quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

nº 14 Pregão da Gaita Galega 1852

A Gaita Gallega de João Manuel Pintos é uma obra singular pelo que tem de pioneira mas, sobre tudo, pela valentia que amostra a hora de tratar o conflito linguístico entre o galego e o castelhano. Os protagonistas da história, como na gravura de Goya, personificam o mundo ao revés. O que fala castelhano é o criado-tamborileiro Pedro Luces, o qual acode onda o gaiteiro do Leres aprender a falar galego e tocar a gaita.
Desde um ponto de vista antropológico-musical, A Gaita Gallega resulta um autêntico manual do que era a aprendizagem tradicional dum aspirante a gaiteiro. O ofício havia que apreende-lo desde a base, tocando os arruídos, acompanhando ao mestre e alimentando essa condição imprescindível dum bom gaiteiro: o orgulho de se-lo.
Em 1852 os gaiteiros começavam a competir com as murgas, nos teatros soavam as gallegadas, descafeinadas evocações duma moinheira, e a intelectualidade galega estava a descobrir um filão inesgotável para os seus textos e reivindicações: a cultura do povo.
Antes de tirar do prelo as primeiras brochuras de A Gaita Gallega, Pintos publicou o texto que transcrevo a continuação a modo de anúncio, como uma pequena jóia cheia de intenção e duplos sentidos. Alguma vez, comentaremos pelo miúdo o muito de interessante que nos oferece, mas pelo de agora, desfrutemos da sua formosura.


PREGÃO DE A GAITA GALEGA
Já fez tempo que estou eu, o Gaiteiro, falando só e dizendo para mim: que terá, Senhor, esta fala galega para ser tão repudiada incluso pelos mesmos filhos de Galiza? Será tão bujão de termos que não se possa por ela desafogar o entendimento com claridade? Estará amaldiçoada? Terá algum feitiço? Botariam-lhe alguma paulina para que se desbandasse e esmigalhasse de maneira que não se pudesse juntar jamais e, em pena dos nossos pecados, somente ficassem anacos e cachos dela espalhados sem travação para eterna memória de semelhante praga? Será tão agre e brava que se encarrapitam as orelhas e fechem os ouvidos com a repugnância de tão duro som? Não e não, diz o Gaiteiro. Matinando, pois, decote com esta ideia fiz-lhe um fato novo a minha gaita e pendurei-lhe no ronco uma borla das festas para começar as minhas foliadas e tocar umas tocatas do trinque, fazendo que os chios de esta música nova se ouçam quando menos em toda A Galiza. Ruim seja quem por ruim se tem. O Gaiteiro bem sabe que não há pior cunha que a do mesmo pau; mas, assim e tudo, já não há atrancos nem barrancos que o detenham no caminho. Assim, pois, em acabando de pôr as penas à sua monteira, ai o tereis mais plantado e mais garrido que Guerineldos, enchendo as fróias, apertando o fole e convidando a todos os seus paisanos. A Gaita, como é nova, tem certas técolas para o tempero e não faltarão, nas foliadas, adufes, ferrenhas e conchas; e, de quando em quando, soará a sanfona com os ferrinhos. Venha!, bailadores, ide-vos pondo currutacos para vir à festa, que possa que não vos arrependais; pois, ao fim e ao cabo, eu não ando com pantominadas nem prometendo O que não hei de dar, como fazem muitos farafulhas que com quatro guedelhas muito encrouchadas ou com quatro pelinhos de cabrão se vendem por grandes e afamados músicos, resultando que todo quanto tocam é uma gaiteirada; e, desde que fazem o seu ordenado, vão-se rindo e vos quedais rangendo. Eu já vos desengano em tempo. Nem piano, nem órgão, nem chouta, nem chifre vos vou tocar, nem vos ofereço aberturas nem fechaduras, nem duos nem vinte e quatros, nem orquestras nem barulhadas, nem outras tolerias. A Gaita, meus amigos, a Gaita é para o Gaiteiro, e o tamboril para o tamborileiro. Nem mais nem menos que gaiteirada e mais gaiteirada vos vou fazer para que nenhum alarve usurpe a jurisdição do Gaiteiro, Santo Idioma Galego seja comigo, pois ao pé da sua capela e debaixo do seu alpendre vou fazer eu esta romaria.
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1 comentário:

Unknown disse...

parabens. acabo de publicalo no meu facebook. agardo que non che importe, pois penso que estes textos deben chegar a canta mais xente mellor.
apertas muitas.