


                    

segunda-feira, 15 de julho de 2013

nº 171 Armas de destruição massiva.

Já contei neste blogue os meus terrores associados ao uso de armas. Numa família de militares eram frequente as pistolas na casa, como a astra 9 mm corto do meu pai que vi armar e desarmar muitas vezes sobre a pequena mesa da nossa sala de estar. Que nome mais horrível o de sala de estar! Supõe-se que todas as salas são para estar, ainda que bem mirado, a biblioteca e o comedor são mais bem para ser.
Pois bem, nunca fui violento e quando houve de sê-lo preferi os punhos aos artefatos, o mais sofisticado dos quais, a escopeta de ar comprimido. A minha estava quase que sempre atorada já que na troca de balins, havia-os de perdigão e de copa, eu disparava com bolinhas de papel molhadas em cuspe.
Mas igual que o cérebro humano, nomeadamente o infantil, constrói bonecos ou instrumentos musicais pobres, também faz armamento pobre com o que lutar nas, v. gr., encarniçadas batalhas interbairros. Se a escopeta era o aparelho mais elaborado, o menos era sem dúvida o tutelo, esta vez sim, que nome mais formoso!
Os melhores eram os de cana de bambu. Havia quem os queria longos, quase como cerbatanas indígenas. Eu preferia-os curtos (algo a ver com o pene e com Freud?), os quais precisavam de menos folgos para o disparo certeiro. A munição era a base de sementes de hedras, havendo, por sua vez, uma grande variedade de tamanhos e cores. Os do meu bairro íamos a um lugar que ficou com esse nome, Rua das Hedras, e, mais uma vez a madalena de Proust, o sabor de aquelas sementes na boca ficou intimamente ligado aos tempos da minha infância.
Antes de que os contrabandistas se tornaram narcos, a única pistola que havia no meu povo era a do meu pai. Com tudo, as crianças tínhamos os nossos revólveres feitos de pregadores carregados com milhos os quais saiam projectados a uma velocidade considerável. Sempre pensei que aquele artefacto tão engenhoso, a pistola de pregadores, era um invento carcamão. Pois não. Está estendido por todos os lugares onde se usam os aparelhos para assegurar a  roupa com mole de arame, um invento do mexicano Rafael Guillermo Salazar Peña, cuja vida daria para um romance de Bolaño. Este homem natural de Monterrey nasceu em 1918 e o seu invento só se popularizou após a segunda guerra mundial, assim que o nosso brinquedo tem de ser uma coisa relativamente recente.
Lembro que também existia fuzilaria, esta vez com pregadores, uma tábua, uns cravos e uma goma. Com estas espingardas atirava-se mormente às cachas, sendo o belisco uma brincadeira de mau gosto. Sei-no bem, já que eu era mais vítima que franco-atirador.
Na seção de cordas o rei era o arco feito com varetas de guarda-chuva e linha de pescar. As setas eram afiadas contra as pedras dos muros, ficando espetadas nos troncos das árvores com suma facilidade. Um bom arqueiro com varetas dum sete-paróquias podia chegar a matar, isso sim, apenas pequenos animalinhos como ratos ou pardais.
Com tudo, o nosso armamento raiava as vezes com o absurdo. Influenciados pelas películas de Bruce Lee que massivamente projectavam no Capitol começamos a utilizar nunchacos ou lunchacos, para nós unchacos, de fabricação caseira. O uso desta arma das artes marciais chinesa pode explicar muitos dos erros cometidos na vida pelos meus coetâneos. As nossas matracas eram feitas primeiramente com cabos de legonha, ganchos e umas cordas ou inclusive delgadas cadeias de ferro. A incosistência dos ganchos convertia muitas vezes ao nunchaco numa arma de arremesso, sendo frequente o voo pelos ares e sem controlo dum dos seus extremos. Imitando ao tal Bruce Lee fazíamos katas denominadas ventoinhas, moinhos... dando berros agressivos que apenas dissimulavam a dor produzida pelas frequentes autolesões. Mesmo, num alarde de estética ninja, passávamos a matraca por baixo das pernas, recolhendo a cegas um dos cabos pelas costas. Quiçá os meus problemas reprodutivos tenham origem nesta prática circense. 
Dizia ao princípio que a arma mais simples era o tutelo, mas fazendo memória tenho que dizer que estou errado. No campo de batalha, estou a lembrar as atividades extraescolares no Pombal, nada melhor que uma pinha. Se só pretendes brincar, sem causar muitas baixas, o melhor é um pinha aberta, seca, ligeira. Para amolar bem amolado, as úmidas, pinhas ensimesmadas, com pinhões introvertidos e taciturnos.
Eis a panóplia carcamão que ainda lembro. Da minha geração, tem de haver muitas cicatrizes em crânios e quiçá também nas almas, pois as derrotas sempre são dolorosas. Lamento se a descrição dos artefactos não foi de tudo precisa, mas nisso das lutas a vida ou morte, eu sempre preferi o corpo a corpo.

Já não sei cantar canções de crianças...
Manuel Antonio


As ruas todas têm fome de meninos.
Noutros tempo
o eco eram pisadas diminutas
esvaziando as poças a pontapés.
Havia amores diminutos
com custosos presentes aos namorados:
uns brincos de fúchsias
ou um colar de camomila.
Havia diminutos fatos
que nunca passavam desapercebidos,
diminutos lanches
de tijolo e chuchamel,
e um sorriso diminuto
a abrir hospitalário o seu portelo.
Mas hoje as ruas estão fomentas de meninos
quem sabe se fugidos
para um outro território sem infantários-infantívoros.

Poema já publicado neste blogue: postagem nº 09

terça-feira, 9 de julho de 2013

nº 170 Roberto Bolaño e a Galiza I

LOS DETECTIVES SALVAJES

A leitura de Los detectives salvajes LDS Anagrama 1998 permitir-nos-à continuar a reflexionar sobre a relação de Roberto Bolaño com a Galiza e até fazer-nos uma ideia do que o nosso país significava para ele. Sabemos pouco da ascendência galega de Bolaño, só que o avô paterno emigrou a Chile onde casou com uma catalana que lhe deu nove filhos. Um deles foi León Bolaño Carné, morto no 2010 e pai do Roberto.
Postos no caminho de construir um discurso em tom galego sobre o autor chileno, podemos sublinhar as três referências que sobre a Galiza encontramos em LDS.

1. p. 216-220 Fala Amadeo Salvatierra. 

Um livro de Roberto Bolaño e sempre uma espécie de reader de leituras curiosas, um exercício de transtextualidade que funciona a modo de engado para que termines por morder a isca, ou seja, indo a procura do texto citado. Num dos capítulos de LDS que tem como protagonista a Amadeo Salvatierra, cita-se o manifesto do movimento estridentista mexicano, Actual nº 1. Esta brochura foi redigida por Manuel Maples Arce (1898-1981) e resulta um texto delicioso e sem qualquer desperdício. Lendo esta proclama ultra-vanguardista ocorreu-se-me a frase: «eu já era pós-moderno antes de tu nasceres», sobre a que deveriam reflexionar aqueles que, tal como disse Victor Erice referindo-se ao cinema espanhol, chegaram à pós-modernidade sem ter passado pela modernidade (im Relatos Reales de Javier Cercas).
No Actual nº 1 faz-se um uso da linguagem demolidora que mais que ultra, às vezes parece mesmo barroca:

«Al fin, los tranvías, han sido redimidos del dicterio de prosaicos, en que prestigiosamente los habia valorizado la burguesía ventruda con hijas casaderas por tantos anos de retardarismo sucesivo e intransigencia melancólica, de archivos cronológicos». No apartado V afirma-se: «¡Chopín a la silla eléctrica! (M.M.A. [Manuel Maples Arce] trade mark)».

Bolaño deveu gostar muito do discurso iconoclasta estridentista tão em sintonia com os boicotes dos  moços infrarrealistas ou com textos seus como Consejos sobre el arte de escribir cuentos onde diz:

«[...]
4) Hay que leer a Borges. Hay que leer a Rulfo y a Monterroso. Un cuentista que tenga un poco de aprecio por su obra no leerá jamás a Cela ni a Umbral. Sí que leerá a Cortázar y a Bioy Casares, pero en modo alguno a Cela y Umbral.

5)Lo repito una vez más por si no ha quedado claro: a Cela y a Umbral, ni en pintura». Cuentos Anagrama; Barcelona 2010 p. 7

O manifesto estridentísta encerra-se com um Diretorio de Vanguardia que inclui a todos os escritores das vanguardas europeias e americanas que supostamente «no han sido maleados por el oro prebendario de los sinecurismos gobernistas, a los que aún no se han corrompido con los mezquinos elogios de la critica oficial y con los aplausos de un público soez y concupiscente [...]» Actual nº 1. Pois bem, nesse diretório há quatro galegos: Ramón María del Valle Inclán (1866-1936), Vicente Risco (1884-1863), Evaristo Correa-Calderón (1899-1986) e Eugenio Montes (1900-1982). As pergunta fão-se inevitáveis:

1. que levou a Maples Arce a incluir a estes quatro autores galegos de três gerações diferentes?
2. e, nomeadamente, que fazem nesta lista dois moços que andam por volta dos vinte anos de idade e sem apenas obra impressa?

A resposta achega-no-la o professor Carlos Garcia no artículo titulado "Manuel Maples Arce: correspondencia con Guillermo de Torre", 1921-1922 Revista Literatura Mexicana, Vol 15, No 1 (2004) Graças a este trabalho sabemos que Maples Arce conhecia a revista literária Cosmópolis, da que era colaborador de Torre: «A través de las páginas de Cosmópolis, he seguido su interesante labor de propaganda y divulgación de las nuevas tendencias literarias.»  Carta de MMA a GT, México, 8-XII-21
Se fazemos uma busca dos artigos assinados por Guillermo de Torre em Cosmópolis encontrar-nos-emos com um datado em novembro do 1920 titulado "El movimiento ultraísta español" p.91-113. Este longo trabalho é a base do diretório redigido por Maples Arce e a razão única de que elementos tão afastados como Valle Inclán e Montes apareçam juntos.
Resulta fácil de demostrar o que acaba de dizer por quanto a nômina de artistas de Actual nº 1 e "El movimiento ultraísta español" colocaram-se, inclusive, na mesma ordem:

«Mauricio Bacarisse. Rogelio Buendía. Vicente Risco. Pedro Raida. Antonio Espina. Adolfo Salazar. Miguel Romero Martínez. Ciriquiain Caitarro. Antonio M. Cubero. Joaquín Edwards. Pedro Iglesias. Joaquín de Aroca. León Felipe. Eliodoro Puche. Prieto Romero. Correa Calderón. Francisco Vighi. Hugo Mayo. Bartolomé Galíndez. Juan Ramón Jiménez. Ramón del Valle-Inclán. José Ortega y Gasset. Alfonso Reyes. [...] » "Directório de Vanguardia", Actual nº 1

«Mauricio Bacarisse, Rogelio Buendía, Vicente Risco, Pedro Raida, Antonio Espina, Salvat Papasseit; los críticos Adolfo Salazar, Miguel Romero Martínez; los prosistas Ciriquiain-Gaiztarro, Antonio M. Cubero, Juan Héctor Picabia, Joaquín Edwards, Pedro Iglesias, Joaquín de Aroca, y posteriormente, acogiéndose a nuestras pablicaciqnes, León Felipe, Eliodoro Puche, Prieto Romero, Correa-Calderón, Ciria Escalante y Francisco Vighi, y los sud-americanos Hugo Mayo, José-Juan Tablada y Bartolomé Galindez. Cardinalmente los altos espíritus consagrados de Ramón Gómez de la Serna, Valle-Inclán, Juan Ramón Jiménez, José Ortega y Gasset y Gabriel Alomar [...]» "El movimiento ultraísta español"

