Uma diva na lista da Forbes
A primeira vez que me deparei com o nome de Isabel Castelo deve ter sido ao rever a biografia de Teresa Turné, na sequência da minha pesquisa sobre o Festival de la Canción Española de Ponte Vedra. A soprano madrilena, presença constante no concurso de música da capital do Leres, ganhou o Prémio de Canto Isabel Castelo em 1963 ‒talvez ela apenas um accéssit‒, o mesmo que ganhariam vozes tão prestigiadas como a Berganza ou a Orán. Mas foi recentemente que a minha mulher me perguntou se eu sabia alguma coisa sobre a história da Castelo: marquesa, cantora de ópera nascida na Corunha, protagonista com a voz de um famoso anúncio de televisão e integrante da lista da Forbes como uma das grandes fortunas de Espanha. Devo dizer que depois de tantos anos estudando e escrevendo sobre a música do meu país, e especialmente as mulheres músicas, o meu orgulho sofreu um duro golpe. Quase não sabia nada além da existência de um prémio que levava seu nome.
Aos poucos fui descobrindo aspetos de sua vida pessoal e, sobretudo, de seu trabalho como cantora lírica que me pareceram relevantes o suficiente para comentá-los aqui, sabendo que a personagem mereceria uma atenção mais demorada de alguém com um tempo do que eu não disponho. Em suma, espero que este artigo sirva para mostrar o meu respeito por uma soprano com um trabalho profissional digno de ser lembrado.
Ramón D’Ortega y Hervella, o avó fundador
Ramón D’Ortega y Hervella, fundou em 1920, na cidade de Vigo, a companhia de seguros Ocaso. Se temos pouca informação biográfica sobre a neta, não temos muito mais sobre o avô. Da mesma forma, gostaria de poder traçar o perfil deste personagem que fundou do nada, há mais de cem anos, um império económico que não parou de crescer até hoje.
O trabalho de Dom Ramón ‒aquele que ele desempenhará até a criação da seguradora‒ era o de tipógrafo, igual ao do também galego Pablo Iglesias, fundador da UGT. Com ideias profundamente progressistas, ingressou na Sociedade Tipográfica (1914) e em 1928 representou a Vigo no XIV Congreso Ordinario de la Federación Gráfica Española, precisamente dependente da UGT, realizado em Saragoça.
Como tipógrafo trabalhou, entre muitos outros lugares, nas oficinas da revista de Jaime Solá, Vida Gallega.
Do seu espírito progressista, é-nos revelado o facto de em 1912 ter participado, com a quantia de 500 réis, numa angariação de fundos, aberta no Brasil, para ajudar à família de Francisco Rodríquez Pancho, vítima de um homicídio cometido por um clã caciquil da vila de Salvatierra.
Na Gazeta de Madrid de 23 de junho de 1920, é autorizado o registo da seguradora de Vigo, denominada: Seguro Funerario El Ocaso.
Em 1934, Don Ramón aparece como vice-presidente do Partido Democrático Radical da Corunha, formação liderada no Estado Espanhol pelo também tipógrafo e maçom, Diego Martínez Barrio (Sevilha, 1883; Paris, 1962). O executivo da Corunha esteve composto na presidência por César Alvajar; vice-presidente, Ramón D’Ortega; secretário, Ovidio Rodríguez Blanco; o vice-secretário, Manuel Varela Fernández; tesoureiro, Juan Martínez Morás; o contador Francisco Suárez; primeiro vogal, Antonio Domínguez Lamela; idem segundo, Ángel Saavedra Ponte; idem terceiro, Jesús Mejuto.
Nesta lista encontram-se várias pessoas que, após o golpe militar de 36, serão acusadas de pertencer à Maçonaria, como, por exemplo, César Alvajar, Rodríguez Blanco ou Antonio Domínguez Lamela. O próprio Ramón D'Ortega será obrigado a declarar na sede da Falange, acusado de ser membro da irmandade e, posteriormente, pagará por este motivo, uma multa, muito elevada para a altura, de 10.000 pts.
É possível que a hostilidade de uma cidade nas mãos das milícias armadas dos Caballeros de la Coruña e da Falange, o tenha encorajado a mudar a sua residência para Madrid, onde a sua vida transcorreu discretamente, dedicado a seus negócios, até à sua morte em 1950.
Concepción D’Ortega López. O início do matriarcado
Em junho de 1962, Concepción D’Ortega, herdeira do império Ocaso, em trânsito para a Argentina, fez escala no Brasil. No documento emitido pelo consulado brasileiro em Madrid consta que a sua profissão era a de prendas caseiras. Em realidade, ela era a legatária da empresa fundada polo seu pai, e a iniciadora duma saga que transmitirá o património de filha única em filha única até os nossos dias.
Conchita D’Ortega nasceu em Madrid o 25 de Junho de 1905. O nome de sua mãe era Isabel López Briceño (1874-1974), uma mulher nascida na Câmara Municipal de Tielmes, Comunidade Autónoma de Madrid.
Em maio de 1928, casou com Santiago Castelo Cortés (A Corunha, 26 de junho de 1903; Madrid, 18 de junho de 1986) na igreja de São Nicolas da Corunha. O Santiago era filho de Manuel Castelo Rey (1864-1934), oficial do registo civil, e de Agustina Cortés Ramos (1863-1944). A ele é creditada a ascensão da seguradora, da qual foi presidente do Conselho de Administração no período de 1952 a 1971, bem como a diversificação dos seus negócios.
Isabel Castelo D’Ortega.
O 19 de junho de 1929 nasce, na Corunha, Isabel Castelo D’Ortega, a principal protagonista do nosso artigo.
Enquanto se aguarda uma investigação mais aprofundada nos arquivos das escolas da Corunha e do Conservatório Superior de Madrid, pouco podemos acrescentar sobre a formação musical da Castelo, além do que ela própria declarou na imprensa ‒ou possa testemunhar qualquer dia‒ se tiver vontade de fazê-lo. Aos dez anos, a família mudou a sua residência da Corunha para Madrid, pelo que é possível que tenha recebido as primeiras aulas de música nas margens do Orção. De ser assim, com toda probabilidade, seria aluna da tiple Bibiana Pérez Mateo (1865-1950).
Entre as professoras que menciona, maioritariamente do Conservatório de Madrid, destaca-se Mili Porta (A Coruña, 1918; Madrid, 1971). Esta pioneira na regência de orquestra foi uma das fundadoras do coro Anaquiños da Terra, sociedade formada por membros da comunidade galega da capital espanhola. Como mecenas, Isabel Castelo teve alguma relação com esta entidade, da que foi madrinha.
A sua professora de canto, como a da maioria das cantoras da sua geração, foi Lola Rodríguez Aragón (1910-1984), fundadora da Escuela Superior de Canto.
Por fim, Isabel Castelo confessa ter sido aluna de Carlota [Charlotte] Dahmen (1884-1970), soprano especializada em Wagner e Strauss, que no final da vida se dedicou a dar aulas privativas de canto na capital de Espanha. Carlota Dahmen casou em 1916 com seu professor, o galego-cubano Eladio Chao Sedano (1874-1951). Quando questionada por uma jornalista sobre o que as suas professoras pensavam da sua voz, a resposta da soprano galega foi esta:
«La primera [Mili Porta] decía que me tenía que meter el temperamento en el bolsillo, y la segunda [Carlota Dahmen] que tengo demasiada voz». El Ideal gallego. 25/05/1955 p. 10
Isabel Castelo casa em dezembro de 1950 com o tenente de navio Ángel de Mandalúniz y Uriarte, surpreendentemente, apenas dois meses após a morte do avô Ramón D'Ortega, fundador da seguradora Ocaso. Na altura tem 21 anos e, como ela mesma confessa, abandonou a carreira musical para agradar o marido, portanto, seriam poucas as suas apresentações públicas antes do casamento.
