terça-feira, 11 de agosto de 2020

nº 246 Manuel Antonio na olhada moça de Carvalho Calero.

 

Lembranza do Ulises morto.

f.1 Grave, fremoso, profundo, sonoro e raiolante destiño o de algúns homildes lugares da terra, que ven abrirse a rosa de un ilustre nadal. De Belén virá a luz! A escondida, a sinxela, a pequena cidade de David, dormida antre palmeiras, arrolada pol-as voces pervagantes dos pegureiros que apacentan as súas cabras nos soutos verdecentes e á pomba mensaxeira do vento confían o mensaxe de unha canción... Eiquí, no nosa terra, a vila mariñeira de Rianxo sabe de esas doces maternidades. I en lembranza de un fillo seu, acendemos hoxe a lámpada do recordo.

 

f.2 Compríronse tres anos de tránsito de Manoel Antonio. No ceo dos mariñeiros, fumando a súa vella pipa, estará agora, cicáis en tranquila conversa con Neptuno1, cuias barbas fluviás, acio de xebras e de cunchas, tremarán, por ventura, unha leda risada de petrucio patrón. Verde pazo do Rei do Mar; de cristal de roca, puro e limpo! Ceo salgado! Anxos de escamadas colas, de ollos belixerantes, de redondos peitos! Alá estará Manoel Antonio, esquecido de nós, amigo de Simbad2 e amado das sireas.

 

f.3 Pero, dorna fugaz, do seu paso pol-a terra ficóunos un ronsel. Este ronsel3 é “De catro a catro”. Na cuberta da súa nao, no silenzo caviloso das guardias, araña mariñeira, ia tecendo o seu diario de abordo. Matinaba inauditas descubertas queimaba na súa pipa forte tabaco de estelares navegacións, esculcaba a dor da noiva goleta, cambeaba radiogramas estranos con estrelas descoñecidas. E todo elo nol-o dou, un bó dia de marzal, no caristel4 de un cuaderno de poemas.

 

f.4 Lírico Ulises5. “Odisea6”. Mais nosa “Odisea” tiña que ser lírica. Non podía narrar aventuras de un rei que regresa ao fogar perseguido dos deuses nemigos. Tiña que ter por héroe a un poeta; e por rapsodias, desafiadas cancións. Canciós que aboian corpos de afogados, en que as estrelas dialogan cos mastros e as gueivotas levan no peteiro as cartas dos mariñeiros namorados: un mar sulcado pol-a quilla de buques pantasmás; un mar que guarda no fondo do seu ventre de chumbo, paraisos de coral e madrépora donde os poetas náuticos fuman, xogan e xuran, parolan co Capitán Nemo7 e beben o acedorón8 que lles sirven as sireas, taberneiras de adegas sulagadas.

 

f.5 Alá estará Manoel Antonio, n-algún bar submariño, xogando as cartas con Corbiére9. Esquecido de nós, no seo dos mariñeiros. Pero nós non o esqueceremos endexamáis. Porque é o noso Ulises. Porque escribíu a nosa Odisea. E na data da súa morte, todos os que o amamos, inclinados á beira do mar, escoitamos un son lonxano, unha sombra de son. E o bronce submariño, o sino mergullados dos bretóns10, a campá dos mortos de que a Salgari11 falou o vello logo Catrame12, que dobra en lembranza e honor de Monoel Antonio. Ulises galego.

 

R. Carballo Calero. El pueblo gallego. 23 de fevereiro de 1933

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Quando o Dr. Ricardo Carvalho Calero (1910-1990) publica este artículo era um moço de vinte e dois anos recém formado em direito e acabava de cumprir-se o terceiro cabo de ano da morte do poeta rianxeiro Manuel Antonio. A peça jornalística que nos oferece o Dr. Carvalho Calero é duma beleza notável e está ch eia de referências literárias que descrevem, acho que felizmente, a imagem e personalidade do poeta do mar de Rianxo. Aínda ciente de que o artigo não precisa de ser explicado para que um possa gozar dele plenamente, deixem-me um pequeno comentário de texto para uma leitura um bocadinho mais profunda, e nunca melhor dito, poder mergulhar-nos nas profundidades do relato qual capitães Nemo.

 

f.1 Curiosa esta comparação entre a simples Belém, com o seu presépio e os seus pegureiros e a Vila marinheira de Rianxo, que sendo também um lugar muito humilde, dá a humanidade um personagem ilustre do tamanho de Manuel António. Em realidade, com Castelao e Rafael Dieste foram três os vultos da nossa cultura paridos por Rianxo. Resulta algo questionável o pensamento de Carvalho Calero, já que nenhum dos três são filhos de humildes marinheiros, mais bem da burguesia vilão com a capacidade económica suficiente para dar-lhes estudos universitários. Mas entendemos que o contexto rianxeiro das primeiras décadas do século XX tinha algo de Arcádia, propícia para a formação de intelectuais humanamente bons e por natureza galeguistas. Assim o confessava o próprio Manuel Antonio.


