Mais dos Velhos Mestres
Hoje estive em dois museus: o de instrumentos musicais e o Maison du Roi ou museu da cidade de Bruxelas. O primeiro pareceu-me ser uma coleção extraordinária, colocada num espaço, os antigos armazéns da Old England, bem lindo. Porém, a exposição dos instrumentos e o conceito do museu dececionaram-me muito. Mas aqui estamos a falar de Castelao e da sua passagem por Bruxelas, por isso voltemos aos velhos mestres.
Alegoria da Fertilidade
Jacob Jordaens
«Jordaens (1577-164o). Ten moitas cousas que me gustan e outras que non me gostan nada. É moi roxo de côr; pero ten cousas ben dibuxadas. Ten unha "Allegorié de la Fecondité" moi decorativa e chea de sensualidade; iste caro ten pintadas moitas froitas, pero polo visto son de Snyders». Diario 1921 p. 198
Parece que esta pintura representa a Pomona, a deusa romana das frutas, das árvores frutíferas, dos jardins e das hortas.O nu central, de costas para o espetador, divide a cena em duas metades, como a coluna de uma janela gémea. Ao se aproximar da tela, percebe-se a mestria com que Jordaens pintou a pele nua, com seus brilhos, sombras, áreas rosadas e até a celulite de uma das suas nádegas. Juntamente ao resto das ninfas e sátiros, formam um círculo que envolve a deusa, que segura no colo enormes cachos de uvas, brancas e tintas. Incluso a fealdade do rosto dos sátiros, não impedem que o tudo seja formoso.
A nossa Senhora das Sete Dores
Adriaen Isenbrant (ca. 1485-1551)
«Estiven pola mañán na Irexa de Notre-Dame. [...] O cadro máis fermoso é un de Adriaen Isenbrant que representa a Nosa Señora da Dôres ; a Virxen está sentada nunha especie de retablo onde están pintadas algunhas esceas da Paisón, e hai tal diferencia entre istas esceas e a figura da Virxen (que parece de David) que non parecen feitas pola mesma mán». p. 225
Uma das pinturas que mais me impressionou de todas as que vi até agora é Nossa Senhora das Sete Dores de Isembrant. É uma tela pintada com a técnica chamada grisaille, que consiste na utilização de pigmentação monocromática que nos dá a sensação de estarmos diante de uma obra escultórica. A iluminação do Museu de Arte Antiga de Bruxelas, en geral, deixa muito a desejar, mas mesmo assim o trabalho de Isembrant é fascinante. Castelao viu esta obra no seu local original, a Igreja de Notre Dame. Imagino que no século XVI, com a fraca iluminação que deve ter existido no interior dos templos, a imagem da Virgem pareceria ter sido esculpida diretamente na pedra. Quando eu e a Tero falávamos desta pintura, lembrei-me do Stabat Mater de Araújo Silva, que este ano ouvimos duas vezes nas vozes dos alunos do Conservatório de Santiago de Compostela.
Tríptico da abadia de Dieleghem
Detalhe.
Jesus com Simao o Fariseu
Albretch Bouts (ca, 1455-1549)
Detalhe
Desenhos de Castelao
Em Lucas 7: 36-50 podemos ler:
«36 E rogou-lhe um dos fariseus que comesse com ele; e, entrando em casa do fariseu, assentou-se à mesa.
37 E eis que uma mulher da cidade, uma pecadora, sabendo que ele estava à mesa em casa do fariseu, levou um vaso de alabastro com unguento;
38 E, estando por detrás, aos seus pés, chorando, começou a regar-lhe os pés com lágrimas, e enxugava-lhos com os cabelos da sua cabeça; e beijava-lhe os pés, e ungia-lhos com o unguento.
39 Quando isto viu o fariseu que o tinha convidado, falava consigo, dizendo: se este fora profeta, bem saberia quem e qual é a mulher que lhe tocou, pois é uma pecadora.
40 E respondendo, Jesus disse-lhe: Simão, uma coisa tenho a dizer-te. E ele disse: Dize-a, Mestre.
41 Um certo credor tinha dois devedores: um devia-lhe quinhentos dinheiros, e outro cinquenta.
42 E, não tendo eles com que pagar, perdoou-lhes a ambos. Diz, pois, qual deles o amará mais?
43 E Simão, respondendo, disse: tenho para mim que é aquele a quem mais perdoou. E ele disse-lhe: julgaste bem.
44 E, voltando-se para a mulher, disse a Simão: Vês tu esta mulher? Entrei na tua casa, e não me deste água para os pés; mas esta regou-me os pés com lágrimas, e os enxugou com os cabelos da sua cabeça.
45 Não me deste ósculo, mas esta, desde que entrou, não tem cessado de me beijar os pés.
46 Não me ungiste a cabeça com óleo, mas esta ungiu-me os pés com unguento.
47 Por isso digo-te que os seus muitos pecados são-lhe perdoados, porque muito amou; mas aquele a quem pouco é perdoado pouco ama.
48 E disse-lhe a ela: os teus pecados são-te perdoados.
49 E os que estavam à mesa começaram a dizer entre si: Quem é este, que até perdoa pecados?
50 E disse à mulher: A tua fé salvou-te; vai-te em paz».
«Istes dous dibuxos son copias moi lixeiras de un anaquiño onde a Madalena límpalle os pés ó Noso Señor cos seus cabelos loiros. Ollando ises dous cachiños pasei perto de duas horas. ¡A humildade!». p. 184
Esta imagem de uma mulher lavando aos pés do macho alfa, utilizando o próprio cabelo, descreve perfeitamente o papel da mulher na Igreja Católica. Gostaria de pensar que se tivesse havido uma relação entre Cristo e Maria Madalena, esta teria sido de natureza diferente. Por isso não entendo muito bem o significado da palavra humildade, entre os pontos de exclamação de Castelao. Eu teria usado a de humilhação.
Retrato do Dr. J. Scheyring
Lucas Cranach o Velho
«Cranach (1472-1553). Dieste artista xa coñecía bastantes cousas que, pra decir a verdade, non me gostaban. O dibuxo parecíame amaneirado e a côr desagradabel. Pero niste Museo púxenme a ben con il, pois o retrato do Dr. Shewring é unha maravilla de todo». p. 197
É óbvio dizer que o pintor alemão Cranach foi um extraordinário retratista, como demonstra esta imagem do Dr. Scheyring, ou o ainda mais famoso retrato do seu amigo íntimo Lutero. Na minha opinião, a pintura que se conserva em Bruxelas e que Castelao copiou magistralmente, tem muita mais força do que a do teólogo reformista. O gesto severo, a austeridade tão típica do retrato flamengo, o olhar dogmático de quem acredita estar na posse da verdade absoluta, faz olhar para a pessoa representada com respeito, mantendo uma distância que, noutras pinturas dos antigos mestres, tantas vezes gostaria encurtar.
Retrato de Jacob van der Gheenste
Pieter Pourbus (ca. 1523-1584)
«O retrato de J. van der Gheentte é moi bo». p. 197
Para entender da austeridade no retrato flamengo, chega com olhar para o retrato de Pourbus.
Retábulo de Santa Ana
Quinten Metsys
«Ollando hoxe no Museo o tríptico de Metsys e reparando nas espresións das figuras do painel da dereita que representa a morte de Santa Ana vin que a tristura que teñen as caras non parece tristura senón sorrisa. Isto mesmo se nota en outros primitivos i é que a contracción muscular que estira un pouco a boca é debida, se non lembro mal xa, ó risorio de Santorini en vez de sere por outro, ou outros músculos que baixan un pouco as comisuras dos beizos. A tristura eisprésase por liñas oblícuas de enriba a embaixo e de dentro a fora e non de enriba a embaixo ou de fora a dentro, como se ve nise mañífico cadro de Metsys, un dos mellores do Museo». p. 183
Esta é outra das minhas obras favoritas no museu. Em frente ao retábulo existe um banco onde se pode sentar e observar atentamente as cenas. A arquitetura no fundo da imagem dá uma perspetiva como se estivesses a ver o que está a acontecer mediante uma janela aberta na parede. A luz do quarto de Santa Ana é outro elemento avassalador, difícil de registar com câmara. Uma obra extraordinária, no catálogo de um dos maiores pintores da sua época.
E até aqui as minhas anotações do Museu de Arte Antiga de Bruxelas, que não serão as últimas, pois pretendo retornar. Agora é descansar e tomar um banho que espero seja menos dramático que o de Marat.
A morte de MaratJaques Louis David
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