O passado 21 de dezembro, Xavier Groba, Ramom Pinheiro e mais eu, tivemos o gosto imenso de apresentar o livro Antonio Fraguas. A memoria musical de Cotobade, precisamente lá, em Cotobade, acompanhados do Presidente da Câmara e do admirado historiador Xosé Fortes. Mas, o melhor de tudo foi ver a sala cheia dos verdadeiros protagonistas do livro, os vizinhos e vizinhas, os quais, novamente, amostraram-se generosos e entregados.
Hoje, depois de digerir também a apresentação feita o 28 na Corunha, nos locais do coro Cántigas da Terra, andei a ver na rede a oferta dos museus para este natal. No de Ponte Vedra fiquei com muitas ganhas de levar as pequenas a ver Galaicos, a expo temporal onde se pode contemplar, entre outras peças icónicas, o casco de Leiro ou as espadas do Ulha. Mas a minha surpresa foi ler na lapela de Notas de Prensa o relato da doação duma ara romana feita pela vizinhança de Dorna, Cotobade ao museu! Uma ara que, e isto é o que quisera contar, não se tratava dum objeto totalmente desconhecido para mim.
Uma Ara Romana num centro social.
Numa das múltiplas visitas que fizemos a Cotobade nos meses prévios à publicação do livro, deu-nos por ir até Santa Maria de Sacos, entre outras coisas por ver os interessantes cachorros figurados da igreja paroquial. Esse dia soubemos da existência duma ara que aparecera não sei onde e que fora guardada para a sua custódia e conservação nas dependências da Casa do Povo. Obviamente, três intrépidos investigadores como o Xavier, Ramom e mais eu, não podíamos perder a ocasião de ir ver a pedrinha. O instante em que nos abriram as portas e ficamos ante ela não se me vai esquecer na vida.
A minha primeira impressão é que estava ante uma das pedras mais integramente conservadas que nunca vira. É mais, in situ, eu teve a sensação de estar ante uma ara que nunca fora utilizada, que ficara tal vez enterrada na própria oficina do pedreiro ou quem sabe. Estou convencido que futuros estudos por pessoal especialista vai deitar luz sobre este e outros assuntos e os resultados prometem ser bem curiosos.
Xavier Groba e um servidor em plena epifania.
O pedrão no lugar de custódia.
Vadoa. Lindo nome.
A ara de Sacos mede 89 cms de alto, ocupando a parte epigráfica uns 56 cms, segundo as medidas tomadas às presas no local social onde era custodiada. As letras gravadas mantêm todo o sulco, pelo que não é difícil a sua transcrição. A minha leitura foi a seguinte:
DEOM
VADOA
FAVS.VS
L M
ou o que é o mesmo:
DEO MAXIMO
VADOA
FAVSTI VOTUM SOLVIT
LIBENS MERITO
Vaiamos por partes. D(EO) M(AXIMO) ou Deo Optimo Maximo faz referência a quem se lhe faz a oferenda, neste caso, Júpiter. Também sabemos que foi um voto privado já que o epígrafe acaba com as letras VSLM, acrónimo de Votum Solvit Libens Merito, que se traduziria por Cumpriu a promessa de bom grado. Fica então por descifrar VADOA e FAVS . Faus parece-me a contração do genitivo possessivo Fausti, que pode indicar possessão ou parentesco. Vadoa seria então um antropónimo indígena? Infelizmente não conheço antecedentes claros desta epigrafia noutras aras até agora inventariadas e estudadas. E se se trata do nome duma pessoa, tal vez uma mulher, seria da família dos Fausto ou escrava de Fausto? Em qualquer caso, ai vai a minha tradução:
Ao Deus Máximo (Júpiter) Vadoa, da família de Fausto, cumpriu a promessa de bom grado.
Na feitura duma ara participavam três pessoas: o ordinator, o calígrafo que redigia o texto e o adaptava ao espaço, o lapicida, que gravava as letras na pedra, e por último o pintor, que iluminava as letras normalmente de cor escarlata ou vermelhão. Suponho que nas obras menores ou mais baratas, este processo podia fazê-lo uma soa pessoa. O tipo de letra pouco rigorosa, algo desordenada e o acrónimo final leva-me a pensar que deveríamos datar a peça no tardo-império, quiçá no século III ou IV depois da nossa era.
Nota: Faço votos para que os arqueólogos e paleógrafos deste país não me crucifiquem. Não foi por mal.
Cotto Vadis.
Resulta que o gentilício Cotobade não vem de Couto do Abade, como pareceria a primeira vista, senão que a sua origem seria muito mais complexa. Num artigo de Gonzalo Navaza no Portal das Palabras lemos:
A sistemática ausencia de ditongo na sílaba inicial mostra que no
topónimo non está presente o substantivo latino cautum (de onde couto en galego, coto en castelán). Así o advertiu Nicandro Ares, que no seu breve estudo do topónimo Cotobade do concello de Chantada suxire como étimo un composto do galego coto ‘curuto, prominencia ou elevación no terreo’ seguido do xenitivo dun nome persoal:
Cotobade débese descompoñer en coto, palabra de orixe prerromana *Cotto (…) e un nome persoal en xenitivo Bade, o cal se repite illado na toponimia galega e parece que non é aférese de abbas, -atis ‘abade’, senón o antropónimo Vatis (Ares 2001:74)
Pois nada, que para o Xavier Groba, para Ramom Pinheiro e para mim, as terras de Cotobade serão para sempre o Coto Vade ou coto de Vadoa, pois como diz o provérbio: se non è vero, è bem trovato.
Finalmente.
Como colofão a este pequeno artigo dum arqueólogo inocente, agradecer aos vizinhos e vizinhas de Santa Maria de Sacos ter custodiado esta belíssima ara romana, um exemplar que, com certeza, vai dar muito que falar. Obrigado.
Cotobade débese descompoñer en coto, palabra de orixe prerromana *Cotto (…) e un nome persoal en xenitivo Bade, o cal se repite illado na toponimia galega e parece que non é aférese de abbas, -atis ‘abade’, senón o antropónimo Vatis (Ares 2001:74)
Pois nada, que para o Xavier Groba, para Ramom Pinheiro e para mim, as terras de Cotobade serão para sempre o Coto Vade ou coto de Vadoa, pois como diz o provérbio: se non è vero, è bem trovato.
Finalmente.
Como colofão a este pequeno artigo dum arqueólogo inocente, agradecer aos vizinhos e vizinhas de Santa Maria de Sacos ter custodiado esta belíssima ara romana, um exemplar que, com certeza, vai dar muito que falar. Obrigado.
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