"Mais a miña biografía non é miña; pertence á nosa vila e é dentro d'ela coma unha d'esas horas anónimas que todol-os días c'o mesmo paso invariábel recorre a agulla insensíbel d'o reloxe d'a torre que peta n-as horas coma un sonámbulo. Eu pudera ben trocar a miña biografía pol-a d'unha pedra d'a rua, pol-a d'un árbore d'a plaza ou pol-a de moitos homes que conezo de vista." Manuel Antonio. Obra completa: V. I Prosa. Ed. Xosé Luís Axeitos Agrelo. Real Academia Galega; s.l. 2012 p.87 


 f.2    (1) Neptuno: Deus romano do mar.

 

         (2) Simbad: Marinheiro fictício do livro As mil e uma noites.

 

 f.3   Alguma vez li, lamento não lembrar a citação, que (3) ronsel era uma palavra que os poetas aprenderam dos marinheiros de Rianxo. Sei lá! Mas o caso é que não se documenta na nossa literatura antes de ca. 1922. 

 

Pescaremos nas redes d'os atlas

 

ronseles de Simbad

 

De catro a catro.

 

         (4) Caristel é uma palavra que pertence ao vocabulário literário exclusivo do Dr. Ricardo Carvalho Calero, aparecendo em versos: Rosa secreta, caristel de orballo e também em peças de teatro: A Arbre ou o Auto do prisioneiro. A palavra mais habitual no léxico galego seria canistrel: cesto de varas. 

 

 f.4    (5) Ulisses: Ou Odiseo, rei de Ítaca, personagem principal da Odisseia de Homero.


         (6) Odisseia: Poema épico grego atribuído a Homero. Século VIII a. C.


         (7) Nemo: Comandante do submarino Nautílios, do livro de Jules Verne Vinte mil léguas submarinas.


        (8) Acedorón: Tal vez se esteja a referir ao kykeon, bebida que aparece na Iliada, feita a base de água, cevada e ervas.


 O parágrafo f.4 parece-me o mais formoso do artigo porque conecta perfeitamente com todo o imaginário manuelantoniano. Tal é assim, que ao ir lendo palavras como afogados, cartas, mastros, gaivotas, evocamos imediatamente versos e poemas inteiros do poeta rianxeiro. É sugestiva (e poética em si própria) essa ideia de que a lírica galega não pode ser épica, no sentido de narrativa, senão em forma de canção. Os heróis não seriam, então, os guerreiros, mas sim os/as poetas. Já o dizia o camarada Hernández: Tristes guerras, si no es el amor la empresa.


 f.5     (9) Corbière: Tristan Corbière (1845-1875) foi um poeta bretão representante do simbolismo e pertencente ao grupo dos Malditos. Certamente o paralelismo com Manuel António é surpreendente:

 

- Ambos nasceram no mês de julho.


- Ambos enfermaram de crianças: T.C. reumatismo articular e M. A. tuberculose.

 

- Ambos tiveram um único amor re-conhecido: T.C. Amida Giuseppina e M. A. Mercedes Rodríguez Pimentel.

 

- Ambos publicaram só um livro em vida: T.C. Les Amours jaunes e M. A. De Catro a Catro.

 

Ambos colocaram ao mar no centro da sua poética.

 

- Finalmente, ambos  morreram de tuberculose a idade de 29 anos.

 

Que Manuel António era uma reencarnação do poeta bretão fica claro nos seguintes versos:

 

Eu sou o cachimbo de um poeta,

 

sua ama: que a Besta lhe aquieta.

 

De O cachimbo de um poeta. Os amores amarelos.

 

        (10) O sino mergulhado dos bretões faz referência a lenda da cidade de Ys, que ficou sob a água por culpa dos seus pecados. Os sinos da Sé, mesmo assim, continuavam a dobrar produzindo um som abafado.


        (11) e (12)  O italiano Emilio Salgari (1862-1911) publicou em 1894 Le novelle marinaresche di Mastro Catrane, como o seu nome indica, contos marinheiros dum velho lobo de mar.

 

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Em 1930, ano da morte de Manuel Antonio, o professor Carvalho Calero ainda era para muitos Ricardito, o jovem poeta do Ferrol autor de Trinitarias, livro de versos em castelhano. Mas ao tempo que madurava como pessoa ia publicando por solto os seus primeiros poemas e os seus primeiros artigos em galego. E nessa Odisseia  de aprendizagem, de toma de consciência, de militância, que tantos vivemos, o Dr. Ricardo Carvalho Calero foi-se convertendo no nosso herói, um Ulises-guia neste eterno navegar no que nunca damos chegado a porto.

 


Vida Gallega nº 367; 10 de fevereiro de 1928.


Original de Lembranza do Ulises morto.


Como ilustração musical a esta postagem recomendo-vos escutar La Cathédrale Engloutie de Debussy, baseada no mito da cidade asulagada de Ys. 

 

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