O
síndrome de Sherlock ou a guitarra de Strindberg.
Quando Sherlock (1854-?) abandonava o seu
mundo de caçador de assassinos e trapaceiros, mergulhava-se no
estudo, nas drogas ou/e na música. Quando pegava no violino para
tocar A barcarola de Hoffmann
ou qualquer uma das suas
improvisações, a música resultava uma pomada para as queimaduras
do tédio. Violino, xícara de chá e sanduíches, o seu coquetel
anti-aborrecimento. E postos a escolher, melhor isto que o cachimbo
ou a cocaína
dissolvida ao sete por cento.
Mas o que acabamos de dizer coloca-nos na sequência de qualificar a Sherlock numa
categoria de músico –ou
melhor ainda–
procurar uma definição à sua atitude fronte a música. Ele pode ser
um diletante ou músico amador, ambas as duas palavras cheias de conotações
tantas vezes pejorativas e inexatas. No
dicionário Priberam encontramos algumas definições turbadoras do
verbete Diletante:
1. Amador de um arte ou
literatura.
2.
Que ou quem é entendedor
ou apaixonado
de uma arte ou a ela se dedica por gosto, especialmente à música.
3.
Que ou quem se dedica a algo por prazer
e não como modo de ganhar
a vida.
4.
Que ou quem procura o prazer
ou tem uma atitude
superficial, sem mostrar
maturidade,
profundidade
ou responsabilidade.
[O negrito é meu]
A série de definições parecem
ir de mal em pior e dão para uma tese sobre a visão que sobre o
músico e a música tem a sociedade ou quiçá apenas os académicos
da língua. Assim, a definição nº 1 fala do diletante como amador
de um arte ou literatura. Parece excluir, portanto, a quem exerce o
ofício de jeito não remunerado. Não haveria, com justiça, que
incluir no epígrafe de músico profissional a quem com vontade de
cobrar pelo seu trabalho não encontra onde? Mas a coisa piora na
segunda aceção. Diletante é aquele, disse-nos, quem entendendo ou
apaixonando-se por uma arte, dedica-se a ela por gosto. Um músico
apaixonado que desfrute do seu trabalho será, ou isso nos conta o
dicionário, sempre amador, independentemente de quanto cobre pelo
show. A definição 3 aprofunda nesta triste visão pecuniária do
ofício: o amador dedica-se por prazer à música e não como modo de
ganhar a vida. Vaia! E não será que os não amadores nos dedicamos
a música também por prazer e o fato de ganhar-nos a vida é como
consequência de exercer a profissão com certo decoro? Mas é o
epígrafe 4 o que mais me confunde. O amador quase aparece como uma
espécie de depravado musical, um hedonista superficial, infantil e
profundamente irresponsável. Meu Deus! Parece que está a definir a
imagem que temos de, por exemplo, o amador Mozart.
Com todo este circunlóquio
queria chegar a onde? Pois a quanto há de relativo nisso de falar de
músicos amadores e profissionais e por essa relatividade, quanto de
injusto pode haver numa taxonomia de personagens históricos
catalogados em função deste dualismo. A seguir quisera falar da
relação que poetas, dramaturgos, pintores, escultores, médicos,
advogados… tiveram com a música através do contacto, quase sempre
doméstico, com um instrumento e como este contacto é sintoma ou
terapia, em muitos casos, dos seus desequilíbrios emocionais.
A terapia de Sherlock.
«Meu amigo era um músico entusiasta, e não só tocava muito bem, como ainda era compositor de grande mérito. Passou a tarde inteira na poltrona mergulhado na mais perfeita felicidade, movendo delicadamente os longos dedos finos no compasso da música, enquanto seu rosto sorridente e seus olhos lânguidos e sonhadores eram totalmente diferentes dos de Holmes, o cão de caça; Holmes, o implacável, de mente aguçada, perseguidor de criminosos.» A Liga dos Ruivos. Arthur Conan Doyle.
«Meu amigo era um músico entusiasta, e não só tocava muito bem, como ainda era compositor de grande mérito. Passou a tarde inteira na poltrona mergulhado na mais perfeita felicidade, movendo delicadamente os longos dedos finos no compasso da música, enquanto seu rosto sorridente e seus olhos lânguidos e sonhadores eram totalmente diferentes dos de Holmes, o cão de caça; Holmes, o implacável, de mente aguçada, perseguidor de criminosos.» A Liga dos Ruivos. Arthur Conan Doyle.
Uma
terapia é um tratamento de doenças ou distúrbio psíquicos. A
música –como
aparece testemunhado quando menos desde os papiros de Lahum–
é utilizada em medicina com diferentes fins mas fundamentalmente
para melhorar a qualidade de vida dum paciente. Às
vezes esta melhora e curativa,
outras apenas paliativa;
a música pode ser placebo ou
panaceia; estimulante ou narcótico… Para muitos, a música é uma
medicina que devemos tomar diariamente como antídoto contra a
mediocridade e auxílio fronte os ataques despiedados da fealdade.
Esta ideia de tábua de salvação está em Sherlock.
«Puxe
sua cadeira para perto e dê-me
meu violino, pois nosso único problema agora é como passar essas
noites sombrias de outono.»
O nobre solteiro. Arthur
Conan Doyle.
Os
afetados polo Síndrome de Sherlock não são simples diletantes,
senão que a música é uma necessidade vital, um sintoma dos seu
esteticismo exacerbado, do seu desequilíbrio emocional ou do seu
transbordamento artístico. Sempre
uma contradição: a música
é um break criativo num
contínuo criar.
Nietzsche
vs Rosseau.
«La conversación se anima. Nuestro músico, que resultó ser profesor, há conseguido concentrar la atención de todos. ¿Cómo? ¿Nietzsche compositor? Acaso ejerció la música en forma profesional? ¿Cuál fue su carrera en este ámbito? Se estrenaron sus obras? Ninguna respuesta parece satisfacer a la tertulia. Se origina entonces una discusión alrededor de las categorías "profesional/aficionado". El profesor, enojado, pregunta si alguien conoce algún "poeta profesional". "Es más –dice casi enrojeciendo– Nietzsche ni siguiera fue un filósofo profesional. Lou Andreas Salomé, su discípula, la mujer que él amó y que lo dejó sufriendo en carne viva al rechazarlo, sabía mucho más de filosofía que él. Pero él era el filósofo, y no ella. En rigor, ni la poesía, ni la filosofía ni la música son «profesiones» en el sintido corriente del término (por lo que mal puede alguien convertirse en «profesional»). Las profesiones sirven para conseguir algo bien concreto y estas actividades son completamente inútiles para eso. Entiéndase: no son utilitarias. En el momento en que «sirven» a un fin ulterior a sí mismas, (cualquiera que sea: sustento, reconocimiento, etc.), se contaminan y se marchitan. Es por eso que prefiero pensar que en este terreno nadie pasa el nivel de aprendiz. O, si ustedes quieren: de "aficionado".» SCHULKIN, Claudio Nietzsche compositor in A parte rei. Revista de filosofia. Ano 2002, nº 19 [http://serbal.pntic.mec.es/~cmunoz11/nieto.pdf]
«La conversación se anima. Nuestro músico, que resultó ser profesor, há conseguido concentrar la atención de todos. ¿Cómo? ¿Nietzsche compositor? Acaso ejerció la música en forma profesional? ¿Cuál fue su carrera en este ámbito? Se estrenaron sus obras? Ninguna respuesta parece satisfacer a la tertulia. Se origina entonces una discusión alrededor de las categorías "profesional/aficionado". El profesor, enojado, pregunta si alguien conoce algún "poeta profesional". "Es más –dice casi enrojeciendo– Nietzsche ni siguiera fue un filósofo profesional. Lou Andreas Salomé, su discípula, la mujer que él amó y que lo dejó sufriendo en carne viva al rechazarlo, sabía mucho más de filosofía que él. Pero él era el filósofo, y no ella. En rigor, ni la poesía, ni la filosofía ni la música son «profesiones» en el sintido corriente del término (por lo que mal puede alguien convertirse en «profesional»). Las profesiones sirven para conseguir algo bien concreto y estas actividades son completamente inútiles para eso. Entiéndase: no son utilitarias. En el momento en que «sirven» a un fin ulterior a sí mismas, (cualquiera que sea: sustento, reconocimiento, etc.), se contaminan y se marchitan. Es por eso que prefiero pensar que en este terreno nadie pasa el nivel de aprendiz. O, si ustedes quieren: de "aficionado".» SCHULKIN, Claudio Nietzsche compositor in A parte rei. Revista de filosofia. Ano 2002, nº 19 [http://serbal.pntic.mec.es/~cmunoz11/nieto.pdf]
Parece
que Nietzsche teve uma educação musical muito básica, mas ele
sempre teve vocação de músico. Quando
aprendeu a falar, a escrever, a pensar, desenvolveu além disso, um
mecanismo de imunização chamado música: «A
minha melancolia quer
descansar em sítios escondidos e em abismos de perfeição. É por
isso que preciso de música.» A
Gaia
Ciência.
