terça-feira, 9 de julho de 2013

nº 170 Roberto Bolaño e a Galiza I

LOS DETECTIVES SALVAJES

A leitura de Los detectives salvajes LDS Anagrama 1998 permitir-nos-à continuar a reflexionar sobre a relação de Roberto Bolaño com a Galiza e até fazer-nos uma ideia do que o nosso país significava para ele. Sabemos pouco da ascendência galega de Bolaño, só que o avô paterno emigrou a Chile onde casou com uma catalana que lhe deu nove filhos. Um deles foi León Bolaño Carné, morto no 2010 e pai do Roberto.
Postos no caminho de construir um discurso em tom galego sobre o autor chileno, podemos sublinhar as três referências que sobre a Galiza encontramos em LDS.

1. p. 216-220 Fala Amadeo Salvatierra. 

Um livro de Roberto Bolaño e sempre uma espécie de reader de leituras curiosas, um exercício de transtextualidade que funciona a modo de engado para que termines por morder a isca, ou seja, indo a procura do texto citado. Num dos capítulos de LDS que tem como protagonista a Amadeo Salvatierra, cita-se o manifesto do movimento estridentista mexicano, Actual nº 1. Esta brochura foi redigida por Manuel Maples Arce (1898-1981) e resulta um texto delicioso e sem qualquer desperdício. Lendo esta proclama ultra-vanguardista ocorreu-se-me a frase: «eu já era pós-moderno antes de tu nasceres», sobre a que deveriam reflexionar aqueles que, tal como disse Victor Erice referindo-se ao cinema espanhol, chegaram à pós-modernidade sem ter passado pela modernidade (im Relatos Reales de Javier Cercas).
No Actual nº 1 faz-se um uso da linguagem demolidora que mais que ultra, às vezes parece mesmo barroca:

«Al fin, los tranvías, han sido redimidos del dicterio de prosaicos, en que prestigiosamente los habia valorizado la burguesía ventruda con hijas casaderas por tantos anos de retardarismo sucesivo e intransigencia melancólica, de archivos cronológicos». No apartado V afirma-se: «¡Chopín a la silla eléctrica! (M.M.A. [Manuel Maples Arce] trade mark)».

Bolaño deveu gostar muito do discurso iconoclasta estridentista tão em sintonia com os boicotes dos  moços infrarrealistas ou com textos seus como Consejos sobre el arte de escribir cuentos onde diz:

«[...]
4) Hay que leer a Borges. Hay que leer a Rulfo y a Monterroso. Un cuentista que tenga un poco de aprecio por su obra no leerá jamás a Cela ni a Umbral. Sí que leerá a Cortázar y a Bioy Casares, pero en modo alguno a Cela y Umbral.

5)Lo repito una vez más por si no ha quedado claro: a Cela y a Umbral, ni en pintura». Cuentos Anagrama; Barcelona 2010 p. 7

O manifesto estridentísta encerra-se com um Diretorio de Vanguardia que inclui a todos os escritores das vanguardas europeias e americanas que supostamente «no han sido maleados por el oro prebendario de los sinecurismos gobernistas, a los que aún no se han corrompido con los mezquinos elogios de la critica oficial y con los aplausos de un público soez y concupiscente [...]» Actual nº 1. Pois bem, nesse diretório há quatro galegos: Ramón María del Valle Inclán (1866-1936), Vicente Risco (1884-1863), Evaristo Correa-Calderón (1899-1986) e Eugenio Montes (1900-1982). As pergunta fão-se inevitáveis:

1. que levou a Maples Arce a incluir a estes quatro autores galegos de três gerações diferentes?
2. e, nomeadamente, que fazem nesta lista dois moços que andam por volta dos vinte anos de idade e sem apenas obra impressa?

A resposta achega-no-la o professor Carlos Garcia no artículo titulado "Manuel Maples Arce: correspondencia con Guillermo de Torre", 1921-1922 Revista Literatura Mexicana, Vol 15, No 1 (2004) Graças a este trabalho sabemos que Maples Arce conhecia a revista literária Cosmópolis, da que era colaborador de Torre: «A través de las páginas de Cosmópolis, he seguido su interesante labor de propaganda y divulgación de las nuevas tendencias literarias.»  Carta de MMA a GT, México, 8-XII-21
Se fazemos uma busca dos artigos assinados por Guillermo de Torre em Cosmópolis encontrar-nos-emos com um datado em novembro do 1920 titulado "El movimiento ultraísta español" p.91-113. Este longo trabalho é a base do diretório redigido por Maples Arce e a razão única de que elementos tão afastados como Valle Inclán e Montes apareçam juntos.
Resulta fácil de demostrar o que acaba de dizer por quanto a nômina de artistas de Actual nº 1 e "El movimiento ultraísta español" colocaram-se, inclusive, na mesma ordem:

«Mauricio Bacarisse. Rogelio Buendía. Vicente Risco. Pedro Raida. Antonio Espina. Adolfo Salazar. Miguel Romero Martínez. Ciriquiain Caitarro. Antonio M. Cubero. Joaquín Edwards. Pedro Iglesias. Joaquín de Aroca. León Felipe. Eliodoro Puche. Prieto Romero. Correa Calderón. Francisco Vighi. Hugo Mayo. Bartolomé Galíndez. Juan Ramón Jiménez. Ramón del Valle-Inclán. José Ortega y Gasset. Alfonso Reyes. [...] » "Directório de Vanguardia", Actual nº 1

«Mauricio Bacarisse, Rogelio Buendía, Vicente Risco, Pedro Raida, Antonio Espina, Salvat Papasseit; los críticos Adolfo Salazar, Miguel Romero Martínez; los prosistas Ciriquiain-Gaiztarro, Antonio M. Cubero, Juan Héctor Picabia, Joaquín Edwards, Pedro Iglesias, Joaquín de Aroca, y posteriormente, acogiéndose a nuestras pablicaciqnes, León Felipe, Eliodoro Puche, Prieto Romero, Correa-Calderón, Ciria Escalante y Francisco Vighi, y los sud-americanos Hugo Mayo, José-Juan Tablada y Bartolomé Galindez. Cardinalmente los altos espíritus consagrados de Ramón Gómez de la Serna, Valle-Inclán, Juan Ramón Jiménez, José Ortega y Gasset y Gabriel Alomar [...]» "El movimiento ultraísta español"

Eugenio Montes aparece no Directorio... nos primeiros lugares junto a Rafael Cansinos-Asséns, Ramón Gómez de la Serna, Rafael Lasso de la Vega, Guillermo de Torre, Jorge Luis Borges, Cleotilde Luisi, Vicente Ruiz Huidobro, Gerardo Diego ou Pedro Garfias. Isto é importantes pois a mesma lista estabelece uma hierarquia cuja presidéncia há corresponder a Cansinos-Asséns e onde a colocação privilegiada de Montes remete-nos à uma posição fidalga dentro das vanguardas hispano-americanas. Por todo isto resulta um bocado surpreendente a afirmação da professora Eva Valcárcel quando diz: «porque ni Manuel Antonio ni Eugenio Montes, el poeta de Bande, tenían idea de lo que estaba pasando en la vanguardia de París». La Voz de Galicia, 23/05/2009 O poeta de Bande, efectivamente, como se diz neste artigo de La Voz, devia muito a Vicente Risco, mas em 1921, momento no que se publica Actual nº 1, Eugenio Montes tinha uma sólida carreira como colaborador das mais prestigiosas revistas literárias tais como Grecia ou Cervantes e uma grande rede de amigos, conhecidos, colaboradores, até extremos que apenas posso intuir. Quanto mais eu me aprofundo na sua biografia mais convencido estou de que Montes além de poeta, periodista ou diplomata, na realidade era uma aranha a tecer uma grande aranheira da que muitos poucos intelectuais da sua época ficaram a salvo.
Só como exemplo das suas caras amizades dizer que na revista Grecia vão-se publicar nos diferentes números poemas dedicados pelos seus autores a Eugenio Montes, entre os quais, Guillermo de Torre, Gerardo Diego, Ernesto López Parra, Vicente Risco, José de Ciria y Escalante ou Luciano de San-Saor [pseudónimo de Lucia Sánchez Saornil].

Sobre a revista Grecia (50 números entre 1918 e 1920) paga a pena sinalar a participação na mesma de Vicente Risco. O escritor de Ourense era já, na altura, um autor consagrado e com alguma intervenção na atividade cultural da capital do reino. Em 1914 pronunciou uma histórica conferência no Ateneo cujo tema foi a obra de Rabindranath Tagore, que um ano antes fora galardoado com o Nobel de literatura.
Eis uma breve notícia da presença de Risco na revista Grecia:

- Em 20 de maio de 1919, nº XVI, poema de E.M. dedicado a V.R.

- Em 10 de dezembro de 1919, nº XXXV, poema de V.R.

- Em 1 de junho de 1920, nº XLVIII, poema de V.R. dedicado a E.M.

Há que lembrar que é em janeiro do 1920 quando Risco publica na revista Nós o seu poema futurista, em galego, U...ju ju... 

2. p. 427-448 Fala Xosé Lendoiro.

Xosé Lendoiro é um advogado de origem galega que edita uma revista de poesia graças ao dinheiro ganhado defendendo «financieros deshonestos, los banqueros desfalcadores, los narcotraficantes, los asesinos de mujeres y de niños, los que lavan dinero, los políticos corruptos» p.440 Muitas das páginas de LDS estão repletas de referências autobiográficas; poderia haver algo de real na trama de Lendoiro?
Com certeza, não resulta difícil encontrar editores galegos em Catalunha, principalmente estabelecidos em Barcelona. A mim, e assim de memória, ocorrem-se-me os nomes de Gonzálo Canedo [Libros del Silencio], Olegario Sotelo Blanco [Sotelo Blanco ed.], Manuel Moleiro [M. Moleiro] ou Heitor Rodal [Edições da Galiza]. Mas acho que o Lendoiro é uma escusa para expôr o que a Galiza é no imaginário  bolañês.
Xosé Lendoiro viaja numa roullotte por terras galegas, é dizer, «por la umbrosa y elemental Galicia». p. 428 Se a estes dois adjetivos, umbrosa e elemental, acrescentamos primitiva, considero perfeitamente definida a imagem que do nosso país tem Bolaño. Um território anacrônico, como as latinices de Lendoiro.
Neste percurso pela Galiza, o advogado barcelonês instala o seu veículo num camping de Castro Verde, Lugo. Resulta evidente que esta localização de LDS teve muito a ver com que uma das paróquias do concelho luguês de Castro Verde se chame Santa Baia de Bolaño.
Roberto Bolaño põe na boca de Xosé Lendoiro uma definição demolidora da nossa terra: «[...]en una Galicia que toda ella era como el hocico de una fiera salvaje, una boca verde, gigantesca, que se abría hasta una desmesura dolorosa bajo un cielo en llamas, de mundo quemado, calcinado por la Tercera Guerra Mundial que nunca ocurrio [...]» p. 444 Um país onde moram «gallegos asustados ante lo irremediable». p. 445
Como peche do capítulo, Bolaño regala-nos uma última e perfeita definição do Sermos Galegos a modo de piada-filosófica:

«Hasta aquí llega la poesía, esa mala pécora que me ha acompañado a traición durante tantos años. Olet lucernam. Ahora sería conveniente contar dos o tres chistes, pero sólo se me ocurre uno, así, de pronto, sólo uno, y para mayor inri de gallegos. No sé si ustedes lo saben. Va una persona y se pone a caminar por un bosque. Yo mismo, por ejemplo, estoy caminando por un bosque, como el Parco di Traiano o como las Terme di Traiano, pero a lo bestia y sin tanta deforestación. Y va esa persona, voy yo caminando por el bosque y me encuentro a quinientos mil gallegos que van caminando y llorando. Y entonces yo me detengo (gigante gentil, gigante curioso por última vez) y les pregunto por qué lloran. Y uno de los gallegos se detiene y me dice: porque estamos solos y nos hemos perdido». p. 448

3. p. 480 Fala Jaume Planells.

«[...] esa playa en donde en primavera la gente se desnudaba del todo, calas pequeñas y roqueríos, a la vista sólo de los pasajeros del tren de la costa a quienes el espectáculo traía sin cuidado, lo que es la democracia y la civilidad, en Galicia esos mismos pasajeros hubieran detenido el tren y se hubieran bajado a capar nudistas, en fin, yo pensaba en esas coasas cuando decía hola, soy Jaume Planells, el otro padrino». p. 480

Finalmente:

Na postagem nº 142, falava da importância de Rafael Dieste em 2666, não apenas no aspecto mais óbvio, o papel desempenhado pelo Testamento Geométrico, senão na  influência que Dos arquivos do trasno ou Historias e invenciones de Felix Muriel teve na redação do romance de Bolaño. Na minha opinião, o escritor chileno só escreveu uma obra na sua vida, um maravilhoso romance rio que nos foi entregando em pequenas doses, alguma não tão pequena, sendo neste caso metodologicamente recomendável partir do geral para o particular, ler com atenção o canon bolañês e ir, posteriormente, atando fios. Ponhamos um exemplo.

- Em Amuleto Anagrama 1999 3ª ed. de Compactos p. 77, fala-se-nos por primeira vez dum cementério no ano 2666, um título que considero influenciado por "11926" de Os Arquivos do Trasno
- Em Amberes Anagrama 2002 4ª ed., aparece a personagem de Lola Muriel, uma moça que nos oitenta tinha dezoito anos. O apelido Muriel remete-nos a Historias e invenciones de Felix Muriel, mas também ao segundo apelido do pai de Rafael Dieste, Eladio Dieste Muriel e a Felix Muriel, pseudónimo utilizado pelo autor rianjeiro.
-  Por último 2666 Anagrama 2004, é em si mesma uma homenagem a Dieste e o seu Testamento Geométrico.

A hora de procurar uma componente galega na obra de Roberto Bolaño eu distinguiria entre a ascendência biológica, o facto de ser neto de galego, e a ascendência literária, na que Dieste tem um papel preponderante. Mas em LDS tal vez haja um bocado de tudo. O avô galego de Bolaño, o qual morreu como consequência das feridas sofridas ao cair dum cavalo, procede dum país imaginário chamado Galiza, algo assim como a Sonora ibérica. Alguém pode pensar que a descrição que o Roberto faz do nosso país é tópica e cheia de preconceitos; eu, só direi que é pura literatura.




Mais sobre Bolaño e Diente em nº 142

1 comentário:

Anónimo disse...

muita boa achega... genial e definitório: 50.000 ou mais... a chorar porque estamos sós e estamos perdidos... ;)

Ernesto