Eugenio Montes aparece no Directorio... nos primeiros lugares junto a Rafael Cansinos-Asséns, Ramón Gómez de la Serna, Rafael Lasso de la Vega, Guillermo de Torre, Jorge Luis Borges, Cleotilde Luisi, Vicente Ruiz Huidobro, Gerardo Diego ou Pedro Garfias. Isto é importantes pois a mesma lista estabelece uma hierarquia cuja presidéncia há corresponder a Cansinos-Asséns e onde a colocação privilegiada de Montes remete-nos à uma posição fidalga dentro das vanguardas hispano-americanas. Por todo isto resulta um bocado surpreendente a afirmação da professora Eva Valcárcel quando diz: «porque ni Manuel Antonio ni Eugenio Montes, el poeta de Bande, tenían idea de lo que estaba pasando en la vanguardia de París». La Voz de Galicia, 23/05/2009 O poeta de Bande, efectivamente, como se diz neste artigo de La Voz, devia muito a Vicente Risco, mas em 1921, momento no que se publica Actual nº 1, Eugenio Montes tinha uma sólida carreira como colaborador das mais prestigiosas revistas literárias tais como Grecia ou Cervantes e uma grande rede de amigos, conhecidos, colaboradores, até extremos que apenas posso intuir. Quanto mais eu me aprofundo na sua biografia mais convencido estou de que Montes além de poeta, periodista ou diplomata, na realidade era uma aranha a tecer uma grande aranheira da que muitos poucos intelectuais da sua época ficaram a salvo.
Só como exemplo das suas caras amizades dizer que na revista Grecia vão-se publicar nos diferentes números poemas dedicados pelos seus autores a Eugenio Montes, entre os quais, Guillermo de Torre, Gerardo Diego, Ernesto López Parra, Vicente Risco, José de Ciria y Escalante ou Luciano de San-Saor [pseudónimo de Lucia Sánchez Saornil].

Sobre a revista Grecia (50 números entre 1918 e 1920) paga a pena sinalar a participação na mesma de Vicente Risco. O escritor de Ourense era já, na altura, um autor consagrado e com alguma intervenção na atividade cultural da capital do reino. Em 1914 pronunciou uma histórica conferência no Ateneo cujo tema foi a obra de Rabindranath Tagore, que um ano antes fora galardoado com o Nobel de literatura.
Eis uma breve notícia da presença de Risco na revista Grecia:

- Em 20 de maio de 1919, nº XVI, poema de E.M. dedicado a V.R.

- Em 10 de dezembro de 1919, nº XXXV, poema de V.R.

- Em 1 de junho de 1920, nº XLVIII, poema de V.R. dedicado a E.M.

Há que lembrar que é em janeiro do 1920 quando Risco publica na revista Nós o seu poema futurista, em galego, U...ju ju... 

2. p. 427-448 Fala Xosé Lendoiro.

Xosé Lendoiro é um advogado de origem galega que edita uma revista de poesia graças ao dinheiro ganhado defendendo «financieros deshonestos, los banqueros desfalcadores, los narcotraficantes, los asesinos de mujeres y de niños, los que lavan dinero, los políticos corruptos» p.440 Muitas das páginas de LDS estão repletas de referências autobiográficas; poderia haver algo de real na trama de Lendoiro?
Com certeza, não resulta difícil encontrar editores galegos em Catalunha, principalmente estabelecidos em Barcelona. A mim, e assim de memória, ocorrem-se-me os nomes de Gonzálo Canedo [Libros del Silencio], Olegario Sotelo Blanco [Sotelo Blanco ed.], Manuel Moleiro [M. Moleiro] ou Heitor Rodal [Edições da Galiza]. Mas acho que o Lendoiro é uma escusa para expôr o que a Galiza é no imaginário  bolañês.
Xosé Lendoiro viaja numa roullotte por terras galegas, é dizer, «por la umbrosa y elemental Galicia». p. 428 Se a estes dois adjetivos, umbrosa e elemental, acrescentamos primitiva, considero perfeitamente definida a imagem que do nosso país tem Bolaño. Um território anacrônico, como as latinices de Lendoiro.
Neste percurso pela Galiza, o advogado barcelonês instala o seu veículo num camping de Castro Verde, Lugo. Resulta evidente que esta localização de LDS teve muito a ver com que uma das paróquias do concelho luguês de Castro Verde se chame Santa Baia de Bolaño.
Roberto Bolaño põe na boca de Xosé Lendoiro uma definição demolidora da nossa terra: «[...]en una Galicia que toda ella era como el hocico de una fiera salvaje, una boca verde, gigantesca, que se abría hasta una desmesura dolorosa bajo un cielo en llamas, de mundo quemado, calcinado por la Tercera Guerra Mundial que nunca ocurrio [...]» p. 444 Um país onde moram «gallegos asustados ante lo irremediable». p. 445
Como peche do capítulo, Bolaño regala-nos uma última e perfeita definição do Sermos Galegos a modo de piada-filosófica:

