texto e desenho: ©rjais 2013
quinta-feira, 4 de julho de 2013
terça-feira, 25 de junho de 2013
nº 168 Um novo livro sobre Faustino Rey Romero.
A sexta, 21 de junho, esteve na presentação do livro Faustino Rey Romero. Obra poética e teolóxica, do professor X. Ricardo Losada. Foi um ato bem produtivo que me permitiu apreender e desaprender alguma coisa, algo habitual quando quem fala é pessoal de superior inteligência. Escutar ao tandem Jesus Santos-X. Ricardo Losada animou-me a arrombar ideias que tinha desordenadas no meu magim e que só agora é que me atrevo a pôr por escrito.
Santos vs Losada
No discurso de ambos os dois biógrafos aprecia-se a importância do matiz. É evidente que Santos fala de Rey Romero desde o espaço emocional, do amigo e camarada galeguista na luta antifranquista.
Losada fá-lo, porém, desde o estranhamento metodológico, desde a distância sempre perseguida pelo investigador mas quase nunca acadada. Gostei da valentia de Xosé Ricardo para se enfrentar a um personagem, nas suas palavras, com luzes e sombras, que é tanto como dizer dele que foi um homem que viveu. Sei por própria experiência que quando se trata com parentes e amigos da personagem biografiada é muito habitual ficar cativo do contexto, temeroso de incomodar aos que foram os nossos principais informantes. Losada fez um alegado da sua independência e do seu subjetivismo, as maiores virtudes que eu reconheço num bom biógrafo.
As minhas anedotas
Eu, obviamente, não conheci a D. Faustino. Na sua morte tinha três aninhos e nada fazia presagiar que um dia teria uma filha rianjeira. Mas, contudo, também posso contar um par de anedotas sobre o crego-poeta, uma minha e outra de recolecção.
Uma idosa dirigente da Falange rianjeira contou-me, com um gravador de por meio, que nos anos centrais da ditadura foi falar com Rey Romero para lhe pedir oficiara uma missa im memoriam de Primo de Rivera. Intuo que a Sra. fixo o pedido para provocar ao crego-poeta, mas, repito, só intuo. Faustino negou-se rotundamente o que motivou o protesto da dirigente da Sección Femenina que exclamou:
- Como le niega una misa a un cristiano!?
A resposta do padre de Isorna foi que sobravam cregos em Rianjo para missar nesse funeral.
A segunda anedota tem a ver com um artigo que publiquei na revista das festas da Guadalupe. O texto versa sobre um poema faustiniano chamado Canta, passarinho canta. Resulta que há três versões musicadas deste poema da autoria dos maestros Frederico de Freitas, Rogélio Groba e Manuel Vicente "Chapi".
O artigo está ilustrado com um desenho meu representando a um merlo, o pássaro fetiche de Rey Romero.
Um meio-dia, sentei fronte ao computador da biblioteca da minha escola, chamada, para mais aquele, Xosé María Brea Segade. Estava a aproveitar um intervalo sem alunado para fazer as últimas correções do meu artigo quando de súpeto, entre os andeis que custodiam os livros, senti um ligeiro ruidinho que imediatamente associei a um rato de biblioteca, desta vez sem qualquer sentido figurado ou metafórico.
Dada a minha incontrolável musofóbia ergui-me dum pulo e sai correndo cara a porta.
Pois bem, e por incrível que pareça, nesse breve espaço entre a messa do corredor e a saída da biblioteca houve um instantinho em que os meus olhos e o do intruso se cruzaram e soube que podia estar tranquilo; o som que ouvira não fora provocado por nenhum roedor.
Sobre um estante baixo na que temos colocada a banda desenhada estava pousado, observando-me, um merlo. O seu pico laranja apontava-me como a batuta dum diretor de orquestra ou o condão dum mago que com um suave aceno congelara meu movimento. Com a ajuda do zelador logramos liberar ao merlinho que fugiu do cárcere de livros por uma janela aberta ao pátio.
Aos poetas da geração de Rey Romero, dos Álvarez Blázquez, de Baldomero Isorna... chamava-lhes Guerra da Cal os poetas ornitólogos.
Juro por Deus que sou ateu, mas de não sê-lo, pensaria que aquele merlinho aventureiro alojava o espírito de D. Faustino. Que coisas passam!