A
crítica musical tende a desvalorizar a obra de Nietzsche, em
oposição ao
contexto no que nasce. Comparar o talento musical do filósofo com o
de Listz ou Wagner resulta sumamente injusto, pois quantos há, na
altura, comparáveis a estes? Disse que a sua gramática e sintaxe
musical continha erros que resultavam insuportáveis para Hans
vön Bülow,
primeiro marido de Cósima. Mas se escutamos as composições de
Nietzsche sem prejuízos –nem positivos, nem negativos– estou certo
que podemos apreciar a beleza e inspiração de muitas das suas
composições como as
tituladas
Herbstlich
Sonnige Tage
1867
[para
quarteto vocal misto com acompanhamento de piano], So
lach doch mal ca.
1862
[para
piano], Das
“fragment an sich” 1871
[para
piano]…
Esta
última peça é para mim todo um tratado de filosofia escrito sobre
um
pentagrama. O título que poderíamos
traduzir como Fragmento
em
si –«assaz esquipática tradução» em expressão de Lopes Graça– resulta
do mais eloquente. Para Nietzsche, ao
igual
que para o seu mestre Schopenhauer, a música é a mais elevada das
artes. A
música não precisa de levar associado um texto, nem sequer uma
correspondência
com um tema ou motivo concreto. Dizia
Shopenhauer:
«Com
certeza, em geral, se uma
correspondência entre uma composição e uma
apresentação intuitiva é possível, deve-se a que ambas constituem
somente expressões inteiramente distintas da mesma essência interna
do mundo. Quando, em um caso individual, uma tal correspondência
realmente procede, portanto o compositor soube exprimir os movimentos
da vontade, que formam o cerne de um evento, na linguagem geral da
música, então a melodia da canção, a música da ópera, são
expressivas. Porém a analogia encontrada entre ambos pelo compositor
deve ter-se originado do conhecimento imediato da essência do mundo,
inconsciente de sua razão, e não deve se constituir em reprodução,
mediatizada numa intencionalidade consciente por conceitos, pois
neste caso a música não expressaria a essência interna, a vontade
ela mesma, mas somente copiaria de modo imperfeito o seu fenómeno;
como aliás ocorre em toda música imitativa, p. ex.: “As estações
do ano” de Haydn, e também a sua “Criação” em muitas
passagens, em que fenómenos
do mundo intuitivo são reproduzidos diretamente; da mesma forma,
todas as peças de batalhas, o que deve ser rejeitado totalmente. »
O
mundo como vontade e representação.
L.III; § 52.
O
Fragmento
de
Nietzsche começa
com a indicação Sehr
langsam,
muito
devagar, em piano, até o final do pentagrama, só modificado no
compasso 13 pela indicação anschwellend,
algo assim como inchaço, com
a que tal
vez o
artista pretendia dar mais corpo aos seguintes compassos sem
abandonar o espírito saudoso
geral da composição. A última recomendação do autor está no
final onde podemos ler Da
capo com malinconia.
Não era por causa da melancolia que Nietzsche precisava da música?
Esta peça termina com o pentagrama aberto como prova definitiva de
ser um simples fragmento. Uma beleza!
Henri
Rousseau (1844-1910) andou,
em certo modo, o caminho contrário ao filósofo alemão. O
Aduaneiro foi músico militar, na armada francesa, onde tocou o
cornetim. Também sabia tocar a mandolina, a flauta... mas o
instrumento que lhe
ajudou a ganhar
a vida
foi
o violino. Em
realidade o seu percurso vital tem muito a ver com o do nosso Eugénio
Granell (1912-2001).
Ambos eram violinistas e os dois se fizeram pintores com certa idade:
Rousseau com mais
de quarenta e Granell cerca dos trinta. O
pintor francês decidiu em certo momento da sua vida deixar a sua
atividade profissional de
aduaneiro e dedicar-se em exclusividade à pintura. Em realidade, o
de em exclusividade é um bocado exagerado: para ajudar à
economia familiar Rousseau dava aulas de violino e passava
o chapéu no Jardin das
Tuileries.
Num
livro fantástico, um dos que assenhoream a prateleira dos meus
sonhos, titulado El
París de Kiki, Artistas y amantes. [Barcelona; Tusquets] 1990, aparecem algumas fotografias belíssimas
de escritores e pintores abraçados ao seu instrumento. Uma série
extraordinária estaria constituída por um grupo de autorretratos
realizados
pelo dramaturgo sueco August Strindberg (1849-1912) em
1886.
1906
Autoretrato, August Strindberg 1886
Autoretrato, August Strindberg 1886
Em
1893
Strindberg estava casado com uma mulher fascinante:
Frida Uhl (1872-1943). Dela
fala
num opúsculo que constitui
um formoso
arrazoado à importância do azar
na criação artística e
cujo título podemos traduzir como: As
novas artes
ou
o azar
na criação artística. Setrindberg
conta-nos aqui um episódio autobiográfico
a respeito da sua faceta como guitarrista:
«Eu
estava procurando uma melodia para uma peça chamada
Samum,
que está ambientada na Argélia.
Com
tal motivo,
afinei
meu violão aleatoriamente, afrouxando as
cravelhas
ao azar,
até encontrar um acorde que transmitia a impressão de algo
extremamente bizarro,
sem ultrapassar os limites da harmonia.
A
melodia
foi
aceite pelo ator que desempenhou o papel;
mas
o diretor, sumamente
realista,
exigiu uma melodia autêntica ao
saber
que a minha não era genuína. Então encontrei uma coleção de
músicas árabes e as mostrei ao diretor, mas ele as
rejeitou todas
e, finalmente,
concordou
em
que
a
minha pequena música era
mais
"árabe" do que as genuínas.
A
canção
foi executada
e me trouxe uma certa dose de sucesso, e,
todavia, um
compositor, então em voga, veio pedir minha permissão para escrever
uma
composição baseada na
minha pequena música "árabe", a
qual o
tinha impressionado…
Aqui
está a minha melodia,
composta
ao azar:
Sol,
Dó#,
Sol ♮ (sic),
Sib,
Mi.
Eu
conheci um músico [parece
que se trata do escritor e pianista Przybyszewski]
o
qual
gostava
de
afinar
o
seu
piano de
qualquer jeito,
tocando
depois,
de
memória, a
Pathétique
de
Beethoven.
Foi
um prazer incrível ouvir essa
velha
peça
agora
rejuvenescida.
Durante vinte anos, escutei a
este pianista tocar essa
sonata,
sempre idêntica
a si mesma,
fixa,
incapaz de evoluir, sem
esperança de vê-la desenvolver-se.
Desde
então, eu faço o mesmo na minha viola com
as melodias gastadas. Os
guitarristas invejam-me e me perguntam onde encontrei essa música;
Eu lhes digo que não sei e
eles
acreditam
em mim
como
compositor.
Uma
ideia
para os fabricantes de realejos
atualmente muito
em voga! Façam
alguns furos aleatoriamente arredor
do
disco
que
porta a
melodia e vocês
terão
um caleidoscópio musical.»
Des
arts nouveaux ! ou Le hasard dans la production artistique Revue
das Revues.
15/11/1894
[s.n;Paris]
Tradução
do original em francês pelo autor deste trabalho.
O
texto
de Strindberg é divino e amostra, alem da importância que para ele
o azar devera ter nas artes, a sua relação
quotidiana com a guitarra na que mesmo experimenta afinações
alternativas, chegando a influir na encenação duma das suas peças
teatrais.
Algum exemplo galego.
«Al suscrito se le olvidaba una interesante cosa de tu afecto: el piano donde reproducías frases celestes de la música universal entrenando tus ágiles dedos para las cirugías, retemplando a un tiempo el espíritu contra el dolor humano y la ingratitud; dile a tu clave que ya oyes en el órgano inmenso de los cielos, el magníficat de tu glorificación...» El Compostelano: Diario independiente: Año XV nº 4151 2 de Abril de 1934
Estas palavras foram escritas por J. Mª Moar num panegírico feito em louvor do cirurgião compostelano Ángel Baltar (1868-1934). Na altura, havia a crença de que a prática instrumental era uma fenomenal ginástica de dedos para os cirurgiões. Ángel Baltar foi o nosso Theodor Billroth (1829-1897), pioneiro da cirurgia e grande pianista, amigo íntimo de Johannes Brahms. Billroth escreveu um livro (1895) titulado Wer ish musikalish? [Quem é musical?] onde «el autor asocia de un modo muy espiritual los problemas musicales estéticos con los conocimientos fisiológicos de su tiempo, si bien es verdad que no llega a conclusiones positivas.» Médicos músicos y amigos de la Música por el Dr. Reich. in Actas Ciba 9, setembro de 1941. p. 249
Dizem que a princípios do século XX, era frequente que os passeantes da praça compostelã do Toural escutaram o piano de Ángel Baltar nos seus ensaios diários. Em 1908, o ilustre cirurgião pede ao arquiteto Eduardo Rodríguez-Losada Rebellón (1886-1973) que lhe construa um palacete de verão ao pé da praia rianxeira de Tanxil. O arquiteto corunhês, além de ser o desenhador de alguns dos mais formosos edifícios da capital herculina do século XX é autor de quatro óperas e quatro sinfonias, entre outras muitas composições musicais. Contam que quando a Torre de Baltar estava terminada e servia de residência estival da família, às vezes sacavam o piano ao jardim e realizavam serões onde com certeza se tocariam as sonatas de Mozart, Haydn e Beethoven, nos dedos dos seus invitados, entre os quais não faltariam duas grandíssimas piantistas: Olegaria (1890-1981) e Mireya (1915-2015) Dieste . Esta última, casou com um herdeiro da Torre, o também médico Antonio Baltar (1906-1970).
Torre de Tanxil
Vida Gallega 30/11/1932
Vida Gallega 20/09/1932
Poderíamos fazer uma catolagação de intelectuais galegos e galegas em relação ao instrumento que tocavam: Rosália de Castro, Avelina Valladares, Castelao... guitarra; João Pintos, Marcial Valladares, Viqueira, Granell, García Sabel... violino; Rafael Dieste, Isidoro Brocos, Xosé Manuel Beiras... piano; e inclusive falar do interesse de Manuel Antonio por aprender a tocar a gaita ou o gosto de Celso Emilio por cantar acompanhado dum adufe. Com certeza a lista seria interminável, mas há que ir concluíndo.
Como corolário a esta desordenada coletânea de dados, um último exemplo que tenho guardado no meu almário -palavra que aprendi de Lorca, outro poeta-músico– esse armário da alma onde guardamos as melhores lembranças e sentimentos. A sequência dos fatos aconteceram tal que assim:
- No Natal de 1921 nascia Jacinto Viqueira Landa, o segundo filho do casal formado por João Vicente Viqueira e Jacinta Landa Vaz.
-Uns meses depois, (1922) o pedagogo e galeguista Viqueira compõe para ele uma formosíssima canção titulada Cantar de Berço.
-Em agosto de 1924 João Vicente morria vítima duma antiga doença que lhe provoca uma septicémia.
-Desta cantiga só se conhecia a letra, mas na década dos 70 o compositor ferrolano Miguel Varela põe-lhe música, sendo gravada em 1979 pela cantora María Manuela.
-A fins dos 90, eu entro a fazer parte do grupo musical que acompanha a María Manuela, sendo o Cantar de Berço de Viqueira/Miguel Varela um fixo no nosso reportório.
-Em 2013 leio numas notas biográficas feitas por Viqueira que o pedagogo corunhês era intérprete (violino, piano...) e compositor. Depois de contactar com a família mexicana soube que não se conserva nenhuma partitura, mas há umas gravações a capela feitas por Jacinta Landa Vaz nos anos 50 em México D.F.
-Nessas gravaçoes estão incluídas três composições com música original de João Vicente Viqueira, entre as quais o Cantar de Berço.
-Finalmente a editorial aCentral Folque em 2017 edita um estudo crítico destas gravaçoes com textos meus e dos professores Domingos Morais (Universidade Nova de Lisboa) e Pilar Barrios (Universidade de Extremadura).
Final
Ao igual que no livro do cirurgião e pianista Theodor Billroth esta postagem é uma sequência de dados certos mas sem qualquer indício de conclusões. Dizia o Antropólogo inocente que não são dados o que falta, mais bem algo inteligente que fazer com eles. Em Instrumental, o atual best-seller e livro do ano de James Rhodes, o virtuoso pianista inglês conta como a música lhe salvou a vida. Para muitos intelectuais e profissionais dos mais diversos ofícios, a música foi um lugar de descanso, um lugar onde desconetar do quotidiano, em certo modo um tipo de dissociação necessária. Para cada um destas personagens históricas tal vez a música pode ser um sintoma de algo, um paliativo, um remédio ou um placebo, mas em qualquer caso, a música é um excelente exercício para ser humano.
«Não há nada mais a dizer ou fazer hoje à noite; portanto, dê-me meu violino e vamos tentar esquecer por meia hora esse tempo miserável e o comportamento ainda mais miserável de nossos semelhantes.» Os cinco caroços de laranja. Arthur Conan Doyle.
- No Natal de 1921 nascia Jacinto Viqueira Landa, o segundo filho do casal formado por João Vicente Viqueira e Jacinta Landa Vaz.
-Uns meses depois, (1922) o pedagogo e galeguista Viqueira compõe para ele uma formosíssima canção titulada Cantar de Berço.
-Em agosto de 1924 João Vicente morria vítima duma antiga doença que lhe provoca uma septicémia.
-Desta cantiga só se conhecia a letra, mas na década dos 70 o compositor ferrolano Miguel Varela põe-lhe música, sendo gravada em 1979 pela cantora María Manuela.
-A fins dos 90, eu entro a fazer parte do grupo musical que acompanha a María Manuela, sendo o Cantar de Berço de Viqueira/Miguel Varela um fixo no nosso reportório.
-Em 2013 leio numas notas biográficas feitas por Viqueira que o pedagogo corunhês era intérprete (violino, piano...) e compositor. Depois de contactar com a família mexicana soube que não se conserva nenhuma partitura, mas há umas gravações a capela feitas por Jacinta Landa Vaz nos anos 50 em México D.F.
-Nessas gravaçoes estão incluídas três composições com música original de João Vicente Viqueira, entre as quais o Cantar de Berço.
-Finalmente a editorial aCentral Folque em 2017 edita um estudo crítico destas gravaçoes com textos meus e dos professores Domingos Morais (Universidade Nova de Lisboa) e Pilar Barrios (Universidade de Extremadura).
Final
Ao igual que no livro do cirurgião e pianista Theodor Billroth esta postagem é uma sequência de dados certos mas sem qualquer indício de conclusões. Dizia o Antropólogo inocente que não são dados o que falta, mais bem algo inteligente que fazer com eles. Em Instrumental, o atual best-seller e livro do ano de James Rhodes, o virtuoso pianista inglês conta como a música lhe salvou a vida. Para muitos intelectuais e profissionais dos mais diversos ofícios, a música foi um lugar de descanso, um lugar onde desconetar do quotidiano, em certo modo um tipo de dissociação necessária. Para cada um destas personagens históricas tal vez a música pode ser um sintoma de algo, um paliativo, um remédio ou um placebo, mas em qualquer caso, a música é um excelente exercício para ser humano.
«Não há nada mais a dizer ou fazer hoje à noite; portanto, dê-me meu violino e vamos tentar esquecer por meia hora esse tempo miserável e o comportamento ainda mais miserável de nossos semelhantes.» Os cinco caroços de laranja. Arthur Conan Doyle.
2 comentários:
Paréceme un traballo extenso e moi ben documentado. Destacaría as referencias ao noso benquerido e benefactor Angel Baltar tan apreciado polos rianxeiros. Tamén aos outros intelectuales q se apoiaron na música para completar a súa personalidade.
Isso é que me tirais da língua nas aulas e depois chego a casa e ordeno o que a vós vos conto desordenado. O Ángel Baltar e os Baltar dariam para muitos artigos...
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