A síndrome da mulher casada levou inúmeros grandes talentos a abandonarem prematuramente a profissão, privando a humanidade, também composta por homens, do fruto de anos de estudo e dedicação. É por isso que o patriarcado, implacável com as mulheres, é também extremamente prejudicial para os homens. E embora nesta sinistra costume de cercear carreiras profissionais para criar donas de casa submissas e devotadas, não faltem exemplos tanto em lares conservadores como progressistas, a verdade é que a figura de Isabel Castelo foi apresentada como o modelo apurado de mulher do regime, como se pode ver na seguinte manchete de El Ideal Galego que não deixa margem para dúvidas.
A herdeira de uma das grandes seguradoras de Espanha não tem nome, referem-se a ela como “uma jovem da Corunha”. Além disso, destacam o facto de que para criar o prémio mais importante de Espanha «foi autorizada pelo marido», ninguém vaia pensar que ela age de motu proprio.
As frases finais deste artigo, colocadas na boca de Isabel, são definidoras:
«Hay que preparar un refugio para las horas de dolor y de tedio, y eso sólo se encuentra en la religión y en el arte».
O Premio Isabel Castelo
Na Ordem de 12 de agosto de 1955, publicada o 1 de setembro do mesmo ano, dá-se a classificação da Fundação Isabel Castelo como benéfico docente de carácter particular. Parece que este facto foi conseguido em tempo recorde, já que o pedido feito por Ángel de Mandalúniz y Uriarte levava data do 17 de junho anterior.
O fim único da fundação era o de
«otorgar un premio de enseñanza de Canto, ya que su propósito es fomentar la enseñanza de este arte, estimulando la formación de futuros valores nacionales, y al mismo tiempo honrar la vocación de su esposa, doña Isabel Castelo D’Ortega. consagrada a cultivarlo».
Por este motivo, a fundação contava com um capital nominal de 200.000 pesetas. com o qual seria atribuído um prémio anual, entregue o primeiro de março, de 20.000 pesetas, na primeira vez, e 7.000 nas convocatórias subsequentes. Em realidade, logo passou a ser definitivamente de 20.000.
Poderão aspirar ao prémio
«los cantantes de ambos sexos que no hubieren cumplido cuarenta años de edad y que hayan obtenido de sobresaliente en los exámenes de convocatoria oficial y libre, correspondientes al final de la carrera de Canto celebrado en el Conservatorio de Música de España donde estén establecidos dichos estudios, con anterioridad no superior a cinco años y con relación a la fecha en que se celebre el concurso».
Na verdade, até onde sei, os prémios só foram atribuídos a vozes femininas. Na Ordem também se detalha a composição do júri.
«[...] el Director del Real Conservatorio de Música de Madrid, como Presidente; la fundadora o persona en quien ella delegue, como vocal primero, eligiéndose a su fallecimiento de entre los herederos, si hubiere varios en igualdad de condiciones, al más idóneo, con la intención y significación del premio: un académico de la Sección de Música de la Real Academia de Bellas Artes de San Femando como vocal segundo; los dos Catedráticos más antiguos de la Enseñanza de Canto, y el Catedrático más antiguo de la Enseñanza de Armonía; ocupando sus puestos los tres Catedráticos—del Real Conservatorio de Música de Madrid—, por orden de antigüedad, v finalmente un Catedrático o Profesor especial del Real Conservatorio de Música de Madrid, designado por la fundadora, que hará de Secretario, teniendo todos los miembros del Tribunal voz y voto».
Além do prémio monetário, as vencedoras receberiam um diploma e uma medalha com a efígie de Isabel Castelo, sendo obrigadas, em troca, a realizar um concerto solidário no local e dia que a fundadora decidisse.