Ilustração para o livro das Festas da Guadalupe
Outras postagens sobre Faustino Rey Romero:
nº 132
nº 133
Artigo do livro das Festas da Guadalupe:
premer aqui
domingo, 23 de junho de 2013
nº 167 São João e os dentes
Os etnógrafos e etnomusicólogos do século XIX, como Marcial Valladares ou José Inzenga, consideravam-se conservadores dum conjunto de tradições que logo iam desaparecer com a chegada dos novos tempos. Efetivamente, muito do que eles presenciaram e registraram nos seus cadernos desapareceu para sempre na sua forma e função originária, apenas fossilizadas nalgumas práticas folclorizadas quase que de caracter teatral.
Porém, nem tudo desapareceu, e ainda neste tempo de pós-modernismo cafona e cibercultura avassaladora surpreende-nos o survival de velhos procederes, costumes tão antigas e com raízes tão abastadas de rizomas que desisto de saber qual pode ser a sua origem, os elementos religiosos e/ou antropológicos que lhe deram forma ou o papel a desenvolver na sociedade atual.
Um facto muito interessante na normalização dos costumes no território galego foi a recuperação no eido escolar da festa do samaim e da personagem do Apalpador.
Surpreende a postura contrária face este fenómeno manifestada pelo escritor de ideologia independentista Xosé Luís Méndez Ferrín, por quanto uma e outra celebração são castiçamente galegas e poderiam, de se generalizar, substituir tradições muito mais recentes, como o publicitário Pai Natal ou outras de caracter religioso como Os Reis.
Eu, que sou da Ilha de Arousa, vivi o samaim de jeito natural, sem imposições mediáticas ou escolares. Por defuntos íamos roubar botefas (abóboras) nalguma leira, esvaziávamo-las e colocávamos no seu interior uma mariposa, lamparina que dava uma débil luz trêmula. Estas abóboras eram colocadas nos valos ou nos tornaratos dos espigueiros, a uma altura aproximada da cabeça duma pessoa. Não sei se a esta celebração devêramos chama-la samaim ou de qualquer outro modo, mas eu e os meus vizinhos carcamãos somos a prova vivente de que a festa existe.
Relacionada com o São João há alguma que outra tradição muito formosa que continua a ter uma saúde bem viçosa. É o caso do lume, do rito de saltar as fogueiras, da auga de flores para lavar o rostro na amanhecida, etc. A minha tia Lúcia escachava um ovo e deitava a clara num copo de agua que deixava na janela, ao relento, na noite de São João. Depois observava as figuras que formava o ovo no líquido para saber quem, num futuro próximo, ia ser seu namorado. A minha tia cria ver sempre um barco, pelo que o seu amor seria com certeza um marujo. A pobre, tudo há que o dizer, morreu solteira.
Mas o Rianjo conserva uma tradição que em aparência nada tem a ver com o solstício de verão, mas que sim está relacionado com o São João.
Quando a alguém lhe cai um dente é costume deita-lo na borralha ou pousa-lo no saliente do forno. Jamais o dente deve ser deitado na eira ou diretamente no lixo. Há que dizer que nas casas dos nossos avôs, quando não dos nossos pais, quase que tudo o que ia ao lixo era matéria orgânica que se reciclava como alimento de animais ou adubo no quintal. De deitar o dente na eira ou no lixo havia a provabilidade de que fosse comesto por um animal: v. gr. o porco ou as galinhas. Estes bichos, a sua vez, estavam destinados a ser comidos pelos humanos, pelo que poderia dar-se o caso dum fato de antropofágia indireta aborrecível para o gênero humano. Ai se Levi-Strauss estivesse ciente!
O bom é que no momento de deitar o dente à borralha o pessoal diz uma espécie de ensalmo ou oração tal que assim:
Conheço, pela Concha Roussia, que noutros lugares existe também a tradição da galinha dos dentes. Este costume, ao igual que o da borralha, considero-o melhor que o do Rato Pérez, ainda mais quando quem isto escreve padece de musofóbia. É certo que o costume do rato que se leva os dentes de leite é uma tradição de grande percurso histórico, mas é provável que na Galiza não se conhecera de não ser porque o jesuíta Luís Coloma inventou uma personagem apelidada Pérez, no intento de consolar ao bourbón Afonso XIII quando com oito anos acabava de perder um dentinho.
Mas qual é o motivo de que em Rianjo se associe a oferenda da dentição decídua com a borralha e o santo João? A borralha é um detersivo natural. Misturado com água quente produz uma lexívia ligeira usada tradicionalmente para branquear as prendas delicadas como os lenços de linho. O lume, associado ao São João tem poder profilático, depurador. Quiçá nestas propriedades do lume, do forno e a borralha esteja a chave. Mas o São João é o batista, o mediador que conduze ao pecador ao reino dos filhos de Deus. A queda dos dentes de leite e a aparição dos permanentes não deixa de ser também um transito duma a outra etapa da vida duma pessoa.
Perguntando aos velhos de Rianjo e das vilas e aldeias próximas ao nosso concelho tal vez podamos aprofundar neste costume da oferenda do dente de leite. É uma tradição exclusivamente rianjeira? Exclusivamente do Barbança? Pois, no referente à Galiza, pudera ser, mas, como quase sempre, nada cultural nos pertence em exclusividade. Em O ramo de ouro de James Frazer, aparece a seguinte quadra originária de Ratonga, no Pacífico:
Rata grande,
pequena rata,
aqui está o meu velho dente
rogo-vos que me tragais outro são.
Num estudo sobre a cultura chiloé podemos ler:
«Una
campesina nos decía que no hay que tirar el diente al fuego por que
pena el alma si muere el niño. Sin embargo, otro campesino, aseguraba
que haciéndolo así viene un diente sano y fuerte.» Renato Cárdenas & Catherine Hall
Bom São João a tod@s.
terça-feira, 28 de maio de 2013
sábado, 25 de maio de 2013
nº 165 De quando teve tratos com o cão dos Dorado.
Sim. É assim de prosaico. Eu teve tratos com o cão dos Dorado, não com o clã. Era um pícaro e passeava pelo Lagartinho, por frente da quinta do Marcial Dorado, aquele homem que conhecíamos de vender as passagens na motora, anos antes de que a ponte acabara com a insularidade da Arousa. Mesmo para umas crianças, embora bem informadas, resultava escandaloso que aquele sujeito chegara a ter semelhante castelo. Dizque a sua moradinha contava com uma grande adega, discoteca particular, piscina e não sei quantas outras esquisitices, ainda mais quando na nossa ilha continuava a haver casas com quinteiro e serviços muito elementares.
Pois bem, eu passava por diante da grande portada e dois cãs de raça loba botaram-se-me acima e deram comigo numa leira contigua, estombalhando-me na erva, mas não por vontade própria. Um dos melhores amigos do homem, que naquela ocasião não o foi meu, deu-me uma chanchada no cu, deixando-me a cacha a ferver.
Cheguei a minha casa assustado e dolorido. A minha mãe decidiu fazer escracho telefónico, pegou no aparelho e pôs a parir a quem estava do outro lado, que por acaso não era o interdito; a saber quem é que era.
Na altura eu tinha doze ou treze anos, agora tenho quarenta e quatro. Botem contas. O Marcial já era um grande empresário, já dera o passo de expendedor de tiques a grande distribuidor de substâncias muito mais lucrativas. Aqueles cativos que fomos atacados pelos cãs dos Dorado sabíamos de quem era a casa, e a que se adicava o patrão. Curioso que um alto funcionário de sanidade não soubesse nada.
Considero que o Marcial Dorado está no cárcere para cumprir condena pela chanchada que um dia me deu no cu o seu cadelo. É um justo pago. O que nunca poderá pagar nem por mais anos que passe de reclusão é a saudade que sentimos dos muitos amigos perdidos. Esse cão dos Dorado, esse sim que é perigoso.
La Vanguardia 19 de dezembro de 1984
(Este Feijoo não deve ser muito de ler jornais)
terça-feira, 21 de maio de 2013
nº 164 Uma fotografia de Ovidio Murguia ao piano.
Esta fotografia enviou-ma o meu amigo Ernesto Vázquez Sousa quando estava a preparar a minha palestra para o congresso de Guerra da Cal. Está tirada dum artigo de Juan Naya Pérez, no boletim nº 356 da R.A.G. Desde que a vi por primeira vez fiquei fascinado.
A personagem que toca o piano e olha em escorço à câmara é Ovidio Murguia, rodeado por quatro indivíduos sem identificar, possivelmente colegas seus da boemia madrilena. Na instantânea aparecem três instrumentos, um piano, com as candeias da cornucópia acesas, uma pandeireta e uma guitarra. Tenho já publicado muito sobre a relação dos artistas galegos com a música, artistas conhecidos pelas suas dotes pictóricas ou literárias, mas dos que apenas se fala em termos musicais. É bem possível que o de Ovídio Murguía não seja uma simples posse para tirar a fotografia e que na realidade ele também tivera formação musical, nomeadamente pianística. A dia de hoje eu não posso confirmar mas, como veremos, esta fotografia feita na etapa madrilena do filho de Rosalia de Castro, pode dar-nos alguma informação que acho de interesse.
Em primeiro lugar tudo indica que se trata do estudo ou da morada de Ovídio. Durante o tempo que esteve em Madrid viveu com a família de Pérez Lugin, o seu parente, assim que tal vez este fosse o seu quarto na vivenda do autor de La casa de la Troya. As paredes estão cheias de quadros, algum deles catalogados, o qual nos pode dar uma datação aproximada.
A data certa desta fotografia tem de ser entre 1897, ano na que o pintor assina Passarinho no ramo, óleo pintado sobre o coiro duma pandeireta e o 1 de janeiro de 1900, data do seu falecimento.
Mas o que mais me impressionou da imagem, além da olhada à câmara do Ovidio e essa pandeireta colgada da parede. Tratar-se-à dum exemplar de 23 cm de diâmetro, com seis pares de ferrenhas. Não sabemos a sua origem, se foi comprada na feira do Padrão onde tantas foram vendidas ou quiçá, quem sabe, se trate duma prenda de amor de Visitación Oliva. Esta moça madrilena foi o amor impossível de Ovidio. A sua família afastou-no dela, que muito provavelmente ficou grávida do pintor e deu aos Murguia Castro o seu primeiro e único neto. Em qualquer caso, como é próprio dum artísta romântico, Ovídio morreu de tuberculose longe da sua amada, baixando-se o telão em janeiro de 1900 duma muito triste tragedia de amor.
fonte: http://www.foroxerbar.com/viewtopic.php?t=12844
Assim como os outros quadros estão perfeitamente identificados, não é seguro que a pandeireta da fotografia corresponda com a pintada por Ovídio. A fotografia que ilustra o artigo de Juan Naya não é o suficientemente nítida para ver se há algo desenhado no coiro, mas em qualquer caso, considero que se trata do instrumento utilizado como lenço para Passarinho no ramo.
Antes falava em termos românticos das motivações que o Ovidio Murguia teria para pintar esta pandeireta, mas o certo é que existe no século XIX uma grande tradição que fez desta prática um verdadeiro gênero pictórico. No catálogo da exposição La pandereta pintada, Joaquin Díaz escreve o que se segue:
«Durante todo el siglo XIX la pintura de panderetas reviste una importancia singular ya que con la subasta de las mismas de las mismas se obtenían recursos para atender a las necesidades de los soldados que se hallaban luchando en África o en Cuba.
Precisamente en 1892 y durante las fiestas de Carnaval surgió una inicativa del Círculo de Bellas Artes de Madrid para adquirir mil panderetas y entregarlas a diferentes artistas plásticos de Madrid para que las pintasen. El resultado fue tan espectacular que se vendieron casi todas y con el montante de lo obtenido y la organización de un baile se contribuyó a sufragar los gastos del propio Círculo (salones, cátedras, modelos, etc.) de modo que la inicativa duró unos años y llenó de panderetas toda España.»
terça-feira, 30 de abril de 2013
nº 163 (Des)Memória histórica.
O dezasseis de abril de 1937 eram assassinados na Caeira, Narciso Suárez Lojo e José Besada Nieto. O ano passado cumpriam-se setenta e cinco anos da tragédia, uma data que ficou, como tantas outras, definitivamente na desmemória.
Existem algumas páginas que dão listas dos represados, tal como a magnífica http://vitimas.nomesevoces.net/, na qual podemos ler os nomes de nove vizinhos da Ilha de Arousa justiçados. Estes são, alem dos acima citados, José Búa Laredo, Luis Castro Lojo, Marcelino Dacosta Bravo, Santiago Otero Pajares, Juan Sanes Otero, Antonio Sanes Otero e Francisco Vázquez Vázquez.
Curiosamente, as páginas da memória dão conta de todas estas vítimas inocentes, mas são escassas aquelas que citam aos membros da Guardia Cívica ou da Falange nos anos do terror. Se fazemos memória que seja com todos os dados ou quando menos com aqueles que são públicos.
Achego uns recortes de jornais que foram tirados de internet. Não precisam de comentário, só duma leitura histórica e sossegada. Contudo, permitir-me brevemente dar a minha opinião. Estamos numa época na que se estão a recuperar espaços que pertenceram a fabriqueiros, fomentadores, industriais de origem catalão os quais, supostamente, trouxeram o progresso às nossas rias. É óbvio que não se pode generalizar, que houve muitas gerações, diferentes épocas e circunstâncias, mas é frequente encontrar os seus apelidos entre os quadros repressores. Façamos memória.
Recomendo a leitura de PEREIRA, Dionísio Loita de clases e represión franquista no mar (1864-1939), Vigo: Edicións Xerais; 2010.
El Pueblo Gallego 31/12/1936
El Pueblo Gallego 07/07/1937
El Pueblo Gallego 09/10/1937
Subscrever:
Comentários (Atom)









