Passo este Natal, com a minha família, em Bruxelas, uma estadia que aproveitámos para seguir os passos de Castelao, na sua viagem a estas terras em 1921. O diário em que o artista Rianxeiro registou as suas impressões sobre a cidade, os seus monumentos e obras de arte, é um magnífico guia de viagem.
Neste primeiro passeio pelo centro histórico encontrámos La Grande-Place, um espaço que já tinha visitado na adolescência, e que agora me parecia consideravelmente mais pequena. A primeira vez tive a sensação de estar no interior de um relicário gótico, decorado em latão e prata dourada por um joalheiro extraordinário. Desta volta, a sensação não foi muito diferente.
A Castelao a praça deixou-lhe com a boca aberta:
«É unha plaza chea de carauter cos seus edificios de pedra com dourados e as tendas de flores no medeo. Logo aquilo fálanos, ó esprito, dos tempos idos, cando o traballo estaba cheo de dinidade e cando a libertade adeministrativa e o arredismo cultural chegou a ter os seus mártires».
Os mártires aludidos devem ser Henri Voes e Jean Van Eschen, os primeiros protestantes queimados pola Inquisição e os Condes de Horn e de Egmont, decapitados, este último o protagonista da opus 84 de Beethoven. Estas execuções tiveram lugar em La Grand-Place, como consequência do fanatismo religioso da monarquia espanhola.
A procura da verdade
«Na Gran Plaza e nunha das “Maisons des Corporations” vin unha Verdade em pedra. Ista Verdade está a medeo vestir como a Venus de Milo; na man izquerda ten un libro aberto, o dedo índice da outra mán está pousado enriba dunha das páxinas do libro; o pé da Verdade está unha águia de pedra dourada. É certo que ista Verdade é un pouco más vella que as de Paris: pero ¡qué diferente concepción da Verdade! ¡O qué vai de tempos a tempos e de pobos a pobos!». p. 175
O edifício a que Castelao se refere é a chamada Maisón de la Louve (loba), no nº 5, perto da rue de la Tête d'Or. Sobre uma pilastra de pedra está a figura esculpida por Auguste Braekevelt. A inscrição que a acompanha diz: Hic Verum, Firmamentum Imperi, algo assim como: Eis a Verdade, apoio do Império.
Outra visita que fizemos foi ao Manneken-Pis, um meninho a urinar, símbolo de uma cidade que talvez pela sua diversidade cultural e religiosa, inscreveu no seu santoral comun, a um sátiro incontinente.
«Fíxenlle unha visita ó Manneken Pis o “plus vieux bourgeois de Bruxelles”. É unha cousa encantadora e dina de sinxeleza flamenga. Mesmo parece que foi il quén inventou a coarteta popular:
Ma nudité n’a rien de dangereux.
Sans péril, regardez-moi faire;
Je suis ici comme l’enfant heureux
Qui fait pipi sur le sein de as mère». Diario 1921 p. 174
A tradução da quadra poderia ser esta:
Não há nada perigoso na minha nudez,
não se preocupe, veja-mo fazer,
estou aqui como a criança feliz
que faz xixi no peito da mãe.
Talvez, Castelao, grande colecionador de postais, encontrou-se com uma como esta.
Como uma anedota bizarra, encontramos o urinante vestido de Pai Natal. Parece que se acostuma a disfarçá-lo por diversos motivos, possuindo um guarda-roupa com mais de 800 fatos.
Amanhã iremos conhecer o Museu de Arte Antiga que tanto impactou o Castelão. Aí procuraremos as telas que destacou no seu diário.
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