Isabel Castelo vangloriou-se de que o seu prémio tinha um valor financeiro de 20.000 pesetas. em comparação com as 2.000 do Lucrecia Arana, prémio de fim de carreira do Conservatório de Madrid. Obviamente, o prestígio não reside, exatamente, na quantidade de dinheiro que uma vencedora recebe. Em vez disso, deveríamos olhar para o nome das ganhadoras e para a composição dos júris.
A primeira convocação, proclamada extraordinariamente em janeiro de 1956, correspondeu a Enriqueta Tarrés. Em 1957 foi a vez de Teresa Berganza, facto este que normalmente é omitido nas suas biografias ou dá-se-lhe o valor errado de 1955, quando o prémio ainda nem existia. Outras das vencedoras foram Isabel Penagos, 1958, María Orán, 1968… Em 1960, entre os membros do júri estavam Mili Porta, Lola Rodríguez Aragón e o maestro Guridi.
Finalmente, a sua voz
Na década de 60, Isabel Castelo gravou dois discos com acompanhamento orquestral, ambos sob a direção do maestro Pablo Sorozábal. O aval do maestro guipuscoano deveria bastar para credenciar estas gravações, mas a verdade é que cada vinil tem a sua história e, embora neste caso não tenhamos todos os dados, ambos merecem um pequeno comentário.
La canción del Olvido. Libreto de Federico Romero Sarachaga e Guillermo Fernández-Shaw Iturralde e música de José Serrano.
Regente: Pablo Sorozabal
Maestro concertador: Julián Perera
Diretor de coro: José Perera
Orquestra: Orquesta de Conciertos de Madrid
Coro Cantores de Madrid
Soprano: Isabel Castelo [Rosina]
Barítono: Renato Cesari [Leonello]
Tenor: José María Higuero [Toríbio e Sargento Lombardi]
Hispavox, S.A. 1963 HH 10-228
A primeira coisa que destaco neste álbum é a qualidade sonora. Mesmo no meu modesto toca-discos, é surpreendente o quão equilibradas soam as diferentes secções da orquestra, com close-ups de muito sucesso, principalmente, na minha opinião, quando a protagonista é a harpa. Um som magnífico como acostuma a passar com os discos procedentes da casa Hispavox. A título de curiosidade, no caderno interior do LP, somos informados do processo tecnológico inovador com que se conseguiu um som tão sofisticado:
«Al escuchar esta versión de La Canción del Olvido se podrá observar una novedad singular, ligeramente apreciable en su edición monosural y muy notoria en estéreo: la realidad teatral, traducida en un encuadramiento y realce de la perspectiva sonora.
Antes de efectuar la grabación, los equipos artísticos y técnicos de la Empresa han efectuado un estudio cuidadoso de los recursos escénicos, y a ellos han procurado ajustarse con la máxima fidelidad. Como consecuencia, algunos planos sonoros cercanos se superponen a otros más alejados del oyente, hasta concretar al máximo el contorno de actuación y aún de movilidad de cada personaje [...].
Cantantes, coros, orquesta y director han colaborado eficazmente en esta difícil Grabación Audioscenica, haciendo posible este intento para el que Hispavox, S.A., ha puesto a contribución los más modernos adelantos técnicos».
Renato Cesari, que interpreta o personagem Leonello, é um barítono que me fascina. Ao ouvi-lo cantar uma romanza, às vezes temos a impressão de estar diante de um crooner ou de uma estrela do tango ou da canção napolitana. Em todo caso, sua voz mundana é deliciosa e credível, mesmo quando lhe tocou representar personagens castiços nas muitas zarzuelas que Sorozabal lhe dirigiu.
O tenor estremenho José María Higuero transmite uma certa angústia, quando presenciamos a sua luta constante, muitas vezes sem sucesso, para encontrar a nota certa nas cadências finais.
