segunda-feira, 28 de outubro de 2019

nº 239 Por que ninguém fala de Daniel Sueiro?


Para Alejo Amoedo,
com  abraço fraterno.

No ano 17 publiquei um artigo sobre Daniel Sueiro e um conto seu baseado no surrealista prémio chamado o «duro avecrénico». Falo com muitas pessoas de grandes conhecimentos literários e, consequentemente, ampla cultura geral. Porem, apenas encontro a ninguém que conheça a obra deste fabuloso contista e romancistas corunhês. Com a feira montada arredor da exumação dos restos do ditador Francisco Franco achei que o seu nome estaria quotidianamente na boca de repórteres, tertulianos e demais agentes mediáticos, mas nem assim. Resulta incrível que com tanta exibição de citas, ditos e disques, ninguém –ou quando menos a mim não me chegou– lembrara a ampla bibliografia do Daniel, escrita quando não só se precisava para publicar dum editor com dinheiros, também era preciso muito valor, ou como diriam na altura aqueles hominhos de bigodinho e óculos escuros , «tenerlos bien puestos».
Pois bem, ainda que só seja para presumir de biblioteca coloco aqui alguns dos meus imprescindíveis sueiros.

Os meus sueiros.

Sobre Franco, o Valle e o statu quo franquista.

La verdadera historia del Valle de los Caidos. Sedmay ed; Madrid, 1976

Eis uma leitura imprescindível antes de falar sobre o que a construção do Valle supus de projecto magalômano, delírio de ditador complexado, cumplicidade da igreja... Tem a virtude, ademais, de ir colocando no seu sítio todas as lendas, rumores, diferentes opiniões sobre algumas boas coisas que teve a construção, como a remissão de dias de cárcere aos presos que lá "livremente" acudiram a trabalhar. O livro termina com o relato dum incidente que houve na basílica, quando um moço falangista chama de traidor a Franco e também do único atentado que na altura sofrera o monumento. Certamente, a última frase –lida na distância parece premonitória– da ultima página do livro de Sueiro foi tirada duma brochura distribuída pela Defensa Interior, grupo que reivindica o atentado: «Franco, ni en tu tumba te dejaremos descansar tranquilo». Quiçá, diria eu, porque a tumba onde o deitaram não era sua.

1ª ed. História del  Franquismo Argos Vergara; Madrid 1978

Os quatro tomos da História del Franquismo de Sueiro e Diaz Nosty deveram ser, na altura, um impacto para muitas pessoas que mesmo sendo antifranquistas, foram educadas no culto ao ditador, com todos os tópicos que dele se diziam. Nada mais contraditório que essa imagem do homem austero combinada com a do grande espoliador do património nacional. Espanha era sua, continente e contido. Imprescindível a este respeito o artigo titulado "El gran espólio":

«La orden creadora del Consejo de Administración del Patrimonio Nacional (4 de abril de 1942), organismo autónomo con plena personalidad jurídica dependiente directamente de la jefatura del Estado, insistía reiteradamente en las facultades personales y omnímodas del mismo Jefe del Estado, don Francisco Franco, sobre todos esos bienes. Este Patrimonio nacional, que se convertiría durante un tiempo en coto privado o feudal familiar de Franco y sus allegados, secular Patrimonio de la Corona con anterioridad, sólo muy pocos años había podido mantenerse como Patrimonio de la República». p. 225-226.

Que dom Francisco se conformava com pouca coisa para viver fica claro noutro parágrafo da Historia do Franquismo:

«Uno de los bienes comunes –bien que adscrito al Patrimonio Nacional– más directa y personalmente puestos "al uso y servicio del Jefe del Estado" fue el Monte de El Pardo, un propiedad de diecisiete mil hectáreas que Franco convirtió en el más cerrado de sus cotos privados, después de que la República lo hubiera abierto, por el tiempo que pudo, al uso y disfrute del pueblo. no sólo estaba dedicada tan extensa finca a las diarias batidas cinegéticas de Franco y sus allegados o colaboradores más fieles –más de un centenar de puestos fijos de tiro quedaban allí a su muerte, amén de un Pabellón de Caza levantado en 1973 y que casi no llegó a estrenar–, sino que en sucesivas etapas fueron segregadas de ella enormes parcelas de terreno que iban a dedicarse a lujosa zona residencial de las clases dominantes y a instalaciones de lúdica expansión para las mismas».

Estos son tus hermanos Ed. Zero S.A.; Madrid, 1977

Na página que normalmente ocupam as dedicatórias dos livros, uma nota informa ao leitor das vicissitudes do, na minha opinião, melhor romance de Sueiro:

«Esta novela fue escrita en España en el año 1960. Se publicó en México, en Ediciones Era, en 1965. Y ahora [1977] aparece por vez primera en edición española».

