domingo, 11 de março de 2018

nº 219 Pilar Castillo, pianista. Alguns apontamentos biográficos. I



Esta semana comprei a partitura de Maruxiña da compositora e pianista corunhesa Pilar Castillo Sánchez (1892-1952). Não sou um colecionista, nem acostumo a comprar algo que sei que posso consultar em linha nos repositórios das bibliotecas públicas. Mas eu queria ter esta partitura pelo seu contexto histórico, por ser uma das poucas que existem com texto de Pondal e por estar composta por uma galega.
Como sempre que me achego a um texto musical teve o impulso de saber mais, quem era Pilar, qual o seu papel no contexto musical galego da primeira metade do século XX. Para a minha surpresa, as biografias que pude ler em rede são confusas, com comentários que fazem da vida de Pilar Castillo uma personagem quase misteriosa. Alguma biografia como a que aparece no Album de Mulheres do Consello da Cultura está datada em 2007 e dez anos são muitos no estado atual de investigação na música galega. E por isto que me atrevo a pôr nesta postagem algumas questões que para mim são importantes, tal vez à espera duma monografia sobre Pilar Castillo e a sua alambicada rede familiar.

1º Uma das questões mais curiosas é a discrepância sobre o seu ano e lugar de nascimento e óbito. No Álbum de Mulleres dá-se como ano da morte 1952 e na Wikipedia 1942, ignorando-se em ambos casos o lugar do falecimento. Este dato resulta singelo de comprovar, chega com pedir um certificado de defunção.
Segundo este certificado [ver] Pilar Castillo Sánchez nasceu o 10 de março de 1892 e morreu o 31 de junho de 1952, no seu andar da rua Fontán, nº 6, 1º esq. a consequência duma hemorrágea central consecutiva a hipertensión nefrógena. Não sei nada de medicina, mas soa a que foi algo renal.

O ano do seu nascimento merece um comentário. Tenho a impressão de que a data de 1895 que normalmente se maneja obedece a uma manipulação que parte da própria família da pianista. No jornal El Eco de Galicia do 23 de abril de 1913 aparece um artigo titulado "Pila Castillo. Maruxiña." Nele, o autor da resenha diz: «Nuestra insigne y genial pianista Pilar Castillo, verdadero fenómeno de precocidad musical, nos ha dado una grata sorpresa, ofreciéndonos el libreto de su celebrada composición Maruxiña [...] No podemos resistirnos al deseo de transcribir aquí la sucinta nota biográfica con que comienza el interesante folleto:
"Pilar Castillo abrió sus ojos á la luz del mundo en la Coruña, el 8 de Mayo de 1895 [...]»
Numa Galiza onde trunfa o menino Pepito Arriola e está nascendo o fenómeno Nolita Pereira, tal vez seja puro marketing mentir na idade de Pilita Castillo, conhecendo o valor que a imprensa e o público dá à precocidade. Em qualquer caso quando os concertos de Niza em 1912, a imprensa francesa falava duma moça galega de 19 anos, a sua idade real e a que com certeza apareceria no seu passaporte.
Aguardando a que me chegue do registo a ata de nascimento da nossa compositora –demora muito por culpa da folga nos julgados– há um dado mais para acreditar em 1892 como data certa de nascimento. Num padrão de 1899 [fig. 1] a família Castillo Sánchez vive na rua corunhesa de Los Olmos nº 25, a Corunha. Segundo o padrão, cujos registos etários às vezes são aproximativos, Pilar tem 8 anos. 

Fig. 1 Padrão da cidade da Corunha de 1899

Enfim, quando tenhamos a certificação de nascimento fazer-se-à público.

2º E o acostumado nos artigos sobre Pilar Castillo dizer que o seu primeiro professor foi Canuto Berea. Isto é falso já que este honor recai na mãe de Pilar, Dona Salvadora Sánchez, luguesa nascida ca. de 1867. Em 1885 termina os estudos de «maestra superior de instrução primária» com nota de sobresaliente em todas as matérias. Casa com Enrique Castillo Basoa em janeiro de 1888. Opta a professora de piano e desenho na normal de a Corunha, mas acho que nunca chegou a ocupar nenhuma destas cadeiras. O que si fez e dar aulas na sua casa do zona antiga corunhesa. As suas pupilas iam depois a examinar-se a Sociedad de Amigos del Pais de Santiago de Compostela e ao rematar esta etapa viajavam a Madrid, em muitos casos bolsista da câmara municipal ou da a deputação. Isto aconteceu com as suas filhas. Dora recebeu vários prémios fim de curso na sociedade compostelã. Na imprensa aparece o dado de que Pilar também foi aluna dos Amigos del Pais mas não encontrei o seu nome entre as matriculadas ou premiadas. O certo é que às duas irmãs e Dona Salvadora viajam em 1910 a Madrid, aprovando vários cursos numa só convocatória.

Maruxiña é uma das poucas canções compostas sobre um poema de Pondal. Esta é a razão de que fosse utilizada nos atos de celebração do centenário do bate em 1935. Mas a partitura foi composta e impressa muito antes. Em 1910 já se fala de Pilar Castillo como pianista e compositora. A estética das duas partituras que conservamos dela, Maruxiña e Durme são até um bocadinho vintage para princípios do século XX. Na minha opinião ambas foram publicadas em 1912, ano em que são doadas à Academia Galega da Língua. Em 1913 há uma solicitude de Pilar à câmara municipal de a Corunha para que lhe compre uns exemplares.
Outro fato importante é que os desenhos da capa foram feitos pelo pai de Pilar, Don Enrique Castillo Basoa (15/08/1860 Comillas, Santander; ¿/06/1924 Corunha) de profissão projetista maior de obras públicas e um dos autores de muitos dos desenhos a tinta de monumentos corunheses incluídos em enciclopédias como a Espasa, na imprensa ou nos boletins de diferentes instituições.
As partituras estão dedicadas o que nos leva a pensar que tal vez houve mecenato. Maruxiña foi dedicada a Leonor Centeno, casada com o industrial Juan Sánchez López, dono da fábrica de tijolo de São Diego na Corunha. Deles comenta a imprensa galega:
«[...] el rico sportman D. Juan Sánchez y su ilustrada y virtuosa señora, Leonor Centeno, distínguidísima dama de Buenos Aires, que habla el francés, el inglés y el alemán, como su lengua nativa; traen como chauffeur de su magnífico auto a un joven de 20 años que lleva a su servicio cuatro» El Correo gallego, 20 de agosto de 1908
Semelha evidente que eram as pessoas indicadas para financiar a impressão das partituras.
Durme está dedicada a Concepción Mesa Ramos, Concha Mesa, cantante lírica filha de Juan Mesa, abastado industrial corunhês cuja biografia resulta imprescindível na história económica herculina dos primórdios do século XX. Será por dinheiro!

4º A rede familiar dos Castillo Sánchez também resulta muito interessante. Dora Castillo casou o 12 de outubro de 1914 com Fernando Martínez Morás, catedrático de comércio e filho de Adolfo Martínez Salazar. Fernando foi membro numerário da Academia Galega da Língua e presidente da Sociedad Filarmónica da Corunha. Dora era, então, cunhada da grande pedagoga María Barbeito, casada com Juan Martínez Morás. Em 1938, quando Fernando vinha de cobrir uma informação periodística como correspondente de guerra de La Voz de Galicia teve um acidente nos montes de Leão. Num primeiro instante não parecia grave, mas umas horas depois morria a consequência dum derrame cerebral. 
Mesmo não havendo ligação familiar, Pilar Castillo tocou muito como pianista acompanhante da soprano Eloisa de la Fuente, vizinha sua e tal vez aluna da mãe. Esta mulher casou em 1918 com o pianista santiaguês Jesús Brage Villar. Fruto deste casal nasceu Luisa Brage de la Fuente que casaria com Ramón Ballester Vives, diretor de entre moitas outras bandas da santiaguesa do Regimiento de Infantería «Zaragoza».

5º Vários.
a) Pilar Castillo, além de concertista e compositora, foi uma notável pianista acompanhante. Segundo se recolhe em vários artigos de imprensa é muito possível que acompanhasse ao próprio Manuel Quiroga em 1911, num concerto organizada pela Sociedad Filarmónica da Corunha.
b) Depois da sua gira francesa Pilar esteve um tempo em Barcelona onde chegou a tocar no Palau da Música em 11 de junho de 1912. Eis o concerto que deu, um exemplo do seu reportório habitual.

1ª parte: Prelúdio e fuga em mi menor Bach-Liszt; «Fuegos fatuos» y «Mazeppa», Liszt.
2ª parte: «Sonata» num. 21, op. 53. Beethoven.
3ª parte: «Triana», Albéniz; «Les jeux d'eaux á la Villa d'Este», «Saint Francois de Paule marchant sur les flots», Liszt: «Obertura de Tanhauser», Wagner-Liszt. Fonte La Vanguardia.
Como se pode apreciar um reportório exigente e profusamente lisztiano.

c) Em 1926 a Sociedad Filarmónica convoca o prémio Francisco Ponte y Blanco, em memória do que fora presidente da entidade filomusical. Estava dotado com 500 pesetas e premiava ao autor duma Sonata Galega. O jurado era presidido pelo diretor do conservatório madrileno Antonio Fernández Bordás e fazia parte do mesmo Conrado del Campo. O primeiro ganhador foi o burgalês Antonio José, fuzilado pelo exército de Franco no monte de Estépar. É muito provável que Pilar Castillo fizera a estreia absoluta desta obra no Teatro Rosalia da Corunha o 23 de março de 1927, uns dias depois de cumprir 35 anos. Em qualquer caso, paga a pena escoitar a Sonata de Antonio José, na minha opinião uma das melhores obras para piano compostas jamais com temática galega.

Por agora é tudo, mas prometo continuar. 

Apêndice I: Dossier gráfico:

Pilar Castillo Sánchez
La Ilustració catalana, 20/04/1912


Pilar Castillo Sánchez
Heraldo de Madrid 24/05/1911

Pilar Castillo, Eloisa de la Fuente e Honoria Goica
Vida Gallega, nº 82 20/02/1917

Salvadora Castillo
Vida Gallega, nº 23 15/07/1910 

Apêndice II:

O autor da letra de Durme é Bernardo Bermúdez Jambrina (1887-1918), ator e diretor da Escuela Regional de Declamación. A amizade de Pilar e Bernardo vinha de velho já que de 1904 são os seguintes versos:

A la precoz e inspirada compositora
Pilita Castillo
----

De la vida los pasos primeros
tranquila vas dando,
sin sentir amarguras ni penas
riyendo, gozando.

Tu recorres del mundo el sendero
sembrado de flores,
donde están prodigadas las dichas
triunfos y honores.

Yo recorro la senda escabrosa
sembrada de abrojos,
donde están las penas
desdichas y enojos.

 Tu en la frente brillante, ostentando
el sello explendente
de los genios, la vida comienzas
tranquila y sonriente.

Yo, llevando conmigo del duelo
el signo pesado,
aunque joven, terminó la vida,
herido y cansado.

Sigue recto el sendero, que arriba
te espera la gloria.
¡Ay! feliz del que alcanza la palma
cantando victoria.

Sigue, sigue, y no escuches mis quejas.
El triunfo conquista
y corone el laurel de los genios
á tu alma de artista.

B. Bermúdez Jambrina.
La Coruña, 1904.
Publicado em Revista Gallega. nº 534

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