E Isabel Castelo? Que podemos dizer dela? Pois bem, a minha impressão é que a sua voz soa afinada; correta na execução; com agudos potentes e bem colocados; com um fiato reflexo da sua grande capacidade pulmonar. Contra isso, um hieratismo que pode irritar, ou fazer com que o espetador implore por um bocadinho mais de salero. Talvez tenha sido esse o aspeto do seu temperamento que a grande Mili Porta recomendou que guardasse no bolso.
De qualquer forma, acho que estamos ante o seu melhor LP.
O maestro Sorozabal, o barítono Cesari e os primeiros violinos Luis Antón e Jesús Corvino.
Caderno interior. La canción del olvido. HH 10-228
Caderno interior. La canción del olvido. HH 10-228
Lírica Española. VV.AA.
Regente: Pablo Sorozabal
Maestro concertador: Julián Perera
Soprano: Isabel Castelo
Introdução: P. Federico Sopeña
Alhambra [Columbia] 1965 MCCP 29,019
Mais uma vez, Sorozábal dirige à Castelo, desta vez para nos oferecer uma seleção de romanzas de zarzuela, na sua maioria, muito populares. É deste álbum que foram recuperadas as músicas ouvidas nas propagandas Ocaso. Começaram a ser emitidas por volta de 2006, sempre apresentando o sol que o fundador da seguradora funerária imaginou pousando no horizonte, figura poética do fim da vida.
Na primeira edição, a música escolhida foi «Romanza de la Duquesa» de Jugar con fuego. Em parcelas sucessivas, utilizaram-se a «Polonesa» de El Barbero de Sevilla, o rondó de El Maestro Camponone ou as «Carceleras» de Las hijas de Zebedeo. Estes anúncios, ou melhor, as suas bandas sonoras, provocaram numerosos comentários críticos na Internet, a maioria deles ao nível da prestigiada ágora digital denominada Forocoches.
Quanto à atuação de Isabel Castelo, penso que é mais do que digna, e mostra-nos uma soprano solvente e com boa técnica, como convém a quem se formou no Conservatório de Madrid. Mesmo assim, achamos que Federico Sopeña é muito generoso quando diz no texto que apresenta o álbum:
«la voz de Isabel Castelo escala brillantemente los agudos proprios de las sopranos ligeras, se centra y se agranda para el dramatismo de “Gigantes y Cabezudos” y se abre para “armar jaleo” indispensable que lo castizo pide, pero sin perder nunca esse sello de musicalidad, de rigor que convierte a la romanza de la zarzuela en algo “distinto”».
Em suma, nem tanto, nem tão pouco.
Cancionero Sefardi vol.1
Voz: Isabel Castelo
Flauta: Luis Amaya
Celo: José Mª Alcazar
Percussão: Mª Cruz López de Rego
Arranjo, harmonização e direção musical: Adelino Barrio
Diapasón [Dial Discos S.A.] 1985 52.5089
Este álbum seria surpreendente, e até um acerto, se a fascinante Sofía Noel não o tivesse gravado primeiro. Até o repertório é muito parecido com os discos da soprano e folclorista belga. Em suma, os arranjos de Adelino Barrio são elegantes e agradáveis de ouvir, isto se primeiro consegues isolar ‒e a poder ser, eliminar para sempre da tua cabeça‒ a excêntrica pandeira, conseguindo assim se concentrar nos belos acordes da guitarra e nos contrapontos da flauta.
Com a participação da Castelo, o conjunto funciona mais ou menos bem, é gostoso de ouvir, mesmo paga a pena experimentar a sua escuta. Mas a sombra da Noel é tão longa!
Para concluir
Dito o que foi dito, espero que ninguém se sinta tentado a pensar que os discos de Isabel Castelo são um capricho de uma rapariga rica. Nada está mais longe da realidade. É evidente que a sua voz não resiste à comparação com a da Berganza ou a de Victoria de los Ángeles, mas quem da sua geração a suportaria? Mas, da mesma forma, é preciso dizer que ela não é pior do que algumas das que saíram da escola de Lola Rodríguez Aragón e que tiveram uma carreira artística com os seus bons momentos, concertos em praças importantes e gravações que hoje continuam a circular, para deleite de nostálgicos, nas plataformas digitais.
É verdade que a figura pública de Isabel Castelo D'Ortega, Marquesa de Taurisano, pode ser pouco atraente para o pessoal por ela pertencer à nobreza, ser uma das pessoas mais ricas de Espanha e por ter aquele vício tão típico das milionárias ‒em muitos casos para limpar a consciência ou o caminho que leva ao céu‒ da caridade piedosa. O que não saberei eu sobre este preconceito sendo como sou ateu, comunista e levando gravado na consciência, aquilo que dizia Marx: de cada um de acordo com sua capacidade, par cada um de acordo com sua necessidade. Mas também qualifica a nossa opinião saber que ela é neta de um tipógrafo afiliado à UGT, criador de uma empresa galega, Ocaso, que foi investigado e extorquido pelo regime franquista por ser membro da Maçonaria. O avô paterno, Manuel Castelo Rey, foi o responsável polo Registo Civil da Corunha que assinou a ata do casamento de Marcela e Mário, ou melhor, de Marcela e Elisa. Também não parece que tivesse aversão a trabalhar com pessoas que não foram afins ao regime imposto por Franco. Pablo Sorozábal, que provavelmente salvou a sua vida graças a amigos influentes, teve que se demitir da Orquestra Sinfónica de Madrid poucos anos antes de gravar com a Castelo, por querer incluir uma sinfonia de Shostakovich no seu repertório de concertos. O próprio Juan Cristobal, criador da medalha que recebeu a vencedora do prémio Isabel Castelo, foi fundador em 1931 da Associação de Amigos da União Soviética. Em quanto o mecenato, Isabel Castelo, por exemplo, colaborou com a Associação dos Amigos da Ópera e o Festival de Ópera da Corunha. Além disso, em sua cidade existe uma sala no Aquário que leva seu nome, que com certeza, não foi uma homenagem que lhe veio de graça.
Estamos, portanto, ante uma mulher de contrastes, como todas as que fazem parte da historia de um pais. Ela pertence a uma saga de filhas únicas. Sua mãe e ela mesma, até a morte do primeiro marido, herdeiras legítimas do império familiar, foram apresentadas pela imprensa da época como donas de casa submissas. Porém, ao receber a Medalha da Galiza, no site oficial da Xunta foi possível ler que deixou a música para atender aos seus negócios e não para agradar ao marido, como nos tinham dito. É difícil pensar que uma mulher que vai levar sua empresa a alturas nunca alcançadas, aprendera de repente a ser empresária, após a morte prematura do seu companheiro.
Não procurem por Isabel Castelo na Enciclopedia Galega, no Álbum de Múlleres Galegas ou no Diccionario de la Música Española e Hispanoamericana. Agora, ela gravou dois discos com Sorozabal e criou um prémio que durante alguns anos ajudou a muitas sopranos contemporâneas a lançarem suas carreiras. É difícil documentar todas as iniciativas musicais que tiveram o seu apoio, mas, certamente, o seu patrocínio ajudou a abrir muitos panos em teatros de toda a Espanha.
Acredito que estudar a personagem, em relação à sua intervenção na música do seu tempo, nos daria uma visão realista de uma geração de artistas líricas que sempre vemos com um certo halo de mitificação e elitismo, e que, no entanto, foram trabalhadoras esforçadas na Espanha castrense e repressiva que o déspota Franco projetou.
Por fim, e como remate a esta curta biografia da Castelo, permito-me incluir as únicas palavras dela, ditas ou cantadas, que consegui resgatar em galego. São as pronunciadas perante o Presidente da Xunta na entrega das Medalhas da Galiza:
«Graças Galiza, porque nasci na tua terra, nasci no teu chão, no Fogar de Breogão».