sexta-feira, 12 de outubro de 2012

nº 149 Graffiteiros do passado V

Moinho de Sobrido, Abuim, Rianjo.

No lugar de Abuim há um canto especialmente formoso. Trata-se dum cais e uma praia que nos mapas aparece nomeada como Enseada do Pico. A este lugar vai morrer um regato que alimenta dois moinhos a través duma levada de pedra perfeitamente conservada apesar do seu lamentável abandono.
O moinho mais próximo ao mar é de grande tamanho e segundo contou um vizinho foi feito no século XX. A só uns metros deste, cara ao interior do monte, há outro de reduzidas dimensões, um moinho como tantos outros dos existentes em Rianjo. Porem, esta construção tem uma singularidade. Num pé direito da porta de entrada há gravado um signo que me deixou fascinado.


Sobre a função desta marca não posso dar uma explicação. Não tenho, como em tantos outros casos, nenhuma informação histórica ou mesmo folclórica para saber que levou a um ser humano a riscar estas gravuras numa pedra. O que sim podemos é dizer que nos encontramos ante um exemplo magnífico, sem dúvida alguma, de arte popular.
Em primeiro lugar destaca o tamanho, 40 cm de alto e 38 cm ao largo, no ponto de maior comprimento. Isto unido a que está num lugar principal, bem a vista, é de supor que foi posto precisamente para isso, para ser visto.
Tipologicamente poderia estar aparentado com o que encontramos no lugar de Meiquiz, postagem nº 143, ou incluso com a cruz da Aldeia Velha de Abuim, postagem nº 113, fotografia nº 50. No caso da Aldeia Velha o motivo parece plenamente cristiano, com certa semelhança com os denominados pelos amadores dos graffitis lignum crucis, havendo exemplares idênticos a este em muitos muros da Galiza e do resto da cristandade. Porem, o exemplar do moinho de Sobrido é muito singular.
As pedras que formam a porta têm várias cruzes cristãs às que habitualmente se lhes associa um carácter profiláctico. Eu localizei duas muito evidentes, mas é possível que haja alguma mais. Poderia ser o signo do que estamos a falar também uma marca preventiva? Pois é possível, mas tão possível como que seja qualquer outra coisa. De termos que apostar por algo, eu decantaria-me por defini-la como uma marca de propriedade. A razão da minha escolha tem muito de intuitiva, mas também obedece a que nas saídas efectuadas pelos montes e os caminhos de Rianjo, há uma clara concentração de este tipo de marcas na zona compreendida pelos lugares de Leiro, Meiquiz, Abuim.., mesmo chegando até a própria paróquia de Rianjo. Em Taragonha e o Araño há, certamente, muitas cruzes, mas não encontrei exemplares tão especiais como o do Moinho de Sobrido. 


Lugar de Abissínia, montes de Rianjo.

A segunda das marcas que quero comentar está na paróquia de Rianjo, no lugar conhecido como Abissínia. A gravura fica sobre uma pedra que ultimamente sofreu algum deterioro ao praticar-se-lhe a finca uma corta muito agressiva. 


O primeiro dos desenho é muito conhecido, representando uma balestra.



A representação deste artefacto de caça ou bélico resulta dum grande naturalismo, já que se o comparamos com um exemplar real vemos que não lhe falta detalhe. O artista deveu traçar uma linha recta a que lhe foi acrescentando o resto dos motivos. Segundo isto, a primeira risca curva começando pela direita representa o gatilho. A continuação com uma só linha desenharia o arco e a corda que impulsam a seta. Por último um quadrado pegado ao arco simula o estribo, que se usava para colocar o pé e auxiliar no esticado da corda.

Numa ilustração do incunábulo Heidelberger Totentanz, ilustrado por Heinrich Knoblochtzer, podemos ver, alem do esqueleto-músico, a um soldado com uma balestra de estribo, similar ao exemplar de Abissínia.

Assim como a balestra desta rocha é muito conhecida e já foi documentada com anterioridade, há outra a poucos centímetros que considero a dia de hoje inédita. 


Poderia tratar-se da representação duma escoda, uma ferramenta de canteiro que leva uma superfície plana com fio por um extremo e um punteiro pelo outro. Existem muitas representações de escodas medievais em muros, como marcas de canteiros, e também alguma escultura formosíssima como os cançorros que podemos ver na web Caminando entre el románico.


Porém, eu não conheço nenhuma gravura duma escoda numa rocha a flor de terra. Suponho que existirá,  mas deve ser um motivo muito esquisito. Qual é a razão de aparecer aqui e a que época pertence?
De estar no certo de que se trata duma escoda, haveria que pensar numa marca de canteiro, colocada ai em época histórica. Para ser mais concretos quanto à sua funcionalidade e idade deveríamos observar detidamente o contexto.
A apenas um quilómetro em direção leste há uma pedra sobre a que se gravaram muitos signos, mas na que destacam duas letras de grandes proporções, uns 28 cm de alto, e um signo que não logro identificar.  


Nesta rocha, também a flor de terra, lê-se claramente um M e quiçá uma J, numa caligrafia que me lembra muito os documentos notariais do século XVIII, como o cadastro do Marquês da Ensenada. Mas a pedra tem muitos outros signos que estão semi-ocultos pela terra e as folhas ou muito erodidas. Por trás desta pedra, subindo monte acima, vemos os restos duma canteira, os cons escachados, trabalhados de tal jeito, que os refugalhos ficam por toda a parte.

Com todos estes dados à vista, podemos lançar a hipótese de que tanto a escoda como as letras M e J são marcas de canteiro para delimitar um território, um lugar de trabalho, uma canteira. Considero uma e outra pertencem a épocas diferentes, quiçá com vários séculos de diferença. Mas, se isto é assim, que faz a balestra neste contexto pica-pedreiro?
Já se sabe que há muitas balestras gravadas em perpianhos de igrejas ou de castelos. A sua interpretação é tão hipotética como a de qualquer outra marca de canteiro. Uma coisa que me surpreende de muitas destas interpretações é que quase todas são indocumentadas e carecem de lógica histórica. Nascem da mera impressão, sendo por isto que deveram denominar-se interpretações impressionistas. Na minha opinião nada nos diz que, por exemplo, a um único signo tenhamos que dar-lhe um único significado. Como se sabe o signo linguístico pode ser polissémico e um ícone pode alcançar significações diferentes dependendo do seu contexto. Pensemos na rocha de Abissínia. Se a escoda representa aos pedreiros, coisa lógica sendo todo esse monte uma canteira de granito longamente explorada, a balestra pode ser associada à caça, ao campo militar e até aos próprios pedreiros, dado que outros exemplares foram gravadas em muros, como já disse. 
É por isso que devemos conformar-nos com dar alguns dados certos sobre a gravura e deixar que peritos na matéria acheguem as suas explicações. 


1º A ponta da seta está indicando a direcção sul, com uma mínima deriva cara ao leste com respeito ao norte magnético. Por tanto a recta sobre a que se desenha a balestra e os extremos do arco indicariam quase a cruz duma rosa dos ventos.

2º O disparo duma balestra era uma medida de longitude usada em diversas épocas históricas com medidas que segundo épocas e lugares oscilavam entre uns 150 metros e não mais de 300. Esta oscilação é lógica tendo em conta os progressos na fabricação do aparelho.


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