sexta-feira, 8 de agosto de 2014

nº 188 Filgueira Valverde em Lisboa.


A professora e grande pianista Helena Mariño enviou-me um artigo sobre Filgueira Valverde que ela mesma encontrou no espólio do compositor português Frederico de Freitas, depositado na Universidade de Aveiro. Trata-se duns recortes de jornal sem cabeçalho e sem data, motivo pelo que preferi não publicar na altura à espera de ter toda a informação sobre o evento do que se informa. Por fortuna, na imprensa galega pude encontrar a notícia que me permite completar todos os dados duma palestra-concerto que pelas suas caraterísticas considero do máximo interesse. Graças a notícia publicada em La Noche [fig.4], sabemos que a intervenção do Dr. Filgueira Valverde em Lisboa foi, com toda certeza, em maio de 1948.   
Um dos detalhes que primeiro me chamou a atenção é o formato que teve o evento. Um conferente, o Filgueira Valverde, ilustrado por um pianista, nada menos que o grande Luis de Freitas Branco (Lisboa, 12 de outubro de 1890; Lisboa, 27 de novembro de 1955);e uma cantora lírica, a soprano Elsa Penchi Levy (Lisboa, 4 de janeiro de 1911; ?). Este formato recorda muito ao utilizado por António Fernández-Cid de Temes, o mesmo modelo que desenvolverá nas conferências-concerto no quadro do Festival de la Canción Gallega de Ponte Vedra. É possível que o Fernández-Cid influíra no Filgueira por quanto dois anos antes do ato em Lisboa, o crítico de ABC ofereceu no Teatro Principal pontevedrês a palestra La música contemporánea en España, acompanhado da soprano Carmen Pérez Durias e o pianista José Cecilia Tordesillas.
A palestra lisboeta teve lugar no salão do jornal Século, razão esta pelo que o conferente foi apresentado pelo redactor em chefe do rotativo, Acúrcio Pereira. Segundo conta o cronista, Filgueira falou dos Elementos populares originarios en la lírica de los cancioneros «em espanhol, com o [seu] doce acento galego». 
Deixo para quem tenha vontade de os ler os artigos [fig. 2,3,4] que motivaram esta postagem.
Por último, gostaria de referir-me a dois aspectos que não estão directamente relacionados com o contido da conferência, mais sim com os galegos em Portugal e o seu papel significado durante a Guerra Civil e na posterior ditadura do General Franco.
O evento celebrado no salão do Século foi retransmitido pela emissora Rádio Clube Português. Esta sociedade radiofónica estava dirigida pelo capitán Jorge Botelho Moniz, um militar que imediatamente depois do alçamento das tropas nacionais pôs as ondas do Rádio Clube a disposição dos sublevados. Sobre este aspecto recomendo o trabalho titulado La guerra del eter de Alberto Pena Rodríguez. O capitão Botelho contratou speakers espanhóis, como a popular Marisabel de la Torre de Colomina. Esta locutora chegou a dizer diante do microfone do Rádio Clube que os rojos queimaram os móveis do seu andar madrileno. «Para una mujer española, son los muebles de su casa algo íntimo y familiar que guarda y quiere con singular complacencia y amor porque ellos son depositarios de preciados recuerdos que constituyen la vida y porque alli como ella dice invdadida de amor maternal "se guardan las ropas de los hijitos por los que se daría la vida» El Compostelano, 06/X/1936 Esta alocução provocou uma imediata colecta promovida pelos japistas (Juventudes de Acción Popular) de Compostela, para comprar-lhe a Marisabel um mobiliário novo. Na Galiza houve outras iniciativas para render homenagem ao Rádio Clube Português, chegando a deslocar-se a Lisboa uma comissão de galegos, como demonstra a fotografia [fig.1] conservada no Arquivo Nacional da Torre do Tombo.

fig. 1

A emissora de Botelho, como a Emissora Nacional, não só serão parciais nas suas notícias sobre o frente de batalha, senão que entrarão na tolémia pan-galaica guerracivilista. 
Em Lisboa há uma embaixada legal, com Sánchez Albornoz à frente, e uma outra dos sublevados, conhecida como embaixada negra, criada, com a conivência de Salazar, pelo sinistro Nicolás Franco. Resulta engraçado imaginar aos conspiradores franquistas e salazaristas de mãos dadas por enquanto o galego Franco desejava Portugal e o falangista Rolão Preto pedia a Salazar a anexãção da Galiza. Tal vez isto último que acabo de contar faz parte da lenda galego-portuguesa, mas o certo é que Portugal foi um aliado eficaz dos sublevados e as emissoras, uma arma que resultou letal.
Neste contexto não espanta que em 1939 a Orquestra de Câmara da Emissora Nacional que dirigia Frederico de Freitas estreara a suite Chucurruchú de Iglesias Vilarelle, um dos cindidos da Direita Galeguista chefiada por Filgueira Valverde. O máximo responsável das orquestras da Emissora Nacional era o Pedro de Freitas Branco, irmão do pianista que acompanhou ao conferente pontevedrês. 
Ao final do artigo do Século há uma nominata do pessoal que assistiu ao evento, entre os quais um homem várias vezes citado no texto do jornal, o poeta e político Eugénio Montes. Outro galego a estar onde há que estar, concretamente na Embaixada de Lisboa como agregado cultural —nos filmes de espiões sempre aparece um agregado cultural— e director do Instituto Español de Lisboa (1943-1950). Este unionista, como lhe chama Eduardo Javier Alonso Romo em Lusitanistas Españoles, escreveu Interpretación de Portugal: «España y portugal son naciones paralelas, y las paralelas se encuentran en el infinito». Quiçá um destino en lo universal. Também em Lusitanistas Españoles Alonso Romo faz uma pergunta agora de máxima actualidade: «Y donde situar a un hombre como José Filgueira Valverde, preferentemente dedicado a los estudios gallegos, pero autor de un excelente estudio sobre Camões (Barcelona, Labor,1958)» Pois que sei eu, a mim que não me perguntem. 

fig.2

fig.3

fig.4

Sem comentários: