segunda-feira, 27 de abril de 2015

nº 199 Where's Miss Zaida


 A Tero Rodríguez e Lucho Penabade,
cómicos da légua.
Where’s Miss Zaida?

  • Introdução.
Na sequência duma investigação qualquer encontramo-nos muitas vezes com nomes ou dados os quais, por um motivo ou por outro, resultam atrativos e nos conduzem a novos percursos investigadores. Isto foi o que me aconteceu com a bandurrista norte-americana Julia Zaida, uma pessoa cuja história –apresentaçao, desenvolvimento e desfecho– transcorre no breve intervalo que vai de 1893 a 1902. Mas, quem era esta mulher? Onde nascera? Qual era a sua formação musical? Que foi dela depois de 1902? Muitas perguntas e pouquinhas respostas.

  • On the road.
1893
31de janeiro
No casino da rua Moreno Nieto de Badajoz, tem lugar um concerto baile no que se dá a conhecer a notável bandurrista Dna. Julia Zaida acompanhada na guitarra por D. Eugenio Arredondo. O Nuevo Diario da cidade estremenha recolhe a nova tratando à bandurrista de doña, algo esquisito já que a partir de agora a imprensa referira-se a ela, principalmente como Julia Zaida ou, algo mais tarde, Miss Zaida, o qual pareceria indicar a sua origem anglo-saxônica e que na altura estava solteira.
14 de abril
O Diario de Avisos anuncia a chegada a Madrid da «notable concertista de bandurria Julia Zaida, tan conocida del público madrileño y que tantos aplausos ha cosechado em Murcia, Cartagena, Badajoz, Zaragoza y Barcelona. Julia Zaida se propone dar algunos conciertos en el café de Santa Isabel
23 de abril
Acompanhada do guitarrista Antonio Sánchez Magdalena, também um excelente violinista, toca na redação do diário madrileno El Imparcial.
22, 23 e 24 de junho
Por estas datas continua em Madrid no Café Universidad onde dirige a um «terceto de señoritas», mas uns dias depois já fazia parte da companhia cómico-dramática de José Sánchez Palma com a que dará três funções em Ferrol. A historiadora Eva Ocampo, Ocampo Vigo, Eva, [2001] comenta como a esta companhia se lhe conhecia como A Companhia dos Bandidos, devido à índole das obras que representavam: Diego Corrientes o el bandido generoso, José María o lós bandidos de Sierra Morena.
O passo da companhia de Sánchez Palma pelo Jofre ferrolano deveu-lhe valer a Julia Zaida como ponte para se achegar à Galiza, lugar no que vai atuar frequentemente nos próximos anos.
Depois de tocar em Ourense, em novembro do 93, anuncia-se a presença da bandurrista no Círculo de las Artes de Lugo. Nesta ocasião o mestre acompanhante escolhido ou disponível foi João Montes (1840-1899). O tandem Zaida & Montes citam-se para a velada do dez de novembro, mas dita atuação, devido a inconvenientes de última hora, não se celebra. Resulta curioso imaginar ao pio e solteiro Montes, ao que nunca se lhe conheceu relação alguma, partilhando cenário com uma, suponhamos, jovem norte-americana, a qual viaja com trupes de cómicos e atua em cafés cantantes. Tal vez o Montes não estava muito convencido de apadrinhar com o seu prestígio à Miss bandurrista e preferiu que a primeira atuação na cidade fosse acompanhada pelo pianista Ramón Ulloa. Finalmente, em 14 de novembro, Montes e Zaida tocam no Círculo, logrando um êxito que lhe proporcionará à concertista uma série de concertos no Café Español acompanhada do seu plano B no Círculo, o Sr. Ulloa.     
Neste café de Lugo, cuja primeira velada terá lugar o 19 de novembro, Miss Zaida deveu contemplar o nascimento do ano 1894.
1894
De 9 ao 14 de janeiro a bandurrista é contratada pelo santiaguês café Méndez Núñez. Entre o seleto repertório interpretado em Compostela, ao igual que antes em Lugo, estará já a Alvorada de Veiga, que após a sua estreia em Ponte Vedra em 1880, convertera-se numa das peças mais populares para o público galego. No café Méndez Núñez sentará ao piano o maestro Santos Ferreras.
1895-1896
No período que vai de fevereiro de 1894 até princípios de 1897 apenas temos referencias da atividade concertística de Miss Zaida. Cremos que deveu andar todo o tempo por fora da Galiza. Como exemplo dizer que em 1895 temos localizada a bandurrista no café Del Siglo de Logroño e em dezembro de 1895 no café da Marina, em Donostia, onde tocava acompanhada do laudista Sr. Olascoaga.
1897
Segundo podemos ler em Folgar de la Calle, José Mª e Letamendi Gárate, Jon [1997] é mais que provável que Marques e Azevedo fossem os empresários do cinematógrafo Lumiere que do 4 ao 9 de março do 1897 foi utilizado no teatro-circo Príncipe Real de Porto. Apontam eles a oportuna coincidência de estar na cidade lusa «a Sra. Julia Zaida, que é bandurrista distintíssima». Pois bem, Miss Zaida e a sua bandurra vão participar da estreia pontevedresa do cinematógrafo.
5 ao 19 de abril
Uns dias antes da instalação do primeiro aparelho Lumiere em Ponte Vedra, o Café Español desta cidade anuncia que Miss Zaida, junto com o tocador de guitarra Sr. Asensio, foram contratados para dar uma série de concertos.
17 ao 25 de abril
Às oito horas da tarde do sábado 17 de abril, o Teatro Principal abriu as suas portas para que o público pontevedrês visse a primeira projeção dum cinematógrafo Lumiere na Galiza. Em realidade, esta primeira vez tinha que ter acontecido em Vigo, cidade a que viajaram uns dias antes os empresários portugueses Marques e Azevedo, donos do aparelho. Mas não pudendo ser voltaram à cidade do Leres para a grande estreia. Estarão até o domingo 25 de abril, mas as representações sofreram alguns câmbios.
22 de abril
Até o dia 22 o programa da função do cinematógrafo só incluía a projeção dos filmes. Agora, os empresários ofereceram um completo programa onde além das películas o espetador poderá escutar o monólogo do rapsoda Azevedo –que recitará o poema Fiel de Guerra Junqueiro em português— e ao duo Miss Zaida e Asensio. A bandurrista será também acompanhada em dois números pelo grande pianista pontevedrês Antonio Taboada Nieto (1869-1943).
29 de abril
Ponte Vedra foi o começo dum percurso que levará à empresa de Marques e Azevedo a Corunha, Compostela, Ferrol, Lugo e Vigo. Só nesta última cidade, que nos saibamos, acompanhou-os Miss Zaida, que fiz soar no Tamberlick as notas da alvorada de Veiga.

Nota: Tenha-se em conta que os músicos na altura não acompanhavam às imagens. As películas duravam apenas um minuto e os músicos ou atores amenizavam a espera por enquanto se cambiavam as fitas.

Em sete de junho, quarta feira, Miss Zaida e Asensio voltam a Lugo, tocando no Casino, recebendo o aplauso geral dos assistentes. Este sucesso faz com que o Café Español volte a contrata-la quatro anos depois do seu debute na cidade amuralhada.
Um mês mais tarde, a parelha desloca-se a Santiago de Compostela para tocar no Café Español, homónimo do estabelecimento luguês mas cremos que sem qualquer relação empresarial entre eles. O primeiro concerto tem lugar o dia três de julho e o nove Miss Zaida parte para a Toja, sem que a imprensa aclare se a estância na ilha foi por motivos profissionais ou por descanso.
13 de setembro
Miss Zaida toca no Gimnasio de Ponte Vedra acompanhada de dois guitarristas. Não se cita os seus nomes.
14 de setembro
Actuação no café Méndez Núñez do Trio España, primeira notícia que temos desta formação composta por Miss Zaida, Rebel e Asensio. Parece óbvio que também estes dois foram os que a acompanharam no Gimnasio.
15 de setembro
No Salón Teatro Arrufana terá lugar o grande concerto que dará o notável Trío España. Está formado este conjunto «por la célebre concertista de BANDURRIA Miss Zaida y el reputado concertista de GUITARRA A. Rebel. 2º guitarrista de J. Asensio.».
Infelizmente o Trío España não deveu ter muito mais percurso que o aqui comentado. O primeiro guitarra, Agustín Rebel Fernández dedicou-se a docência em Portugal, sendo professor do violeiro fadista Martinho D’Assunção. Publicará em 1900 o livro Novo metodo elementar e progressivo para guitarra espanhola [ Música impressa] / por Agustin Rebel Fernandez. 1a ed. Lisboa : Industrias Graficas, 1900. No concerto de Cangas, dividido em três partes, a segunda estava composta exclusivamente por obras de Rebel.
1899
É provável que depois destes concertos Miss Zaida volvesse a sair da Galiza na procura de concertos pelas províncias espanholas. Em 1898 não encontramos nem rastro da sua atividade e não é até janeiro de 1899 que a localizamos tocando no Café de las Cuatro Estaciones de Salamanca. O Heraldo de Madrid faz-se eco da atuação da bandurrista com o seu inseparável Sr. Asensio e comenta a hipótese de que a parelha atue em Madrid. Haverá que aguardar até abril para que isso aconteça sobre as tábuas do Salón de Actualidades. No final de julho ainda permanecia na capital do Estado, numa gala benéfica do Salón Rouge.
1902
Mais uma vez, em 19 de abril deste ano, Miss Zaida e Asensio voltam ao Café Español de Ponte Vedra. Desta volta trazem uma novidade, a «la graciosa bailarina en miniatura niña Carmén». No breve do Diario de Pontevedra há algo que chama a atenção. O tratamento para a bandurrista é de Sra. No mesmo jornal uns dias mais tarde disse-nos que a pequena Carmencita, além de bailar, canta e recita bonitos monólogos. Em junho viajaram a Lugo, também no Café Español, para uma série de concertos e com o mesmo motivo irão a Ourense, contratados pelo Café Regional.

Depois destas atuações, Miss Zaida, agora Sra. Zaida, desaparece.

  • In conclusion... 
a) Só existe unha referencia bibliográfica que indique a nacionalidade, neste caso norte-americana, de Julia Zaida. O âmbito da bandurra é quase exclusivamente o do Estado Espanhol e o das suas antigas colónias. Fora das estudiantinas e das rondalhas, algumas comunidades como Aragão, Múrcia ou Valença o folclorizaram, fazendo parte dos seus ranchos. Uma das comunidades com maior presença da bandurra são as Ilhas Canárias. Curiosamente Zaida é um nome de mulher muito usado pelas canárias e como apelido é quase exclusivo dos habitantes de Las Palmas. Será pois uma descendente de espanhóis com nacionalidade americana? Como veremos a coisa é mais complicada.

b) Cronologicamente Julia Zaida passou a ser Miss Zaida quando saiu em 1893 de Madrid, e em 1902, quando voltou a Galiza já era Sra. Zaida. Tendo em conta que vinha com uma criança, a bailarina Carmencita, dá que pensar que a bandurrista e o guitarrista Sr. Asensio eram parelha também na vida privada, sendo a pequena artista a sua filha. Tal vez isto foi o que provocou o abandono de Julia Zaida dos cenários.
Mas um dado vem a complicar tudo ainda mais.
No final de 1887, concretamente o oito de setembro, a bandurrista Sra. Zaid e Mr. Jacobet atuam no Casino de Lugo. Na velada participa também o Sr. Courtier, que acompanhará a Sra. Zaid no piano. Entre as peças interpretadas está uma das favoritas de Miss. Zaida, Guillermo Tell.
Um mês mais tarde, dez de outubro, a prensa compostelana anuncia que «el propietário del Café Español há contratado a Mr. Zaid y su esposa, para que durante estos dias ejecuten algunos números musicales em dicho establecimiento, em las primeras horas de la noche».
Parece que Julia Zaida estava casada em 1887 com um guitarrista chamado, tal vez, Jacobet Zaid. Nos últimos dias deste ano, a parelha volta a Lugo, para participar no Círculo de las Artes num programa organizado pelo Sr. Altadill. Ademais do concerto de bandurra e guitarra a soirée incluía a intervenção de «el diablo de los salones [que] presentará a brazo limpio, alta prestidigitación, carto-mancia, doble escamoteo, taumaturgia, lós últimos esfuerzos de la Magia Blanca». Um motivo mais para pensar que o Montes pudesse recear da bandurrista.
Entre as peças interpretadas no Círculo de las Artes de Lugo encontrava-se a tanda de valsas Edla, chamada mais adiante Etla ou Ella, da autoria de Mad.[sic] Zaid, o qual confirma, por se houvesse qualquer dúvida, que Zaid e Zaida são a mesma pessoa.
Com todos estes dados aventuro a hipótese de que a bandurrista Julia Zaida nascera espanhola e obtevesse a nacionalidade americana por casamento com o guitarrista Jacobet [Zaid?]. Uma vez separada ou divorciada da sua parelha artística, continuou na profissão com o nome de Miss. Zaida, aproveitando a etiqueta de artista internacional. Porque passou de apelidar-se Zaid a Zaida seria um debate mais controvertido. Tal vez, por ser espanhola, adaptou o seu cognome de casada ao da princesa mora concubina do rei da Galiza Afonso VI. Sei lá!
Depois de vários anos tocando com acompanhantes ocasionais, a redor de 1897 conhece ao guitarrista J. Asensio, que se converte na sua parelha profissional e sentimental, com a qual pôde ter uma filha chamada Carmen.

Já tenho dito muitas vezes que cada entrada do meu blogue é como uma garrafinha deitada ao mar. Se calhar, a alguém que na malhante do seu computador encontre a minha mensagem, não se importe de perder uns instantes lendo a história de Julia Zaida. Tal vez alguém, na outra beira, possa resolver as minhas perguntas e contar-nos algo mais sobre a vida da Miss. bandurrista, uma vida, na minha opinião, digna de ser contada. Oxalá.  

Biografia:
Folgar de la Calle, José María & Letamendi Garate, Jon 1997 Imaxes para un centenario. O cine en Galicia. Cegai; s.l.
Ocampo Vigo, Eva 2001 Las representaciones escénicas en Ferrol. Uned; Madrid.


Imprensa:
Diario de Avisos: Madrid.
El Diario de Pontevedra.
El Eco de Galicia: Lugo.
El Heraldo de Madrid.
El Imparcial.
El Liberal.
El Lucense.
El Regional.
Gaceta de Galicia: Diario de Santiago.
La Correspondencia Gallega: Diario de Pontevedra.
La Opinión: Pontevedra.
La Voz de Morrazo. Marín.
Nuevo Diario de Badajoz.


  • The Repertoire.
Uma das tarefas mais interessantes para conhecer bem a um artista é o estudo do seu repertório. É claro que este nos dará uma informação exata sobre o estilo, a formação, o virtuosismo do ou da concertista. Neste caso estamos ante uma bandurrista cujo repertório é exclusivamente académico, por tanto afastado da música folclórica. Quando interpreta um aire regional é sempre desde um arranjo profissional de compositores de zarzuela ou de bandurristas –os menos– como o valenciano Carlos Terraza.

Em todos os seus concertos só encontramos um tema galego que foi recorrente nas suas intervenções na Galiza. Trata-se da Alvorada Galega de Pacual Veiga que ela interpretou quando menos desde 1893. Conhecia Miss. Zaida o arranjo para guitarra da Alvorada de Veiga de Juan Parga? O guitarrista ferrolano interpretou a sua versão em 1889 na sua vila natal, junto com alguma outra composição de caráter popular como Fiesta Gallega ou Idilio Gallego.
O instrumento acompanhante da bandurra era mormente a guitarra, mas em muitas ocasiões o músico disponível ou preferido era pianista. É de supor que Miss. Zaida contaria com arranjos para estes dois instrumentos com o fim de ser utilizados segundo as necessidades de cada atuação. Em Madrid, em 1893, dirigiu um terceto de señoritas e em 1897 fazia parte do Trio Español. Como música profissional tinha de ser flexível, ter certa diversidade de repertório e facilidade de adaptação ao médio no que fosse tocar.
Em definitiva, o reportório de Julia Zaida está composto por grandes êxitos da música clássica, como as composições de Mozart ou Boccerini, belcantísticas, repertório zarzuelístico, alguma coisa específica para bandurra como Terraza ou Lucena e composições oportunistas, como a Alvorada de Veiga.













(1) No reportório encontramos os títulos Edla, Etla e Ella, da autoria de Julia Zaida. Consideramos que são a mesma peça e que na segunda deu-se um erro de imprensa.
(2) Pensamos que Auras del Tajo e Auras de Madrid são a mesma composição.
(3) Tanto a Pavana de Lucia, 14 Rasi e a Pavana de Luis XIV deve referir-se à Pavana favorita de Luís XIV de Frédéric Brisson.
(4) O Trío Español estava formado pela bandurrista Julia Zaida e os guitarristas Agustín Rebel Fernández e o Sr. Asensio.

[g] Guitarra
[p] Piano
[a] Alaúde

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