«Hasta aquí llega la poesía, esa mala pécora que me ha acompañado a traición durante tantos años. Olet lucernam. Ahora sería conveniente contar dos o tres chistes, pero sólo se me ocurre uno, así, de pronto, sólo uno, y para mayor inri de gallegos. No sé si ustedes lo saben. Va una persona y se pone a caminar por un bosque. Yo mismo, por ejemplo, estoy caminando por un bosque, como el Parco di Traiano o como las Terme di Traiano, pero a lo bestia y sin tanta deforestación. Y va esa persona, voy yo caminando por el bosque y me encuentro a quinientos mil gallegos que van caminando y llorando. Y entonces yo me detengo (gigante gentil, gigante curioso por última vez) y les pregunto por qué lloran. Y uno de los gallegos se detiene y me dice: porque estamos solos y nos hemos perdido». p. 448

3. p. 480 Fala Jaume Planells.

«[...] esa playa en donde en primavera la gente se desnudaba del todo, calas pequeñas y roqueríos, a la vista sólo de los pasajeros del tren de la costa a quienes el espectáculo traía sin cuidado, lo que es la democracia y la civilidad, en Galicia esos mismos pasajeros hubieran detenido el tren y se hubieran bajado a capar nudistas, en fin, yo pensaba en esas coasas cuando decía hola, soy Jaume Planells, el otro padrino». p. 480

Finalmente:

Na postagem nº 142, falava da importância de Rafael Dieste em 2666, não apenas no aspecto mais óbvio, o papel desempenhado pelo Testamento Geométrico, senão na  influência que Dos arquivos do trasno ou Historias e invenciones de Felix Muriel teve na redação do romance de Bolaño. Na minha opinião, o escritor chileno só escreveu uma obra na sua vida, um maravilhoso romance rio que nos foi entregando em pequenas doses, alguma não tão pequena, sendo neste caso metodologicamente recomendável partir do geral para o particular, ler com atenção o canon bolañês e ir, posteriormente, atando fios. Ponhamos um exemplo.

- Em Amuleto Anagrama 1999 3ª ed. de Compactos p. 77, fala-se-nos por primeira vez dum cementério no ano 2666, um título que considero influenciado por "11926" de Os Arquivos do Trasno
- Em Amberes Anagrama 2002 4ª ed., aparece a personagem de Lola Muriel, uma moça que nos oitenta tinha dezoito anos. O apelido Muriel remete-nos a Historias e invenciones de Felix Muriel, mas também ao segundo apelido do pai de Rafael Dieste, Eladio Dieste Muriel e a Felix Muriel, pseudónimo utilizado pelo autor rianjeiro.
-  Por último 2666 Anagrama 2004, é em si mesma uma homenagem a Dieste e o seu Testamento Geométrico.

A hora de procurar uma componente galega na obra de Roberto Bolaño eu distinguiria entre a ascendência biológica, o facto de ser neto de galego, e a ascendência literária, na que Dieste tem um papel preponderante. Mas em LDS tal vez haja um bocado de tudo. O avô galego de Bolaño, o qual morreu como consequência das feridas sofridas ao cair dum cavalo, procede dum país imaginário chamado Galiza, algo assim como a Sonora ibérica. Alguém pode pensar que a descrição que o Roberto faz do nosso país é tópica e cheia de preconceitos; eu, só direi que é pura literatura.




Mais sobre Bolaño e Diente em nº 142