É claro por que foi proibida uma obrinha que fala do regresso dum exilado à sua terra e da acolhida fria, quando não hostil, que recebe dos que aqui ficaram e usurparam os direitos dos vencidos. Na segunda edição espanhola de Estos son tus hermanos, o próprio Sueiro faz no prólogo uma acertada reflexão:

«Pues bien: los censores, incluso los de más alto nivel ministerial –en la época en que el paternal consejo quiso enmascarar el "cerco por hambre" a que también quiso condenársenos–, me decían que esta novela atentaba contra la convivencia de los españoles. Tuvo que ser leída inicialmente por los propios exiliados, en Máxico; no eran ellos ni era yo los que atentábamos contra la convivencia nacional: ni ellos con su legítimo y largamente insatisfecho derecho de regresar a llas raíces, ni yo denunciando los hipócritas cuando no alevosos recibimientos que los paladines de la convivencia estaban dispuestos a dispensarles parapetados tras sus "bunkers", o el que podían darles esas otrs criaturas del egoísmo y el odio, también del temor, que cruzan por las páginas de sta historia sin que siquiera corresponda a su autor el mérito de haberlas inventado. Ni ningún otro, tal vez». p. 13

A história que se conta no romance é como a de tantos outros: Antonio Medina, um moço conquense de 23 anos, tem que exilar-se em 1939 a França. Em 1952 retorna a uma cidade que já apenas conhece, morando na casa do seu irmão Pascual. Em realidade, aquela casa era tão sua como de Antonio. Mas, chegou com ver o rótulo da loja que fundara seu pai, e com a que agora corria Pascual, para saber que as coisas mudaram. Quando ele teve de exilar-se o texto do rótulo dizía: Manuel Medina e hijos. Agora esse hijos perdera o s final.
Toda a novela é o relato da hipocrisia de Estado que vendeu uma abertura das fronteiras e ofereceu abrigo a todos aqueles exilados sem delitos de sangue. Uma imagem cara ao exterior de bondade e misericórdia, mas sem restituir direitos, nem voltar a muita gente o que de seu lhes pertencia.
Este diálogo descreve perfeitamente a política cosmética do Franquismo:

«–Supongo que estará usted decidido a quedarse entre nosotros para siempre –dijo el policía, por último, mirándole con curiosidad.
Tampoco ahora respondió Antonio. Le contemplaba, a su vez, con la misma curiosidad, idéntico detenimiento.
–No me fío de usted –le dijo al comisario, por fin.
–La desconfianza es recíproca, querido amigo. Pero, de momento, yo no hago más que cumplir con mi deber, evitar que a usted le rompan los huesos. ¡Pues no íbamos a dar que hablar por ahí...! Figúrese.» p. 249

Cuentos Completos. Alianza Editorial; Madrid 1988

Resulta fácil de dizer que Daniel Sueiro é, como escritor, um contador de histórias. A sua literatura era perigosa para o regime não pelo seu conteúdo político, filosófico, vermelho ou mason, era só por descrever uma realidade que todos conheciam, mas que não se atreviam a descrever. Mesmo nos livros históricos acima expostos, encontramos mais dados, citações ou trechos de entrevistas que a própria tese do autor, com todo o que isto nos diria da sua base ideológica.
Entre os seus contos há autênticas alfaias literárias, como o titulado La carpa que descreve as misérias dos cómicos da légua, seres de «caras pintadas, narices postizas, apolillados uniformes de santones y generales, billetes falsos, versos de Zorrilla, gritos, trampas, palabras, palabras, palabras...». p. 79
De todos eles, o que mais abalou a minha alma, ou o que seja que temos ai dentro para alertar-nos sobre o belo, foi El regreso de Frank Loureiro. Trata a história dum homem que retorna à sua terra desde Nova Iorque, lugar ao que emigrara por necessidades económicas. Saíra com 16 anos e tornava passados os 40 a um lugar que viveu esse trânsito lento da sociedade quase feudal das primeiras décadas, a um capitalismo atrofiado de metade de século. Mas Frank é um perdedor. Como lhe passara a Antonio, o protagonista de Estos son tus hermanos, aqui já ninguém aguardava por ele. Por isso foi um texto incómodo, porque no 1964, ano da sua publicação, a emigração era património do estado, uma magnífica maquina governamental para trocar pobres por divisas. Então, como agora, não é?
Da leitura de El regreso de Frank Loureiro saiu uma pequena partitura para piano que amavelmente foi interpretada pelo meu caro amigo Alejo Amoedo. Não é uma partitura excelente, mas acho que transmite com precisão o que o meu coração sentiu quando fiz a primeira leitura. Porque tenho a certeza de que todos os grandes contos têm a sua melodia. 

Sem comentários: